DO RESSEGURO (Destaque)
A Seção XI da nova lei de seguro, cuida inteiramente do instituto do resseguro.
Eis a redação do seu artigo 60:
“Pelo contrato de resseguro, a resseguradora, mediante o pagamento do prêmio equivalente, garante o interesse da seguradora contra os riscos próprios de sua atividade, decorrentes da celebração e da execução de contratos de seguro”.
O resseguro é “termo utilizado para definir a operação pelo qual um segurador transfere a outro segurador, parte das responsabilidades assumidas em um risco, excedentes à sua capacidade ou para proteção do ramo, por meio de contratos automáticos ou facultativos”.[1]
Paulo de Toledo Piza, eminente doutrinador da área, explora o resseguro como uma relação contratual distinta do seguro direto, destacando que o contrato de resseguro ocorre entre o segurador direto e o segurador, sem vínculo direto com o segurado original.
Quantas vezes, em diversos Seminários promovidos pelo Instituto Brasileiro de Direito de Seguros, - IBDS -, na condição de Vice-Presidente, o lúcido jurista abominou a simples asserção de que o resseguro era o seguro do segurador.
De outra banda, o § 1º deste artigo, diz ser o contrato de resseguro funcional ao exercício da atividade seguradora sendo formado pelo silêncio da resseguradora no prazo de 20 (vinte) dias, contado da recepção da proposta.
Cuida-se, de fato, de um contrato funcional ao exercício da atividade seguradora, pois desempenha um papel essencial na gestão de riscos e na estabilidade financeira das seguradoras. Ele permite que as seguradoras assumam riscos maiores e diversificados, garantindo a proteção dos segurados sem comprometer a solvência da empresa seguradora, se constituindo, portanto, um contrato vital para sua sustentabilidade, especialmente em mercados de riscos elevados ou em situações de eventos extraordinários.
A tese de que o contrato de resseguro é formado pelo silêncio da resseguradora não é amplamente aceita, embora haja argumentos contrários aliado a controvérsias jurídicas.
De outra sorte, penso eu, o silêncio do ressegurador não seria suficiente para configurar aceitação, salvo em situações específicas previstas em lei ou regulamento, no qual o silêncio pode ter valor jurídico. Via de regra, é necessário um ato que demonstre clara e expressamente a concordância do ressegurador, data vênia, do que postou o legislador tudo como se dessume da literalidade do artigo em comento.
Adita, de imediato, o seu §2º:
“Em caso de comprovada necessidade técnica, a autoridade fiscalizadora poderá aumentar o prazo de aceitação pelo silêncio da resseguradora estabelecido no §1º deste artigo”.
Aumentar o prazo de aceitação é sempre salutar, desde que sejam levadas em considerações as reservas técnicas alocadas pela seguradora, conjugada ao fato de não manifestação do ressegurador quando instado a se pronunciar. Assim, penso eu ter sido a ideia do legislador, gizada neste parágrafo em comento.
Em seguida, prevê o artigo subsequente da nova lei[2]:
“A resseguradora, salvo disposição em contrário, e sem prejuízo do previsto no §2º do artigo 62 desta lei, não responde, com fundamento no negócio de resseguro, perante o segurado, o beneficiário do seguro ou o terceiro prejudicado”.
Aqui, de pleno acordo com o que diz o caput deste artigo. Trata-se de uma situação que deve ser resolvida entre as partes contratantes. Em verdade, este negócio jurídico é celebrado entre segurador e ressegurador. O segurado, seu beneficiário ou terceiro prejudicado são terceiros em relação ao negócio realizado com seu respectivo segurador.
No parágrafo único deste artigo está dito que é válido o pagamento feito diretamente pela resseguradora ao segurado, quando a seguradora se encontrar insolvente.
Deveras. Pois “qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor”.[3] Desta forma, a resseguradora, em situações excepcionais, como a insolvência da seguradora poderá abrir espaço para que o pagamento seja realizado diretamente ao segurado. Tal possibilidade é respaldada pela interpretação de princípios gerais, como a função social do contrato, a boa-fé objetiva e a proteção do segurado, além de normativos específicos insertos nesta sistemática.
De outra banda, “demandada para revisão ou cumprimento do contrato de seguro que motivou a contratação de resseguro facultativo, a seguradora, no prazo de resposta, deverá promover a notificação judicial ou extrajudicial da resseguradora, comunicando-lhe o ajuizamento da ação, salvo disposição contratual em contrário”.[4]
A obrigação de notificar a resseguradora em ações judiciais, ou extra, envolvendo o seguro é um mecanismo essencial para a correta gestão dos contratos e a proteção dos direitos de ambas as parte. Para evitar ou escandir problemas futuros, é fundamental que seguradoras garantam a notificação tempestiva e que os contratos de resseguro sejam redigidos com clareza sobre esse procedimento, tal como está aposto neste dispositivo legal. É imperiosa a observância dessas cláusulas específicas objetivando evitar descumprimento do que foi devidamente contratado.
Ademais, aplica-se por analogia, o enunciado[5] do STJ o qual estabelece que a seguradora deve notificar o segurado sobre o atraso de parcelas. Caso não o faça, a seguradora não pode se recusar a pagar a indenização.
De outra feita, o §1º deste artigo, o 62 da nova lei, faculta que a resseguradora intervenha na causa como assistente simples.
“O assistente simples atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido”.[6]
A assistência simples é frequentemente descrita na doutrina como uma espécie de litisconsórcio ad adjuvandum. Essa expressão é utilizada para destacar que o assistente simples atua ao lado de uma das partes principais no processo, sem assumir a titularidade da relação jurídica em disputa.
