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TOKIO MARINE SEGURADORA

Natureza Jurídica da Previdência Complementar

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

O que me leva a discorrer sobre a natureza jurídica da previdência complementar é fruto de um estudo relacionado à possibilidade, ou não, de enquadrá-la dentro de um suporte fático adequado às suas características essenciais.

O sistema jurídico, já advertia mestre Pontes de Miranda, “contém regras jurídicas; e essas se formulam com os conceitos jurídicos. Tem-se de estudar o fáctico, isto é, as relações humanas e os fatos, a que elas se referem, para se saber qual o suporte fáctico, isto é, aquilo sobre que elas incidem, apontado por elas”. [1]

Impende sublinhar que “o suporte fáctico então é apenas a soma do que é essencial. Se a regra jurídica deixar perceberem-se diferenças entre elementos do suporte fáctico, é que há, na verdade, duas ou mais regras jurídicas”.[2]

De tal arte a natureza “se revela pelos requisitos ou atributos essenciais e que devem vir com a própria coisa”.[3]

De fato. Na edição do Código Civil de 1916 registrou Clovis Bevilaqua em comentários ao §1º do artigo 20 do Código Civil:

“Sem autorização do Governo, não se podem constituir sociedades, agencias ou estabelecimentos de seguros, montepio e caixas economicas. A necessidade de autorização, nestes casos, resulta de que, destinando-se esses institutos a gerir dinheiros de terceiros, captando os seus contribuintes no grande publico, entre o povo, deve o governo conhecer sua idoneidade, para evitar abusos. É, na maioria dos casos, o interesse dos desprotegidos da fortuna que exige este accrescimo de cautela. É uma razão mais de ordem social do que simplesmente econômica”. Sic.[4]

O contrato de Seguro continua disciplinado em nosso atual Código Civil e o Seguro de Pessoas, anteriormente designado de seguro de vida, determina em seu artigo 794 que ele não está sujeito às dívidas do segurado (mesma redação do anterior prevista no artigo 1.475), nem se considera herança para todos os efeitos de direito.[5]

Na Lei da Previdência Privada normatizada, ab ovo, pela Lei nº 6.435/77, seu artigo 5º enunciava:

“As entidades de previdência privada serão organizadas como;

  • sociedades anônimas, quando tiverem fins lucrativos:
  • sociedades civis ou fundações, quando sem fins lucrativos”.[6]`

Pois bem. Ao cuidar Das Operações (Seção V), daquela Lei, disse o legislador que “as entidades abertas terão como única finalidade a instituição de planos de concessão de pecúlio ou de rendas...”[7]

Com o advento da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001, que revogou em seu artigo 79 as Leis nº 6.435, de 15 de julho de 1977, e nº 6.462, de 9 de novembro de 1.977, o legislador, laconicamente, estatuiu que “as entidades de previdência complementar são classificadas em fechadas e abertas, conforme definido nesta lei Complementar”.[8]

Em razão dessa visceral mudança de sua natureza jurídica, escrevi à época:

“Neste sentido, a nova legislação sepulta, definitivamente, as entidades sem fins lucrativos, que estavam previstas no art. 4º, letra b do inciso II, da anterior lei previdenciária. A participação de várias entidades desse tipo legal, vale dizer, sem fins lucrativos, não convenceu o legislador que acabou, no Capítulo das Disposições Gerais desta Lei, assegurando seu funcionamento pelo prazo de dois anos, desde que adaptadas ao novel estatuto jurídico recém-criado. Dessarte, a constituição dessas entidades terá de obedecer às disposições previstas nos §§ 1º e 8º do art. 77 desta nova Lei. Penso que esta forma, data venia, desnatura o cunho mutualista impregnado nesse tipo associativo, regrado nos arts. 1.466 e seguintes do atual Código Civil Brasileiro (me referia na ocasião ao Código Civil de 1.916), sem se olvidar que, para as entidades abertas, a figura da instituição é a sua conditio sine qua non”.[9]

É em razão disto que o segmento aberto de Previdência Complementar e Seguradoras do ramo “vida” comercializam planos de previdência complementar constituídas sob a forma de sociedades anônimas exercendo, portanto, suas atividades com fins lucrativos. Esse segmento de Previdência Complementar é oferecido por bancos e/ou seguradoras.

