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A Cobertura de Doença Preexistente Cessa Mesmo Quando Há Renovação da Apólice???

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

Registro o julgamento de uma demanda em sede de contrato de seguro em que recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu, tendo por objeto o manejo de uma apelação de um segurado, que apesar da renovação de sua apólice de seguro de vida, o referido Colegiado entendeu de negar cobertura securitária.

Procurando ser fiel ao processo relatado transcrevo a ementa do acórdão:

SEGURO DE VIDA EM GRUPO. AÇÃO DE COBRANÇA. Sentença de improcedência. Apelo do autor. Pretensão ao recebimento de nova indenização securitária pelo novo diagnóstico de doença grave (câncer). Indenização recebida quando do primeiro diagnóstico, em 2015. Novo diagnóstico em 2021 (recidiva). Alegação de que houve nova contratação, sem relação com a primeira. Apólice que, todavia, apenas foi renovada por mais um período de 5 (cinco) anos. Tese de nova contratação que, de todo modo, não ensejaria no pagamento de nova indenização, haja vista o risco excluído para a doença preexistente. Previsão expressa quanto à cobertura apenas para a primeira doença diagnosticada e comunicada à Seguradora, impossibilidade de acumulação de indenizações pelo diagnóstico de mais de uma doença grave e cancelamento automático para as coberturas cujo pagamento já tenha sido realizado. Justa recusa pela seguradora reconhecida. Sentença mantida.

RECURSO NÃO PROVIDO”. (Sic).[1]

De início, só pela transcrição da ementa do acórdão, se verifica que houve renovação da apólice de seguro de vida embora a seguradora já tivesse ciência da doença, mas, mesmo assim, renovou a apólice por um período de mais 5 anos.

O magistrado de primeiro grau julgou a ação nos seguintes termos:

“O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art.355, inciso I, do Código de Processo Civil.

O pedido inicial é improcedente.

A apólice foi adquirida em 2010 e, renovada automaticamente por 5 anos, sendo que 29/10/2015 a seguradora foi notificada acerca da primeira doença grave do autor e quitou a indenização devida. Já em 2021, o autor fez novo pedido de indenização por doença grave que lhe acometeu. Em que pese se lamente o novo diagnóstico de câncer da parte autora, no que tange à obrigação contratada junto às requeridas, o novo pedido de indenização não

prospera, haja vista que o próprio contrato prevê que apenas haverá cobertura para a primeira doença grave diagnosticada e, em hipótese alguma, haverá acumulação de indenização pelo diagnóstico de mais de uma doença grave.

Tanto é assim que, após o pagamento da indenização pelo advento de doença grave, as cláusulas relativas a tal cobertura fica canceladas automaticamente, vigendo, pois, apenas os demais riscos cobertos.

Assim sendo, todos os argumentos acima que convergem para a improcedência dos pedidos iniciais.

Por fim, anoto que os demais argumentos deduzidos pelas partes no processo não são capazes, em tese, de infirmar a conclusão adotada neste julgamento (CPC, art. 489, §1º, inciso IV).

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido inicial, resolvendo o feito com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC, nos termos da fundamentação. Em consequência, condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa.

Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo "a quo" (art. 1.010, CPC), sem nova conclusão.

Por fim, anoto que os demais argumentos deduzidos pelas partes no processo não são capazes, em tese, de infirmar a conclusão adotada neste julgamento (CPC, art. 489, §1º, inciso IV)”.[2]

As razões que levaram o juiz singular e o tribunal paulista não seguem, data vênia, tanto a boa doutrina securitária, assim como precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

Em que pese a redação da cláusula 6.6.1, das condições gerais da apólice contratada, estabelecer expressamente que “somente haverá cobertura para a primeira doença diagnosticada e comunicada à seguradora”, entenderam os Julgadores, singular e integrantes do Colegiado paulista, que em hipótese nenhuma haveria acumulação de indenizações pelo diagnóstico de mais de uma doença grave, assim como não teria havido o dever de informação previsto no art. 6º, III, do CDC, não restando dúvidas, portanto, quanto à licitude da recusa ao pagamento de indenização pela mesma cobertura (doença grave), mormente porque patente tratar-se da mesma contratação, a qual foi apenas renovada, tanto que admite o autor que, para o novo período de cinco anos, contado a partir de junho de 2020, não foi exigido atestado de saúde. [3]

Acentuou ademais o tribunal que não se beneficiaria o apelante, da tese de que a contratação de 2020 é nova e sem relação alguma com a anterior, pois, se assim realmente fosse, a indenização não seria devida, pois a doença seria considerada como preexistente, na medida em que tratada como “recidiva” Desse modo, segundo o Tribunal de origem, estaria excluída

a cobertura. (Grifo meu).