Pois bem. Isto porque o assistente simples não é parte principal no processo. Ele adere à posição jurídica da parte assistida para auxiliá-la na defesa de seus interesses. Sua intervenção não altera a relação jurídica processual principal. Diferentemente do litisconsórcio tradicional, o assistente simples não age como um litisconsorte pleno. Ele está subordinado à parte assistida e não pode adotar postura contrária aos interesses dessa parte.
O assistente simples precisa demonstrar que o resultado do processo pode influenciar sua esfera jurídica, mas o vínculo com a causa é indireto. Esse vínculo é o que distingue a assistência simples de outros tipos de intervenção de terceiros. Ele, assistente simples, não pode contrariar atos praticados pela parte principal.[7]
Para que se verifique tal comportamento de simples assistência do seu ressegurador, a seguradora não poderá opor ao segurado, ao beneficiário ou o terceiro, o descumprimento de obrigações de parte daquele.[8]
Em contratos de seguro, a seguradora pode atuar como garantidora (responsável pelo pagamento de uma indenização) ou como prestadora de uma assistência simples ao segurado. De outro giro, quando a seguradora adota o papel de simples assistência, a obrigação dela é direta em relação ao segurado, beneficiário ou terceiro.
Nesse contexto, a seguradora não pode invocar falhas ou descumprimentos de obrigações contratuais por parte do segurado (como atrasos no pagamento do prêmio ou erros na comunicação de informações) para negar sua responsabilidade em relação ao beneficiário ou ao terceiro prejudicado.
Imaginem, por hipótese, que um segurado contratou um seguro de responsabilidade civil e causou um dano a um terceiro. Nesse caso, mesmo que o segurado não tenha cumprido alguma obrigação contratual com a seguradora (como atraso no pagamento de parcelas), essa falha não pode ser usada, a não ser que feita a notificação àquele sem sucesso, para recusar a assistência ou cobertura devida ao terceiro.
Essa regra é baseada no princípio da boa-fé objetiva e na função social do contrato, que visam proteger aqueles que, de boa-fé, têm expectativa de cobertura pela seguradora.
Para explicitar esse contexto na doutrina securitária, é importante estruturar a explicação com base nos princípios jurídicos e conceitos fundamentais do Direito Securitário, aliados à análise normativa e jurisprudencial.
No artigo subsequente da nova lei,[9] o legislador estabelece que quaisquer valores adiantados pela resseguradora à seguradora, destinados a auxiliá-la financeiramente no cumprimento do contrato de seguro, devem ser utilizados imediatamente para o pagamento de indenizações ou capitais devidos ao segurado, beneficiário ou terceiro prejudicado. A finalidade visada é a proteção da parte mais fraca desta relação, muito embora não haja uma obrigação direta do ressegurador com as partes participantes na relação seguradora e segurados em um todo.
O artigo 64 da nova lei, determina que salvo disposição em contrário, o resseguro cobre a totalidade do interesse ressegurado. Isso inclui o interesse da seguradora na recuperação de valores decorrentes de atrasos no cumprimento dos contratos de seguro, bem como despesas de salvamento e aquelas relacionadas à regulação e liquidação de sinistros.
No último artigo desta Seção,[10] consta:
“Sem prejuízo do disposto no parágrafo único do art. 14 da Lei Complementar, nº 126, de 15 de janeiro de 2007....(Sic).
A Lei Complementar número 213, de 15 de janeiro de 2025, alterou a Lei Complementar nº 126, de 15 de janeiro de 2007 - Lei do Resseguro -, para dispor sobre a possibilidade de contratação de operações de resseguro por sociedades cooperativas de seguros e por administradoras de operações de proteção patrimonial mutualista.
Convido a atenção dos leitores no sentido de que a parte inicial deste dispositivo, ora sob comento, foi revogada[11] que, aliás, ainda não começou a viger, pois com a edição desta nova Lei Complementar que alterou o art. 27 da Lei Complementar nº 126, de 15 de janeiro de 2007 - Lei do Resseguro -, restou revogado o artigo 88 do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966.
Tal exegese se colhe do disposto no artigo 13 desta recentíssima Lei Complementar, que acentua sua vigência a partir da data de sua publicação, ao dispositivo por ela elegido,[12] salvante dois incisos que determinam um prazo mais dilargado para início de sua vigência[13].
Portanto, com a edição desta Lei Complementar acima aduzida, encerro, neste ensaio, os comentários pertinentes ao Resseguro dentro da Seção que encetou meus comentários.
Em ligeira síntese é o que entendo pertinente registrar, em mais um tópico que examinei e pretendo continuar escrevendo, no desenvolvimento deste contexto em relação ao novel diploma legal pertinente ao Seguro.
Porto Alegre, 26 de janeiro de 2025
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Dicionário de Seguros. Alexandre Del Fiori. Editora Lisbon International Press, 2023, páginas 484/485.
[2] Art. 61.
[3] Art. 304 do atual código Civil.
[4] Art. 62 da nova lei.
[5] Súmula 616 do Superior Tribunal de Justiça.
[6] Artigo 121 do CPC.
[7] Exegese do artigo 122 do Código de Processo Civil.
[8] §2º do artigo 62 da nova lei de seguro.
[9] Art.63.
[10] Art. 65 da lei número 15.040, de 09/12/24.
[11] Art. 12, inciso III, da Lei Complementar nº 213, de 15 de janeiro de 2025.
[12] Art.13, inciso III da referenciada Lei Complementar.
[13] Art. 13, incisos I e II desta nova Lei Complementar.
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