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Obsessão pelo bem-estar em tempos de pandemia pode causar distúrbios alimentares e de imagem

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Maria Claudia Amoroso
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Obsessão pelo bem-estar em tempos de pandemia pode causar distúrbios alimentares e de imagem

Todos nós queremos estar em perfeita saúde no momento, mas o que acontece quando a busca pelo bem-estar e imagem ideais se transforma em um vício doentio? Desvendamos os perigos ocultos de se transformar em um 'projeto de autocuidado' para que você entenda quando é hora de parar.

Se, enquanto estava nas redes sociais durante esta pandemia, você passou por um post em que havia um planner fotografado com diversas recomendações, você não está sozinho. Cada um desses “conselhos” varia de acordo com o influenciador ou o ‘guru’ da saúde que você segue, mas o consenso geral é: acordar cedo, reservar tempo para exercícios, comer saudavelmente e depois mergulhar em algum tipo de atenção criativa para maximizar seu tempo no isolamento social. Embora a criação desse 'novo normal' na atual crise global da saúde seja um território desconhecido, há alguns perigos embutidos nessa pregação exaustiva da ideologia do bem-estar. “O conceito de alcançar o bem-estar em seu nível mais básico é buscar um equilíbrio na saúde de nosso corpo e mente. Muitos de seus elementos, como priorizar o sono, meditação, dieta, ioga e remédios naturais, não são novas invenções, mas a obsessão por fazer tudo e se encaixar em padrões de vida ditados por influenciadores e distantes da realidade pode aflorar alguns distúrbios alimentares (como a ortorexia, anorexia e bulimia) em um momento em que o mais importante é priorizar a saúde”, afirma a Dra. Marcella Garcez, médica nutróloga e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia. “O grande problema é que esse período de pandemia é uma situação atípica e inusitada, que impacta diretamente as reações emocionais das pessoas que estão mais ansiosas, preocupadas e com medo. Por não haver perspectivas de quando essa situação irá acabar, todos estão mais susceptíveis a apresentar distúrbios psicológicos e também psiquiátricos”, acrescenta a médica. “Além disso, como estamos conectados a todo momento, a obsessão pelo bem-estar pode causar uma influência indireta para um risco acentuado de desenvolver também distúrbios de imagem, como a dismorfia, que segundo estudos, nos últimos anos já vem crescendo em virtude do uso do Instagram”, acrescenta o cirurgião plástico Dr. Mário Farinazzo, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Chefe do Setor de Rinologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Em 2018, o mercado global de bem-estar foi estimado em US$ 4,5 trilhões, tornando a economia de bem-estar mais da metade do tamanho da economia total em saúde global em US$ 7,3 trilhões, com base nos dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). Esse foco na positividade, no entanto, não resultou em um aumento geral de sentimentos positivos: o relatório de 2019 da Gallup mostrou níveis recordes de experiências negativas de bem-estar. Fica clara a evidência de que ‘comprar bem-estar’ à exaustão não tem relação com uma vida melhor.

Distúrbios alimentares

Embora esse desejo de controlar nossos hábitos possa trazer uma sensação tranquilizadora de ordem nesses tempos incertos, também pode alimentar distúrbios como ortorexia, uma obsessão por comer alimentos saudáveis. “A ortorexia foi descrita em 1996 pelo médico americano Steven Bratman como um transtorno alimentar que se caracteriza como a obsessão pela alimentação saudável, no qual as pessoas adotam comportamentos extremistas em relação à dieta, que deve ser exclusivamente de alimentos saudáveis. A ortorexia ainda não foi reconhecida como transtorno alimentar pelo DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), o guia da psiquiatria. No entanto, muitos relatos científicos concluem que se trata de um transtorno alimentar tão grave como a bulimia e a anorexia. Porém, a preocupação do doente não é com a forma física, e sim com a qualidade dos alimentos ingeridos”, explica a Dra. Marcella Garcez.

