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Violação à Privacidade e à Intimidade. Pode ser Coberto pelo Seguro?

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

Parece, em princípio, ser paradoxal o tema que pretendo desenvolver nesta crônica quando se destaca que um dos princípios basilares do contrato de seguro é estribado na mais estrita boa-fé e, assim, um ato ilegítimo e quiçá doloso possa querer se utilizar de uma pretensa cobertura securitária.

Todavia, como hoje estamos atravessando tempos difíceis em todos os segmentos de nossa economia e até em situações direcionadas à eticidade, aliás, um dos pilares de sustentação de nosso Código Civil, atrevo-me a tecer ligeiros comentários diante de uma recentíssima decisão exarada no Recurso Especial, sob nº 1903273 –PR, Relatora Ministra Fátima Nancy Andrighi.

Nesse processo se julgou ilícita a quebra da legítima expectativa e violação à privacidade e à intimidade de uma pessoa, que comprovou nas instâncias inferiores a divulgação indevida de mensagens trocadas no grupo WhatsApp, se desincumbindo a contento do ônus probatório previsto em nosso digesto processual.

A bem da verdade, desconheço se alguma seguradora possa garantir, em bom direito, proteção securitária a esse tipo de procedimento, muito embora esteja lançado lato senso no artigo 787 do nosso Código Civil que “no seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devido pelo segurado a terceiro”.

Neste sentido resta saber o dimensionamento, o alcance e o elastério dessa norma que disciplina a possibilidade de se poder dar garantia traduzida no pagamento de perdas e danos cobertos por atos praticados pelo segurado a terceiro.

Quando os renomados tratadistas franceses Mazeud & Tunc tratam da validade do Seguro de Responsabilidade eles afirmam ser um ato de prudente previsão, mas que jamais deve chocar com a ordem pública, acentuando, ainda, que o autor de uma culpa intencional deverá suportar pessoalmente todas suas consequências. Assim, para eles, nenhum contrato poderá permitir uma culpa intencional que seria aquela cometida pelo desejo de realizar um dano. (Autores citados. Responsabilidade Civil. Buenos Aires, Balcarce, 226, ano 1963, volume 3, II, página 157/159).

Como ficou assinalado na ementa do Recurso Especial acima ventilado, em seu item 8, a ilustrada Relatora adiantou, que “nas hipóteses em que o conteúdo das conversas enviadas via WhatsApp possa, em tese, interessar a terceiros, haverá um conflito entre privacidade e a liberdade de informação, revelando-se necessária a realização de um juízo de ponderação”.

Logo, em seguida, registra o douto voto condutor do acórdão:

“Assim, ao levar a conhecimento público conversa privada, além da quebra da confidencialidade, estará configurada a violação à legítima expectativa, bom como à privacidade e à intimidade do emissor, sendo possível a responsabilização daquele que procedeu à divulgação se configurado o dano”.

No entanto, os nossos tribunais pátrios entendem que, em tese, qualquer dano perpetrado ilicitamente a outrem é passível de reparação, logicamente com suas hipóteses excludentes de ilicitude.

O nexo causal, alicerce da responsabilidade civil, se enclausura entre o ato ilícito e o prejuízo experimentado pela vítima.

O que me motiva a escrever sobre esse caso concreto, diz respeito não só no figurino da modernidade de novos atos ilícitos realizados com o advento da novel era tecnológica, mas, também, o registro, se me permitem, caros leitores e dedicadas leitoras, em enfatizar que não é oriundo de toda e qualquer natureza que o dano efetivado pelo segurado deve ser, ordinariamente, protegido pelo Seguro de Responsabilidade Civil. Não calha, aqui, a assertiva incondicional alvitrada por outro grande jurisconsulto francês do século passado, Savatier, de que esse tipo contratual tende a alforriar o autor do dano de ser uma outra vítima. Impende ressaltar, que essa afirmação deve ser interpretada cum grano salis, em vernáculo, com uma certa reserva.

Em outras palavras como acentuei em doutrina:

“ A má-fé do segurado, havida quando da assinatura do contrato, não pode se transformar em boa-fé quanto ao seu beneficiário. Fere até a ordem natural das coisas”. (O Seguro no Direito Brasileiro. 9ª edição. Lumen/Juris/Editora, 2009, página, 48).

Outrossim, valendo-me de escólios doutrinários do Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, “ a função integrativa da boa-fé permite a identificação concreta, em face das peculiaridades próprias de cada relação obrigacional, de novos deveres, além daqueles que nascem diretamente da vontade das partes (art.422). Ao lado dos deveres primários da prestação, surgem os deveres secundários ou acidentais da prestação e, até mesmo, deveres laterais ou acessórios de conduta”. (Direito Civil. Diálogos entre a Doutrina e a Jurisprudência. Coordenação de Luis Felipe Salomão e Flávio Tartuce. Editora Atlas.2017, página 193).

Afinal dentro do texto constitucional – no vértice piramidal – Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito – também deixou timbrado de que ele, o Direito Constitucional, impera sobranceiro acima de qualquer marco legal.

Nos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, a nossa Constituição Federal de 1.988, em seu artigo 5º, inciso X, assegura ser inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Sendo assim, além de lógico é imperiosa a proteção do dano, desde que não haja procedimento atentatório a fins ilícitos, já que a proteção do indivíduo é outorgada no contrato de seguro para amparar seu patrimônio desde que aquele não pratique atos desferidos, dolosamente, em detrimento da dignidade de seus iguais.

É o que penso, salvante melhor entendimento diante do que se expôs.

Porto Alegre, 02/09/2021

Voltaire Marensi - Advogado e Professor


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