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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

O que me faz escrever esse artigo, ou comentário, como nominem nossas estimadas leitoras e caros leitores, diz respeito a um tema que foi desenvolvido por um respeitável colaborador desse site, Doutor Aparecido Rocha, sob o título de projeto de lei nocivo ao mercado segurador.

Data vênia, não concordo inteiramente com o expositor da matéria e passo, de imediato, minhas razões de dissonância quanto o que ele diz.

Em primeiro lugar, quer como foco de um foro apropriado de ideias e debates, quer como uma oportunidade altamente salutar para qualquer deslinde em relação a temas pontuados, o Seguro de Responsabilidade Civil é uma das áreas que mais me cativa para desenvolver e escrever algumas considerações que, a meu sentir, julgo pertinentes à espécie.

Em segundo lugar, de fato, o PL sob número 4421/21 trata de dar outra redação ao §2º do artigo 787 do nosso Código Civil.

Um dos pontos que sempre combati no atual Código Civil, diz respeito a parcimônia com que o Seguro de Responsabilidade Civil foi colocado na Lei material. Deveras, um único dispositivo legal – o artigo 787 do CC –, contempla um seguro abrangente e de alto significado no mercado segurador.

A alteração de um parágrafo mesmo que se discorde com todo o respeito que merece o ilustrado doutrinador acima referenciado, não vai resolver o problema que a todo momento nos defrontamos com essa modalidade contratual, mormente na era tecnológica que atravessamos.

Ademais, a alteração da permissividade de que o segurado faça acordo de pagamento a terceiro por ocasião de uma ocorrência supostamente coberta pelo seguro contratado, sem a anuência expressa da seguradora (sic) do que foi exposto, é oriunda de uma decisão que, embora não se cuidasse de tema repetitivo, foi à época escrita por esse cronista nesse sítio.

Disse na ocasião:

“No Recurso Especial nº 160404048-RS, recentemente julgado, a Ministra Relatora, Fátima Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, entendeu que o segurado, beneficiário de seguro de responsabilidade civil, que realiza, sem anuência da seguradora, acordo judicial com terceiro – vítima de acidente de trânsito -, já em sede de cumprimento de sentença, não perde o direito ao reembolso do valor pago ao terceiro.

A questão envolve o que determina, expressamente, o disposto no §2º do artigo 787 do Código Civil, que diz:

“É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador”.

Pois bem. Na oportunidade em que escrevi sobre essa matéria enfatizei:

“ O tema proposto guarda sintonia, a meu pensar, com o que escrevi algures na ocasião em que me deparei, em minha atividade profissional, com um processo no qual o segurado foi acionado no Juizado Especial, cognominado à época de Pequenas Causas, quando aquele não poderia se valer, por força de lei, do instituto da denunciação da lide para que a seguradora figurasse no polo processual como parte também interessada. Esse figurino jurídico é conhecido no direito processual civil, em sentido mais abrangente, como intervenção de terceiros, participando, assim, a seguradora como litisconsorte ad adjuvandum do segurado acionado pelo terceiro prejudicado.

No caso vertente, que ora se analisa, foi ressaltado pela ilustre Ministra Relatora, que apesar do caráter protetivo da norma acima transcrita, “ a sua inobservância, por si só, não implicará perda automática da garantia/reembolso para o segurado, porque além de o dispositivo legal em questão não prever, expressamente, a consequência jurídica ao segurado pelo descumprimento do que foi estabelecido, os contratos de seguro devem ser interpretados com base nos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva”. Grifo meu.

Para que as leitoras e leitores não percam a contextualização da matéria, tomo a liberdade de transcrever a parte que desenvolvi naquela ocasião em relação a toda a matéria divulgada no Segs, em data de 10/09/2021.

“No caso concreto, a Julgadora destacou que o objetivo e a razão da norma prevista no §2º do artigo 787 do Código Civil, é evitar possível fraude do segurado, que agindo de má-fé poderia se unir ao terceiro, para em conluio prejudicar o segurador, impondo-lhe um ressarcimento exagerado e até indevido.

Para embasar seu entendimento a Ministra Relatora asseverou ser farta a jurisprudência do STJ no sentido de que os contratos de seguro devem ser interpretados de acordo com os princípios – vide, caros leitores e estimadas leitoras, a importância dos princípios no bom direito – da função social do contrato e da boa-fé objetiva.