De acordo com a médica nutróloga, nesse distúrbio alimentar que pouca gente conhece, alguns sinais são comuns, como: passar a maior parte do tempo pensando, escolhendo e preparando uma alimentação saudável, a ponto desse comportamento interferir nos relacionamentos, trabalho e estudos; quando comer qualquer alimento que considerar não saudável, sentir-se ansioso, culpado, impuro ou contaminado, sendo que, às vezes, apenas o fato de estar perto de tais alimentos pode perturbar; as sensações pessoais de paz, felicidade, alegria, segurança e autoestima são excessivamente dependentes do que come; impossibilidade de relaxar as regras de boa alimentação para uma ocasião especial, como um casamento ou um passeio com os amigos; eliminar cada vez mais alimentos e expandir a lista de restrições alimentares, na tentativa de melhorar os benefícios para a saúde.

O problema é que seguir essa visão de alimentação saudável pode resultar em perda excessiva e não intencional de peso ou sinais de desnutrição, como perda de cabelo, problemas de pele ou interrupção da menstruação. “Os sintomas da ortorexia estão associados a sintomas de outras condições de saúde mental, principalmente ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Devido aos fatores subjacentes comuns a essas condições de saúde mental, a ortorexia geralmente ocorre ao mesmo tempo que outros transtornos alimentares, distúrbios de saúde mental e transtornos por uso de substâncias”, alerta a Dra. Marcella.

Os transtornos alimentares mais frequentes são bulimia e anorexia nervosas, que podem ser influenciadas por esse momento, já que geralmente começam acompanhadas de ansiedade e obsessão por manter-se magro, aliada à presença de baixa autoestima, que são seguidas de alterações de hábitos alimentares. “No caso da bulimia nervosa, a pessoa tem episódios de compulsões alimentares, seguidas de métodos compensatórios inadequados como vômitos induzidos, uso de laxantes ou diuréticos e prática de exercícios em excesso, para evitar o ganho de peso. Os portadores de anorexia nervosa se caracterizam pela recusa em manter um peso mínimo esperado para a idade e a altura através da restrição do comportamento alimentar, pelo temor excessivo em ganhar peso, e pela distorção da percepção da imagem corporal. Outro transtorno alimentar muito frequente nos dias atuais é a compulsão alimentar periódica, no qual as pessoas apresentam episódios de compulsão alimentar, porém diferentemente da bulimia, não utilizam métodos purgativos para eliminar os alimentos ingeridos, sem grande preocupação com o peso e a forma corporal”, afirma a médica. “Essas são patologias que necessitam atendimento médico, com acompanhamento multidisciplinar. Se a pessoa identificar que não consegue se controlar e que os episódios estão muito frequentes, deve procurar atendimento, mesmo que seja à distância”, diz a médica.

A grande influência das mídias digitais não deve ser deixada de lado. Nos Estados Unidos, a blogueira e instagrammer Jordan Younger, em um exemplo claro do que não se deve fazer, participa e incentiva seus seguidores a seguir um “jejum de água” de 14 dias. O objetivo é fazer uma espécie de detox, até de “energias ruins”. Esse é o claro sinal de quando a visão do bem-estar se torna uma espécie de ideologia - e com isso vem a noção de que aqueles que não se envolvem nisso são de alguma forma “menores”. "Aqueles que falham em cuidar de seus corpos sob as expectativas da síndrome de bem-estar são julgados e demonizados como preguiçosos ou com pouca vontade", diz a médica. Esse comportamento de julgamento continua apesar dos estudos que comprovam que muitos indicadores físicos de bem-estar, como magreza, não se relacionam à boa saúde real. Um estudo de 2016 mostrou que pessoas magras (mas com padrões alimentares impróprios) eram duas vezes mais propensas a ter diabetes do que pessoas com excesso de peso.

Quando o bem-estar entra em território perigoso

Um relatório do banco BTG Pactual sobre o legado da quarentena para o consumo mostra que o tópico “skincare” contou com um aumento de 66% no número de buscas entre fevereiro e abril, com destaque para a busca “como fazer skincare?”. Esse é realmente um bom começo para o autocuidado e bem-estar. Só que algumas pessoas estão indo além: influenciadas ou gastando mais tempo nas redes sociais, elas podem estar desenvolvendo um problema de imagem conhecido como Dismorfia Instagram. O grande alvo desse distúrbio são os adolescentes e jovens. “A adolescência é uma fase na qual a autoestima ainda depende muito de uma boa aparência, logo, aparecer bem nas selfies torna-se quase que uma obrigação. Isso leva o jovem a procurar formas de se sentir melhor e a cirurgia é uma delas”, explica o cirurgião plástico Dr. Mário Farinazzo. “Entre os jovens, as queixas mais frequentes são: o formato do nariz, orelhas de abano e o tamanho dos seios, no caso das meninas.”

