Após 30 anos da Lei de Cotas para empresas, especialistas dizem que nem todas enxergam as vantagens de se ter um ambiente corporativo inclusivo

- Existe um ditado popular que diz "inserir é convidar para a festa; incluir é chamar para dançar". Quando isto acontece, a inclusão deixa de ser encarada como um problema e passa a ser vista como solução, tornando o ecossistema empresarial mais justo, plural e rentável - avalia Henri, que luta para que cada vez mais empresas enxerguem as pessoas antes de suas deficiências.

Algumas iniciativas têm contribuído para estas mudanças. O fundador do Serendipidade cita como exemplo o Projeto Abraça, da EspaçoLaser, rede de depilação com mais de 600 lojas no Brasil. O programa tem como objetivo recrutar, capacitar e empregar 500 profissionais com deficiência nos próximos dois anos para a área de atendimento de suas lojas.

- Caso esta meta seja alcançada, irá gerar um impacto sem precedentes no país. Após a capacitação, os profissionais não serão obrigados a aceitar a oferta de trabalho feita na conclusão do curso. Eles terão a liberdade de escolher o que querem fazer. Ou seja, a EspaçoLaser está priorizando o desenvolvimento e o protagonismo das pessoas com deficiência, sem se preocupar com o retorno financeiro imediato para seu próprio negócio - diz Henri.

- É uma iniciativa alinhada aos princípios modernos da cultura ESG (Environmental, Social and Governance), que incentiva nossa companhia a buscar impactos socioambientais positivos, independente do incremento de lucro no curto prazo - acrescenta Cintia Tavares, gestora do Projeto Abraça.

Para Fernando Bracconot, atualmente consultor de diversidade e inclusão do Carrefour Brasil, e um dos responsáveis por ampliar o número de pessoas com deficiência na Rede Raia/Drogasil, trabalhar com pessoas com deficiência é bom para todos:

- Para os funcionários com deficiência, há o aumento da autoestima, a pessoa passa a acreditar nela mesma, ver que pode ser útil para a sociedade. Há o empoderamento financeiro também, a independência para quando os pais não estiverem mais, e ganhos incríveis, como participar do primeiro amigo secreto fora do âmbito familiar. As empresas ganham porque a inclusão, além de trazer ótimos funcionários, acaba gerando em todos um engajamento maior, um orgulho de pertencimento. Isso melhora o clima de uma maneira geral, o que gera mais resultado financeiro.

No Carrefour, há ações de inclusão como a divulgação de vídeos específicos com dicas de convivência, voltados para líderes e colaboradores. Em abril, a companhia anunciou também o Programa IDE (Inclusão, Diversidade e Equidade), voltado para o desenvolvimento e aceleração de carreira de colaboradores de perfis minorados (pessoas negras, com deficiência, trans ou refugiadas). Durante seis meses, os colaboradores selecionados passam por uma capacitação técnica para ocuparem posições de liderança.

Para Marinalva Cruz, consultora na área de acessibilidade e empregabilidade de pessoas com deficiência, nos últimos 30 anos os temas relacionados a acessibilidade, educação inclusiva e transporte acessível, por exemplo, têm ganhado mais visibilidade. Ela acredita que há também uma oferta maior de tecnologia assistiva.

- No entanto, ainda há um caminho longo pela frente, precisamos avaliar a qualidade do emprego, continuar atuando para eliminar todas as barreiras que impedem ou dificultam o crescimento profissional das pessoas com deficiência e investir mais no conceito de desenho universal - diz.

Andrea Schwarz, CEO da iigual Inclusão & Diversidade, o aniversário da Lei de Cotas é motivo para reflexão:

- A Lei de Cotas, após 30 anos, continua sendo a principal ferramenta para acesso das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Do ponto de vista da eficiência da lei, isso é muito bom, mas quando pensamos que, após 30 anos, esse continua sendo o principal instrumento, devemos refletir. Para avanços, precisamos aliar a Lei de Cotas à uma nova perspectiva, enxergando as pessoas além das suas deficiências.

Marinalva e Andrea são exemplos de pessoas com deficiência que têm lutado para transformar o olhar da sociedade para o tema inclusão.

Para ajudar empresas de todo o Brasil que pretendem se tornar mais inclusivas, o Instituto Serendipidade oferece, entre outras atividades, treinamentos e capacitações. Além de palestras sobre as vantagens da diversidade e orientações sobre como mudar a cultura organizacional, a ONG leva pessoas com deficiência para contar suas experiências, gerando maior empatia entre os demais funcionários.

A iniciativa, diz Henri, pode contribuir para que mais empresários apostem em colaboradores com deficiência. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério da Economia de 2018, aproximadamente 470 mil pessoas com deficiência possuem emprego com registro em carteira no Brasil - o que representa apenas 1% da população formalmente empregada. Estima-se, no entanto, que para cada colaborador com deficiência registrado, existam outros 9 em condições de ter algum emprego, porém sem eles.

- Infelizmente, a nossa sociedade ainda faz muitas vezes uma associação equivocada de deficiência com incapacidade. Acreditar que a necessidade específica de alguém é um fator limitante a ponto de impedir o exercício de alguma profissão é um erro grave, que leva empresas a contratarem pessoas com deficiência por obrigação e não por convicção. Como consequência, estes postos de trabalho não recebem a mesma atenção que os demais - lamenta Henri, lembrando que é preciso ainda uma mudança maior, que envolva futuras gerações. - Vocês já se perguntaram se as instituições de ensino das nossas crianças estão oferecendo a elas a oportunidade de conviver com as diferenças, de forma a torná-las seres humanos mais plurais, empáticos e conhecedores da diversidade humana?