Destarte, combinando o que determina o artigo 765 do nosso Código Civil – princípio da boa fé – com correspondência no § 242 – treu und glauben - do Bürgerliches Gesetzbuch - BGB– Código Civil Alemão - a seguradora, prossegue o voto da eminente relatora, “terá de garantir/reembolsar o segurado, salvante este tenha agido com má-fé, causando prejuízo à seguradora”.

Da mesma sorte, a douta relatora se utiliza da doutrina abaixo reproduzida ao analisar o §2º do artigo 787 do Código Civil, estribada em excertos insertos no Manual de Direito Civil. Volume Único. 10ª edição. Rio de Janeiro. Forense, São Paulo. Método, 2020, página 1243/1244, quando a certa altura de seu voto ressalta:

“Esse dispositivo tem redação bastante complicada.

Primeiro, porque afasta a possibilidade de o segurado reconhecer a existência de culpa, o que é um direito personalíssimo, inafastável e intransmissível, nos termos do artigo 11 do CC e do art. 1º, inciso III, da CF/1988. Parece que foi mais um descuido do legislador, ao dispor que esse reconhecimento depende da seguradora. Outro problema refere-se ao poder de transigir, o que é um direito inerente do segurado. Sendo o contrato de adesão ou de consumo, há como afastar essa regra, pois a parte contratual está renunciando a um direito que lhe é inerente, havendo infringência ao princípio da função social dos contratos em casos tais (art. 421 do CC) ”.

De fato. O princípio da função social do contrato acrescido da boa-fé objetiva, “tutela dos efeitos do contrato para além do próprio contrato, ou seja, assim como, através da função social da propriedade se impõe ao seu titular que atenda a interesses sociais para que lhe seja tutelado o direito individual, também a função social do contrato impõe ao contratante a observância dos efeitos que este produz na sociedade para que ao pacto seja atribuída a força jurígena”. (Princípio da Função Social do Contrato: Conteúdo, Alcance e a Análise Econômica do Contrato. Maria Estela Leite Gomes Setti. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do COPENDI. Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Fortaleza. Junho de 2010). Grifo do articulista.

Acredito que nesta altura da minha crônica cabe me valer do que escreveu Georges Ripert, saudoso Professor da Faculdade de Direito de Paris, quando discorrendo “Da Proteção dos Contratantes”, na obra infra citada, assinalou:

“É uma falsa concepção de igualdade nos contratos que inspira esse brado muitas vezes ouvido contra a superioridade de um dos contratantes. A desigualdade é fatal, e é justo que as qualidades manifestadas no negócio jurídico sejam motivo de vantagem”. (A Regra Moral nas Obrigações Civis. Bookseller, Editora. Ano de 2000, página 89).

Nesta toada, o Estado Democrático de Direito constituído pelos três Poderes da República, Legislativo, Executivo e Judiciário, ex vi legis, artigo 2º da Constituição Federal se harmoniza com o estabelecido nos “Princípios Gerais da Atividade Econômica” da nossa Magna Carta, vazada nos seguintes termos:

“Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. (Artigo 174 da nossa Constituição Federal).

Toda a regra jurídica por ser uma norma de dever ser objeto de estudo de Hans Kelsen, em sua primorosa obra, Teoria Pura do Direito, está amparada pelo ordenamento positivo-jurídico que lhe confere competência para tal.

No entanto, esse rigorismo normativo poderá e deverá ser sempre afastado em detrimento de determinadas regras impositivas, que não se coadunem com uma interpretação mais consentânea que o julgador entenda mais adequada e condizente para atender em toda sua essência à finalidade do bom Direito.

Porém, não quero só registrar o que penso sob o tema em si.

Gostaria de convidar a atenção de todos os envolvidos neste segmento do mercado de seguro que precisamos de legislações que sejam condizentes com os tempos atuais. Não remendos na legislação e muito menos regulamentações em desobediência às leis ordinárias que sempre devem prevalecer sobranceiras a qualquer norma regulamentar.

Temos inúmeros temas a tratar. É preciso e se faz imperiosa uma mobilização de todos as pessoas para que, dentro dos princípios legais e doutrinários, criem regras para que o nosso direito positivo realmente prevaleça sobre interesses menores.

Concito os nossos Parlamentares para que não só o Poder Judiciário dite a interpretação da Lei, mas que eles próprios se conscientizem de que estão e estarão sempre a serviço de uma nação com Leis mais modernas, dinâmicas e adequadas ao sabor dos tempos.

Oxalá isso ocorra em um breve espaço!

Porto Alegre, 30/03/2022

Voltaire Marensi - Advogado e Professor


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