Vale ressaltar que “os planos do segmento de Previdência Complementar Aberta mais negociados são o Plano gerador de benefício Livre – PGBL e o Vida Gerador de benefício Livre - VGBL. A principal diferença entre eles é o tratamento tributário de cada um: o PGBL possui benefício (diferimento) tributário, pois permite o abatimento de até 12% da renda tributável da base de cálculo do Imposto de Renda ((IR), sendo que no resgate e recebimento dos benefícios, o IR incide sobre todo o valor pago, já o VGBL é indicado para quem (ou quando) não tem como se beneficiar do diferimento (benefício) tributário previsto para o PGBL ou já utilizou o benefício tributário até o limite de 12% da renda tributável da base de cálculo do imposto de renda”.[10]

De outro giro, a par da exposição supra desenvolvida, faço o registro, a meu sentir, que, quando, por exemplo, o legislador no Código de Processo Civil fez o mesmo enquadramento fático com o contrato do seguro de vida, rectius, seguro de pessoas, (inciso VI), previstos no artigo 833 daquele diploma legal, tratando os pecúlios e os montepios (inciso IV), como bens impenhoráveis, fê-lo de forma errônea, pois a lei que trata da previdência complementar é de 2001 e o CPC de 2015.

Pois hoje como já destaquei em um outro artigo, a previdência complementar não guarda a mesma identidade de outrora.

Protegida, inicialmente, como bem impenhorável, a previdência complementar nos dias atuais não guarda sequer o embrião de sua criação, quando “quatrocentos anos se passaram desde a Poor Law (Lei dos Pobres, da Inglaterra, que desvinculou da caridade o auxílio aos necessitados, reconhecendo o Estado a sua obrigação de amparar as pessoas de comprovada necessidade de meios, conforme nos ensina o mestre Floriceno Paixão em sua consagrada obra Previdência Social em Perguntas e Respostas. Porto Alegre. Editora Síntese, 38ª edição”.[11]

Destarte, a par do Regime Geral de Previdência Social se facultou a regulamentação através de Lei Complementar do regime de previdência privada, de caráter complementar, consoante se dessume da leitura do artigo 202 da nossa Constituição Federal de 1988.

Neste sentido, tenho absoluta convicção de que o legislador processual não atentou para a nova natureza jurídica que guarda, na atualidade, a previdência complementar.

O contrato de seguro, embora constituído em priscas eras não sofreu em sua essência, a meu sentir, maiores alterações nomeadamente no que concerne ao seguro de pessoa. Esse atestado está comprovado quando acima acentuei que o atual artigo 794 do Código Civil não destoa de sua essência originária, vale dizer, do regrado no artigo 1.475 do Código de 1.916 e até mesmo do que estava plasmado no § 1º, do artigo 20 daquele diploma legal.

Embora o contrato de seguro de vida, também tinha alhures e continua tendo uma natureza jurídica diversa da previdência privada, no que tange sua forma de pagamento ao associado, rectius, atual investidor, aquele é adimplido quando acontece o falecimento do segurado e o pagamento determinado na apólice de seguro é, quando efetivado, adimplido aos respectivos beneficiários designados na apólice de seguro vida.

Sob outra ótica, o pagamento da previdência privada era efetivado sob a forma de pecúlio ao beneficiário designado pelo participante do respectivo plano contratado pelo associado junto à entidade previdenciária.

Mais ainda. Anteriormente, sob outra modalidade constituída sob o nomen juris de renda a prestação que era devida pelo montepio se constituía em uma obrigação de trato sucessivo, vale dizer, seu pagamento era prestado através de prestações mensais à família do falecido, associado da entidade previdenciária privada.

