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Boa- Fé das Partes e Direito ao Reembolso do Segurado no Seguro de RC

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

No Recurso Especial nº 160404048-RS, recentemente julgado, a Ministra Relatora, Fátima Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, entendeu que o segurado, beneficiário de seguro de responsabilidade civil, que realiza, sem anuência da seguradora, acordo judicial com terceiro – vítima de acidente de trânsito -, já em sede de cumprimento de sentença, não perde o direito ao reembolso do valor pago ao terceiro.

A questão envolve o que determina, expressamente, o disposto no §2º do artigo 787 do Código Civil, que diz:

“É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador”.

Este tema guarda sintonia, a meu pensar, com o que escrevi algures na ocasião em que me deparei, em minha atividade profissional, com um processo no qual o segurado foi acionado no Juizado Especial, cognominado à época de Pequenas Causas, quando aquele não poderia se valer, por força de lei, do instituto da denunciação da lide para que a seguradora figurasse no polo processual como parte também interessada. Esse figurino jurídico é conhecido no direito processual civil, em sentido mais abrangente, como intervenção de terceiros, participando, assim, a seguradora como litisconsorte ad adjuvandum do segurado acionado pelo terceiro prejudicado.

No caso vertente, que ora se analisa, foi ressaltado pela ilustre Ministra Relatora, que apesar do caráter protetivo da norma acima transcrita, “ a sua inobservância, por si só, não implicará perda automática da garantia/reembolso para o segurado, porque além de o dispositivo legal em questão não prever, expressamente, a consequência jurídica ao segurado pelo descumprimento do que foi estabelecido, os contratos de seguro devem ser interpretados com base nos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva”. Grifo meu.

Impende sublinhar, ao azo, o registro de um outro exemplo bastante eloquente e significativo, a meu sentir também, análogo ao que se decidiu no caso objeto destes comentários.

Refiro-me ao que consta no atual artigo 763 do nosso Código Civil, que também sofreu mitigação em sua interpretação literal, quando o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, pacificou entendimento diverso do que ali se acha atualmente previsto, ou seja, de que “não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação”.

Pois bem. O enunciado 616 daquela Corte, diversamente, da literalidade daquele dispositivo, enfatiza: “A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”. Também, grifo meu.

Em síntese: antes da negativa da seguradora na falta de pagamento do prêmio pelo segurado ela deverá, para negar a indenização, notificá-lo.

Deveras, a interpretação dada pelo STJ, última palavra em matéria infraconstitucional, como é o caso do seguro, tende a abrandar a rigidez de determinadas normas securitárias elencadas em nosso Código Civil, através de exegeses hermenêuticas mais elásticas não se atentando, exclusivamente, para uma interpretação literal que é considerada, dentre outras, a menos rica na aplicação do bom direito.

No caso concreto, a Julgadora destacou que o objetivo e a razão da norma prevista no §2º do artigo 787 do Código Civil, é evitar possível fraude do segurado, que agindo de má-fé poderia se unir ao terceiro, para em conluio prejudicar o segurador, impondo-lhe um ressarcimento exagerado e até indevido.

Para embasar seu entendimento a Ministra Relatora asseverou ser farta a jurisprudência do STJ no sentido de que os contratos de seguro devem ser interpretados de acordo com os princípios – vide, caros leitores e estimadas leitoras, a importância dos princípios no bom direito – da função social do contrato e da boa-fé objetiva.

Destarte, combinando o que determina o artigo 765 do nosso Código Civil – princípio da boa fé – com correspondência no § 242 – treu und glauben - do Bürgerliches Gesetzbuch – Código Civil Alemão - a seguradora, prossegue o voto da eminente relatora, “terá de garantir/reembolsar o segurado, salvante este tenha agido com má-fé, causando prejuízo à seguradora”.

Da mesma sorte, a douta relatora se utiliza da doutrina abaixo reproduzida ao analisar o §2º do artigo 787 do Código Civil, estribada em excertos insertos no Manual de Direito Civil. Volume Único. 10ª edição. Rio de Janeiro. Forense, São Paulo. Método, 2020, página 1243/1244, quando a certa altura de seu voto ressalta:

“Esse dispositivo tem redação bastante complicada.

Primeiro, porque afasta a possibilidade de o segurado reconhecer a existência de culpa, o que é um direito personalíssimo, inafastável e intransmissível, nos termos do artigo 11 do CC e do art. 1º, inciso III, da CF/1988. Parece que foi mais um descuido do legislador, ao dispor que esse reconhecimento depende da seguradora. Outro problema refere-se ao poder de transigir, o que é um direito inerente do segurado. Sendo o contrato de adesão ou de consumo, há como afastar essa regra, pois a parte contratual está renunciando a um direito que lhe é inerente, havendo infringência ao princípio da função social dos contratos em casos tais (art. 421 do CC) ”.

De fato. O princípio da função social do contrato acrescido da boa-fé objetiva, “tutela dos efeitos do contrato para além do próprio contrato, ou seja, assim como, através da função social da propriedade se impõe ao seu titular que atenda a interesses sociais para que lhe seja tutelado o direito individual, também a função social do contrato impõe ao contratante a observância dos efeitos que este produz na sociedade para que ao pacto seja atribuída a força jurígena”. (Princípio da Função Social do Contrato: Conteúdo, Alcance e a Análise Econômica do Contrato. Maria Estela Leite Gomes Setti. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do COPENDI. Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Fortaleza. Junho de 2010). Grifo do articulista.

Acredito que nesta altura da minha crônica cabe me valer do que escreveu Georges Ripert, saudoso Professor da Faculdade de Direito de Paris, quando discorrendo “Da Proteção dos Contratantes”, na obra infracitada, assinalou:

“É uma falsa concepção de igualdade nos contratos que inspira esse brado muitas vezes ouvido contra a superioridade de um dos contratantes. A desigualdade é fatal, e é justo que as qualidades manifestadas no negócio jurídico sejam motivo de vantagem”. (A Regra Moral nas Obrigações Civis. Bookseller, Editora. Ano de 2000, página 89).

Nesta toada, o Estado Democrático de Direito constituído pelos três Poderes da República, Legislativo, Executivo e Judiciário, ex vi legis, artigo 2º da Constituição Federal se harmoniza com o estabelecido nos “Princípios Gerais da Atividade Econômica” da nossa Magna Carta, vazada nos seguintes termos:

“Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. (Artigo 174 da nossa Constituição Federal).

Toda a regra jurídica por ser uma norma de dever ser objeto de estudo de Hans Kelsen, em sua primorosa obra, Teoria Pura do Direito, está amparada pelo ordenamento positivo-jurídico que lhe confere competência para tal.

No entanto, esse rigorismo normativo poderá e deverá ser sempre afastado em detrimento de determinadas regras impositivas, que não se coadunem com uma interpretação mais consentânea que o julgador entenda mais adequada e condizente para atender em toda sua essência à finalidade do bom Direito.

Porto Alegre, 10/09/2021

Voltaire Marensi - Advogado e Professor


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