Somente para ilustrar, um relatório publicado pela Fortune Business Insights, no começo desse mês, destaca que o tamanho global do mercado de implantes estéticos (mamários, dentários e faciais) deverá chegar a US$ 6,14 bilhões até 2026, exibindo um CAGR (taxa de crescimento anual composta) de 6,6% durante o período de previsão. Você imagina o porquê disso? “Desde o advento da Internet, o mundo mudou rapidamente para as plataformas de mídia social da comunicação cara a cara em busca de influenciadores. Os millennials e a geração Z (nascidos entre 1995 e 2015) são incentivados a seguir certos padrões de beleza em várias plataformas de mídia social como Instagram, Facebook e Twitter, bem como em vários sites de namoro. Há também o desejo de receber 'likes' e obter mais 'seguidores' nas mídias sociais, especialmente na população adolescente, que pensa nisso como sua posição social. No total, esses fatores motivaram muitos jovens a se submeterem à cirurgia plástica. Vários homens e mulheres solteiros ainda estão passando por uma cirurgia de aprimoramento de beleza para ficar bem em mídias sociais e sites de namoro, o que está alimentando ainda mais a receita global do mercado de implantes estéticos”, diz o relatório da Fortune Business Insights, que ainda destaca que o Brasil tem um enorme potencial de crescimento. “Além disso, os pacientes adolescentes estão cada vez mais informados e seguros daquilo que os incomodam e o que pode ser mudado. Isso é influência de um mundo conectado e com grande disponibilidade de informação. As selfies apenas realçam o objeto do incômodo”, diz o médico.

Segundo o cirurgião plástico Dr. Mário, a geração das selfies tem relação também com a autopercepção estética das pessoas. “O fato de se ter uma câmera nas mãos a todo o momento é um convite para o autorretrato de todos os ângulos e em todas as situações. Isso gera frustração, pois sempre existe um ângulo que desagrada, principalmente porque se compara com fotos de outras pessoas nas redes sociais ignorando o fato de que muitas delas são super produzidas e manipuladas digitalmente”, diz o médico. “E os jovens são mais afetados por este fenômeno”, acrescenta. Quando um paciente percebe, por conta de sua foto, um nariz maior do que realmente é, o médico diz que a conduta correta é tentar fazer entender que aquilo não corresponde à realidade. “Isso pode ser feito, tirando a mesma foto com a distância e a câmera adequadas”, diz o Dr. Mário.

Além dos distúrbios alimentares e de imagem, outra preocupação médica é com relação ao reforço do sentimento de culpa. Há uma ideia de que ‘através do pensamento positivo’ você pode ser o que quiser e se algo de ruim acontecer com você, a culpa não é de ninguém, a não ser sua. Esse processo controverso de pensamento pode, ao mesmo tempo em que incentiva bons hábitos, alimentar o ‘auto-ódio’ e o sentimento desproporcional de culpa.

Muitas das práticas mais comuns comercializadas e pregadas para nós por meio do bem-estar são úteis, como gratidão, exercício, alimentação saudável e meditação, mas a obsessão em cima disso não é. “Muitas recomendações de bem-estar nas redes sociais podem parecer performativas ou quase como uma competição. E a ciência sugere que esse tipo de comparação pode nos fazer sentir pior, não melhor. O mais importante é buscar um auxílio médico, que oferecerá uma ajuda baseada no contexto do paciente”, finaliza a nutróloga.

FONTES:

*DRA. MARCELLA GARCEZ, Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologiado Hospital do Servidor Público de São Paulo.

*DR. MÁRIO FARINAZZO: Cirurgião plástico, membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e Chefe do Setor de Rinologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Formado em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), o médico é especialista em Cirurgia Geral e Cirurgia Plástica pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Professor de Trauma da Face e Rinoplastia da UNIFESP e Cirurgião Instrutor do Dallas Rinoplasthy™ e Dallas Cosmetic Surgery and Medicine™ Annual Meetings. Opera nos Hospitais Sírio, Einstein, São Luiz, Oswaldo Cruz, entre outros.


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