Outro fator preponderante que dá uma conotação totalmente diversificada da sua anterior natureza jurídica, diz respeito a modalidade de pagamentos efetivados aos beneficiários da previdência complementar de vez que essas empresas são formatadas, exclusivamente, como sociedades anônimas, - antes operavam como associações, sem fins lucrativos -, a exemplo das modalidades empresariais constituídas pelas sociedades seguradoras no que tange ao seu regramento jurídico.

Calha, ao azo, mais um registro a ser destacado, a título elucidativo, quando se trata de fazer uma dicotomia entre o contrato de seguro e o contrato vinculado a uma empresa que opera no ramo da previdência complementar.

No seguro o pagamento se dá, via de regra, ao beneficiário designado quando ocorre a morte do segurado.

Na previdência complementar, como a natureza jurídica não obedece mais ao título rotulado de pecúlio, que também era pago quando da morte do associado ao beneficiário designado, esses valores constituídos sob a rubrica de investimentos no caso de dissolução de sociedade conjugal, em sede, por exemplo, de Direito de Família, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que eles serão divididos por pertencerem a categoria de modalidades em aplicações financeiras oriundas de produtos operados como o próprio PGBL e VGBL.

De acordo com entendimento fixado, por maioria de votos, a 3ª Turma do STJ, entendeu que a formação do investimento é semelhante ao que ocorreria se as contribuições fossem realizadas em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações, as quais seriam objeto de partilha no momento da dissolução do vínculo conjugal.

É o que se passou por ocasião do julgamento de um recurso especial, em que prevaleceu o voto da Ministra Relatora Fátima Nancy Andrighi, no sentido que “na previdência privada aberta, há ampla flexibilidade do investidor, que poderá escolher livremente como e quando receber, aumentar ou reduzir contribuições, realizar aportes adicionais, resgates antecipados ou parcelados a partir da data em que porventura indicar”. [12]

Diante das ponderações registradas neste ensaio, entendo que o suporte fático regrado por ambos os institutos, quer do contrato de seguro, quer o da previdência complementar orbitam em searas distintas.

Muito embora, haja semelhanças entre esses dois institutos a natureza jurídica estabelecida pela nova lei da previdência complementar não autoriza que ela se finque no rol dos bens impenhoráveis para se ficar em apenas uma das justificativas, que, entre outras focadas neste breve escrito, não admitem sua inclusão no rol de numerus clausus, tal qual determina nosso Código de Processo Civil.

Entendo, salvo engano, que o atual inciso IV, do artigo 833 do Código de Processo Civil deveria ser derrogado, ante os novos moldes arbitrados pela lei de previdência complementar.

É o que penso, s.m.j.

Porto Alegre, 08/06/2022.

Voltaire Marensi - Advogado e Professor

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[1]
Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Vol 1. Editor Borsoi, 3ª edição. Rio de Janeiro, 1970. Prefácio X e XI.

[2] Obra citada, página 33.

[3] De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. Volume III. Forense. São Paulo, 4ª edição, 1975, página 1052.

[4] Codigo Civil dos Estados Unidos do Brasil. Commentado por Clovis Bevilaqua. Quinta edição. Vol. I. Livraria Francisco Alves, 1936, página 222.

[5] In fine, artigo 794 do atual Código Civil.

[6] Voltaire Marensi. Previdência Privada Legislação e Normas. 2ª edição. Editora Síntese Ltda, 1981, página 17.

[7] Ibidem, página 21.

[8] Artigo 4º da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001.

[9] Voltaire Marensi. A Nova Lei da Previdência Complementar Comentada. Síntese Editora, 2001, página 17.

[10] Site Gov.br. Ministério do Trabalho e Previdência. Atualizado em 19/07//2021.

[11] Prefácio da Editora Síntese, outubro de 2001.Voltaire Marensi. Obra citada.

[12] Excertos do voto da Ministra Relatora que corre em segredo de justiça.


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