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Nova NR-01: Como a Escuta Ativa Reduz Riscos Psicossociais nas Empresas

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Carol Montuori
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*Por Liliane Sant'Anna, co-fundadora do Instituto CNV Brasil

A entrada em vigor, a partir de 2026, da nova fase fiscalizatória da NR-01 marca um ponto de virada importante nas relações de trabalho no Brasil. Ao exigir que empresas mapeiem e gerenciem riscos psicossociais com o mesmo rigor aplicado aos riscos físicos, a norma lança luz sobre um aspecto por vezes negligenciado na saúde ocupacional: o sofrimento emocional nos ambientes corporativos. Entre os novos requisitos, destaca-se a necessidade de ouvir ativamente os trabalhadores, o que transforma a escuta ativa, antes vista como habilidade interpessoal ou ferramenta de liderança, em um componente estruturante das estratégias de prevenção. A norma, no entanto, acende um alerta, pois transformar a escuta em obrigação legal é insuficiente se ela não for, antes de tudo, uma escolha cultural.

Nos últimos anos, observamos um aumento preocupante dos casos de estresse crônico, burnout e adoecimento emocional nos ambientes laborais. Uma pesquisa recente da meQuilibrium com 5.483 funcionários revelou que um em cada quatro trabalhadores relatou ter sofrido comportamentos rudes, desrespeitosos ou agressivos no local de trabalho. Entre as formas mais comuns de incivilidade estão ser ignorado (26,1%), ter o julgamento questionado (24,2%) e presenciar colegas se dirigindo uns aos outros de maneira pouco profissional (17,3%). Embora menos pessoas relatem episódios mais extremos, comportamentos como explosões de raiva, xingamentos e acusações de incompetência ainda atingem cerca de 1 em cada 20 funcionários.

Apesar da gravidade do problema, muitas organizações ainda tratam a escuta como prática simbólica. Criam canais de denúncia ou ouvidorias sem preparo real para acolher, analisar e agir sobre os relatos recebidos. Em outros casos, iniciativas como rodas de conversa ou semanas da escuta são implementadas de forma pontual e descoladas do dia a dia da gestão. A escuta se torna, assim, mais um item de checklist, o que a esvazia de sentido e eficácia.

O que a NR-01 está nos dizendo é que escutar é, agora, parte do gerenciamento de riscos. Mas o que nem sempre se compreende é que riscos psicossociais não se identificam apenas com planilhas e indicadores. Eles emergem da linguagem, da percepção e das relações humanas, e, por isso, demandam sensibilidade, preparo e presença. A teoria do Psychosocial Safety Climate (PSC), por exemplo, mostra que ambientes que valorizam a comunicação aberta e o cuidado emocional apresentam 200% menos chance de surgimento de novos sintomas depressivos em um ano. Uma melhoria de 10% no clima psicossocial é capaz de reduzir entre 4% e 4,5% os níveis de burnout. Quando levamos isso a sério, entendemos que escutar não é gentileza corporativa. É estratégia de proteção, engajamento e produtividade.

Do ponto de vista neurocientífico, os impactos da escuta ativa são igualmente mensuráveis. Estudos com neuroimagem indicam que ser ouvido com empatia ativa centros cerebrais relacionados à recompensa e ao alívio emocional, como o estriado ventral e a ínsula anterior. Essa resposta biológica reforça a sensação de pertencimento, segurança e dignidade. Em ambientes com pressão constante por metas, a escuta torna-se um antídoto vital contra a impulsividade, a desumanização e o colapso relacional. É a partir da escuta que se constrói confiança. E confiança é pré-requisito para que qualquer sistema de gestão de riscos funcione.

Apesar disso, ainda há grande resistência. Parte das lideranças, principalmente em estruturas tradicionais, enxerga a escuta como perda de tempo ou ameaça ao controle. Quando se prioriza a produtividade de curto prazo e se reduz a gestão a comando e controle, a escuta empática é vista como fraqueza. A ausência dessa escuta, porém, tem custado caro, ainda que de forma invisível. Além do impacto direto no adoecimento, a falta de canais reais de expressão emocional prejudica o aprendizado coletivo, dificulta a cooperação e gera ruídos que se transformam, com o tempo, em crises internas e externas.

É por isso que escutar, de verdade, exige mais que canais ou dinâmicas. Exige mudança de mentalidade e de cultura. Requer que a liderança seja treinada não apenas para ouvir sem interromper, mas para validar emoções, acolher vulnerabilidades e transformar falas em insumos estratégicos. Ambientes que promovem esse tipo de escuta colhem os frutos. Menos rotatividade, menos conflitos, mais inovação e mais coesão. Além disso, os próprios Programas de Gerenciamento de Riscos tornam-se mais eficazes quando incorporam rotinas de escuta como parte da coleta e análise de dados. Escutar os relatos dos trabalhadores permite identificar nuances que um formulário jamais alcançaria, e isso é essencial para compreender e prevenir riscos reais.

Para que a escuta ativa cumpra seu papel na NR-01, ela precisa deixar de ser uma iniciativa de RH e passar a ser parte do sistema de gestão organizacional. Isso significa incluir a escuta nos rituais de liderança, nos processos de decisão e na avaliação de desempenho das equipes gestoras. Significa também trabalhar indicadores menos tangíveis, como segurança psicológica, sensação de pertencimento e clima emocional, como parte dos KPIs da saúde ocupacional. Empresas que enxergarem a escuta como um ativo estratégico, e não apenas como exigência normativa, estarão um passo à frente na construção de ambientes saudáveis e resilientes.

Em resumo, a escuta ativa não pode ser tratada como mais uma tendência ou obrigação burocrática. Ela é uma forma de cuidado e, acima de tudo, uma ferramenta de gestão de riscos humanos. O futuro do trabalho será moldado por organizações que compreendem que ouvir é um ato de coragem, presença e inteligência. Quem escuta de verdade antecipa crises, fortalece vínculos e promove saúde real. Quem escuta por obrigação, apenas cumpre tabela e corre o risco de seguir adoecendo em silêncio.

*Liliane Sant’Anna é sócia e cofundadora do Instituto CNV Brasil, atuando como facilitadora e consultora há mais de 15 anos. Participou diretamente do desenvolvimento pessoal e profissional de mais de 3.000 pessoas e já trabalhou com mais de 100 clientes corporativos, entre eles Nubank, Grupo Fleury, Coca-Cola e Banco do Brasil.


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