Brasil,

A Decisão Da Alta Corte Do Reino Unido Quanto À Cobertura Securitária Para Perdas Decorrentes Da Paralisação De Negócios Pela Pandemia

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Dr. Marcelo Camargo | advogado na Agrifoglio Vianna Advogados Associados
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Recentemente, em 15 de setembro de 2020, a Alta Corte do Reino Unido proferiu julgamento de um caso teste, muito esperado pelo mercado segurador mundial, referente à cobertura securitária em apólices do ramo de danos, cujo objetivo é a indenização das perdas financeiras decorrentes da paralisação de negócios, afetados em razão da pandemia COVID19. A decisão foi favorável aos segurados nos principais aspectos.

Mas qual o efeito deste julgamento no mercado segurador mundial e nacional? Todos os danos decorrentes da paralisação do negócio estão cobertos? A decisão pode ser interpretada como uma tendência a ser aproveitada nas lides no Brasil?

Apenas para contextualizar brevemente o que lá ocorreu, tratava-se de um procedimento judicial instaurado a pedido da Financial Conduct Authority (FCA), espécie de regulador do mercado, que atuou como representante dos segurados contra 8 seguradoras que aceitaram participar do procedimento rápido e abreviado instaurado diretamente na Alta Corte, para análise de 21 apólices com coberturas para interrupção ou interferência de atividades comerciais em decorrência de (i) doenças contagiosas notificáveis em determinada região geograficamente delimitada; ou (ii) ordem de autoridade pública; ou (iii) ambas as circunstâncias conjugadas (hybrid clauses).

E como antecipamos, em 15 de setembro de 2020 houve decisão favorável aos segurados (FCA) principalmente diante da hipótese do item (i), concluindo que a causa imediata da interrupção dos negócios foi a doença notificável da qual os surtos individuais localizados são partes indivisíveis; alternativamente (mas de forma menos satisfatória), cada uma das ocorrências individuais foi uma causa separada, mas suficiente a justificar as ações nacionais que determinaram a paralisação.

Para algumas apólices quanto aos itens (ii) e (iii) anteriores, a interpretação foi mais restritiva, em especial quanto à incidência da cobertura de perdas decorrentes da “vedação de acesso ao estabelecimento” considerando especialmente o seguinte: a) se a cobertura adicional abrange mera perturbação e interferência nas atividades comerciais ou exige uma interrupção total delas (e quais circunstâncias fáticas do caso concreto); b) se o ato de autoridade é meramente indicativo ou se deve ser obrigatoriamente observado pelo segurado; c) se houve a constatação de casos da doença na região do estabelecimento fechado, geograficamente delimitado pela apólice .

Em que pese as 8 seguradoras rés terem concordado em participar do procedimento, o caso foi determinado sem evidência factual ou pericial e com base em certos fatos acordados previamente (como medidas específicas tomadas pelo Governo). Uma extensa documentação, como petições e submissões, foi criada para o caso específico, e disponibilizada no site da FCA: https://www.fca.org.uk/firms/business-interruption-insurance#revisions . O julgamento ocorreu pelo Skype, com acesso público e transmissão ao vivo.

Em suma, a decisão lá proferida é extremamente técnica e aprofundada, mas apenas indica uma tendência de não se admitir a exclusão de cobertura para pandemia como se o evento não fosse coberto por si só. Inclusive, a orientação imediata da FCA para as seguradoras foi a de prosseguirem com a regulação dos sinistros, a fim de apurar os prejuízos e demais circunstâncias do evento, para ao final, se for o caso, emitir a negativa, mas já com a regulação concluída.

Este resumo do julgamento proferido pela Alta Corte do Reino Unido demonstra a quantidade de itens específicos lá analisados e suas inúmeras variáveis decorrentes dos diferentes clausulados lá praticados. Serve como tendência para efetiva aplicação no Brasil?

A meu ver não, justamente em razão da alta profundidade com que foram analisadas as apólices naquele feito. A prática de mercado naquele país é diferente da prática daqui, pois lá a redação é livre e diferenciada por cada seguradora conforme cada produto, o que foi criteriosamente sopesado pela Alta Corte, item por item. Aqui, o clausulado é padronizado e limitado pela SUSEP. Por mais irônico que possa parecer, é o aprofundamento daquela análise que distancia sua aplicação por aqui.

Outra peculiaridade no sistema judicial nacional é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, muitas vezes exacerbada e desequilibrada em relação às regras do Código Civil.

Invariavelmente, há um aparente embate destas normas, quando a convivência de ambas é perfeitamente possível. Prova disso é que o próprio CDC estabelece em seu Art. 4º, inciso III, como fator da Política Nacional das Relações de Consumo, a harmonização e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico, e o seguro serve a este fim.

A solução dos futuros conflitos passará pela observância destes regramentos protetivos quando e se aplicáveis, mas também considerando os elementos do contrato de seguro, em especial o interesse segurado e seu multifacetado conceito enquanto causa do contrato de seguro, e não mero objeto, até porque, o seguro precisa ser útil ao contratante. Da mesma forma, o risco precisará estar corretamente e claramente delimitado nos regramentos.

As seguradoras talvez não possam argumentar a simples imprevisibilidade da pandemia, pois em seus questionários de contingenciamento há anos se preocupam com a capacidade da continuidade dos negócios de seus fornecedores justamente em situações como esta. Nada justificaria uma redação clausular nebulosa a este tempo, ainda mais após recentes epidemias como a Sars e a H1N1.

Por outro lado, o risco contratado é aquele conhecido na data da celebração da apólice. A alteração substancial deste risco, independente da causa, desequilibra a expectativa das partes. É o que preconiza o art. 113 do CC, com a nova redação após a lei de Liberdade Econômica.

Certo é, a questão é complexa e controvertida, comporta uma grande variável decorrente dos específicos clausulados, assim como, admite uma ampla gama argumentativa e técnica, seja pela perspectiva do interesse segurável, pela correta delimitação do risco a par de se admitir certa oscilação ao longo do contrato, pela função social do seguro, e pela preservação da mutualidade e solidez do sistema segurador.

De lição temos a maturidade do sistema judicial e segurador do Reino Unido, que possibilita o procedimento lá instaurado a fim de trazer estabilidade àquele mercado de forma geral e no momento necessário. E de fato, as circunstâncias por si só justificavam a iniciativa da FCA, assim como, o tramitar acelerado e de procedimento abreviado, e a análise pormenorizada das cláusulas.

No Brasil, carecemos de estrutura e procedimento semelhante, o que acaba colocando a responsabilidade de uma decisão técnica e complexa nos juízes de primeiro grau, as vezes desconhecedores dos meandros dos clausulados nacionais, ainda sob forte ingerência governamental da SUSEP. Ao que tudo indica, não teremos uma decisão suficientemente madura e consolidada no curto prazo, o que por si só causará insegurança jurídica pelo menos por algum período.

Artigo por Dr. Marcelo Camargo | advogado na Agrifoglio Vianna Advogados Associados.


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