Nem se alegue, prosseguiu o tribunal de origem, que o fato de a seguradora não exigir atestado médico antes da renovação do período vigente a partir de 2020 importaria no pagamento da indenização, pois tal tese viola frontalmente o princípio da boa-fé objetiva, que deve ser observado por ambos os polos da relação jurídica, haja vista que ambas as partes tinham plena ciência do estado de saúde anterior do autor.

Em suma, portanto, diz o voto do relator do acórdão, em que pese o grave estado de saúde do demandante, a indenização não é devida, sendo justa a recusa da seguradora.

Data vênia, discordo, visceralmente, da decisão acima lançada quer pelo juiz, quer pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Eis as razões que passo a esposar em abono do que digo, forte em decisões lançadas em casos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça.

A primeira, de início, em consonância com o leading case daquela Corte da lavra do douto ministro Eduardo Ribeiro, no julgamento realizado em 23 de março de 1999 pela Egrégia Terceira Turma daquele Colegiado.

Assim se decidiu:

“Se a seguradora aceita a proposta de adesão, mesmo quando o segurado não fornece informações sobre o seu estado de saúde, assume os riscos do negócio. Não pode, por essa razão, ocorrendo o sinistro, recusar-se a indenizar”.

Tal decisão foi por mim comentada no sentido do acerto da decisão proferida alhures no recurso especial sob número 198.015/GO.[4]

Pois bem. Com o advento da Súmula 609, a Segunda Seção daquele Tribunal, em 11/04/2018, enunciou:

“A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado”. Grifei.

Em verdade o enunciado é, de fato, mais abrangente daquele processo relatado pelo ministro Eduardo Ribeiro.

Ademais, a tese exarada na decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo não se sustenta também por outras razões, a saber:

Mesmo sabedora de que havia uma doença preexistente a seguradora renovou o contrato de seguro com o segurado. Este pagou o prêmio e a Companhia recebeu os respectivos valores. Portanto, o segurado estava adimplente quando ocorreu o segundo evento.

A razão de que existia uma cláusula excludente de cobertura por falta do dever de informação do segurado é pífia. A seguradora conhecia o segurado, tanto que já havia pago uma indenização no primeiro momento.

Também entendo que essa cláusula, apenas por amor ao debate, seria de cunho eminentemente potestativo.[5]

Até num exercício de hipótese que guarda certa semelhança com o caso descrito acima se pergunta:

Se o segurado renova sua apólice de seguro automóvel, na segunda colisão involuntária não se dará mais deste contrato?

Aqui o caso é mais chocante, venia concessa.

O segurado agiu de boa-fé e a seguradora aos meus olhos, não.

Por quê?

Se valeu de uma cláusula inserta no Código de Defesa do Consumidor que entra em testilhas com outras nele insertas com interpretação de maneira mais favorável ao consumidor,[6] particularmente as que tratam das Cláusulas Abusivas, tipo reembolso de quantia já paga[7] e uma outra inexa no inciso IV, do artigo 51.[8]

Diante destas ligeiras considerações o Superior Tribunal de Justiça, se aviado acertadamente o enfoque qualificativo da questão federal, deve reformar o acórdão para que se restabeleça a Justiça dentro das razões acima lançadas que guardam pertinência, a meu sentir, com o caso em análise em que se observou tanto o que prescreve o enunciado 609 do STJ, assim como os mais elementares princípios da boa-fé inerentes a todo e qualquer contrato securitário.

É o que penso, s,m,j.

Porto Alegre, 23/05/2023

Voltaire Marensi - Advogado e Professor

[1] Apelação Cível nº100947390.2021.8.26.0152. Tribunal de Justiça de São Paulo.

[2] Excerto inserta do voto do relator no acórdão.

[3] Bis in idem.

[4] O Seguro no Direito Brasileiro. LumenJuris/ Editora, 9ª edição, página 62.

[5] Artigo 122 do Código Civil.

[6] Artigo 47 do CDC

[7] Inciso II do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor

[8] Ibidem


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