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O que a Ciência Comportamental pode nos dizer sobre pesquisa de comunicações?

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Karina Rodrigues
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Juliano Piccoli Juliano Piccoli

As pesquisas de testes de conceito de propagandas estão funcionando tão bem quanto deveriam? É hora de repensar nossa abordagem?

Em 2007, Binet e Field1 conduziram uma análise dos resultados de pesquisas que testaram conceitos de propagandas e compararam com a performance real desses conceitos no mercado. Eles descobriram que as campanhas que tiveram um bom desempenho na prática não foram aquelas que tiveram um bom desempenho na pesquisa. Como uma pessoa que trabalha com pesquisa de mercado, isso é, para falar a verdade, um pouco vergonhoso.

Obviamente, isso aconteceu há mais de 10 anos e nós evoluímos e desenvolvemos nossos processos de pesquisa desde então, mas isso ainda destaca um problema fundamental em grande parte da nossa pesquisa qualitativa de comunicações, que tradicionalmente passa muito tempo pedindo que os respondentes cuidadosamente desconstruam os conceitos de propagandas e analisem e comparem os elementos de cada um detalhadamente - com frequência usando uma bateria de escalas numéricas avaliando coisas como “impacto, relevância, diferenciação, credibilidade e motivação para agir”.

Todos nós sabemos que não é assim que consumimos propagandas na vida real. Avanços na ciência comportamental nos mostraram a importância de medir o que é realmente percebido ali pelas pessoas, em vez de uma versão limpa e pós-racionalizada da realidade, mas nossa pesquisa de teste de conceito, na maioria dos casos, ainda não está conseguindo acompanhar.

A pesquisa conduzida por Bient e Field também mostrou que, com algumas exceções, campanhas com um foco emocional tendem a ter um melhor desempenho na prática do que campanhas baseadas em persuasão racional. Enquanto argumentos racionais podem nos convencer, isso normalmente não é suficiente para nos fazer agir.

O banco de dados do Institute of Practitioners in Advertising (IPA) contém 1.400 estudos de caso de campanhas publicitárias bem-sucedidas enviadas para a competição IPA Effectiveness Award competition nos últimos 30 anos. Essa análise comparou a rentabilidade de companhas que usaram principalmente um apelo emocional e aquelas que usaram persuasão e informações racionais.

Os dados mostram que:

• Campanhas com conteúdos puramente emocionais tiveram um desempenho duas vezes melhor (31% x 16%) do que aquelas com conteúdos racionais.

• Não só isso, mas as campanhas com conteúdos puramente emocionais também tiveram um desempenho um pouco melhor (31% x 26%) do que aquelas com conteúdos emocionais e racionais misturados - então podemos concluir que a inclusão de uma mensagem racional na verdade enfraqueceu o impacto geral dessas campanhas.

O ato de vivenciar emoções é uma força poderosa na hora de tomar uma decisão

O ato de vivenciar emoções é uma força poderosa na hora de tomar uma decisão. Respostas emocionais podem ser construídas ao longo do tempo, mas nossas reações a palavras, imagens e eventos são frequentemente rápidas e automáticas. Podemos vivenciar uma reação comportamental antes mesmo de percebermos a que estamos reagindo. É o equivalente a “seguir seu instinto”.

A ciência comportamental nos diz que, na verdade, as pessoas podem fazer escolhas melhores quando precisam “seguir seus instintos”. Isso foi replicado muitas vezes. Por exemplo, Betsch et al (2001)2 pediu às pessoas para preverem as ações que teriam o melhor desempenho. Os respondentes que foram convidados a ser analíticos e avaliar quais ações tinham a média mais alta foram menos bem-sucedidos do que aqueles que foram convidados a simplesmente decidir “quais ações parecem melhores?”.

Resumindo, aqueles que simplesmente “seguiram seus instintos” fizeram escolhas melhores do que aqueles que tomaram decisões mais pensadas - tendo uma performance um pouco melhor do que um computador selecionando as escolhas de forma aleatória.

Na verdade, pedir que as pessoas pensem muito sobre suas respostas pode fazer com que elas mudem de ideia. Isso é mostrado na prática por Wilson, Kraft e Lisle (1990)3 - que descobriram que pedir às pessoas que expliquem suas atitudes e opiniões pode causar mudanças temporárias de atitude, que são indicadores ruins de comportamento. Expressar preferência por um conceito, produto ou marca particular não é muito consistente com a escolha futura a menos que a atitude construída no momento em que preferência é reportada seja a mesma atitude presente no momento exato que a escolha é feita ou a decisão é tomada. Simplificando: uma atitude criada por uma conversa racional em uma entrevista de pesquisa de mercado pode ter pouca relação com a atitude que impulsiona a escolha na realidade.

Mais exemplos podem ser encontrados no trabalho de Wilson e Schooler (1991)5, que descobriram que perguntar aos participantes por que gostavam do sabor de um determinado doce impactava a ordem de preferência em comparação com aqueles que eram simplesmente interrogados sobre qual o doce que mais gostavam sem mais explicações - esse último grupo tendo respostas muito parecidas com as respostas de especialistas, e pedir que explicassem a resposta fez com que mudassem a preferência.

A transitoriedade dessa mudança de preferência é mostrada por Wilson, Lisle e Schooler (1989)4, que pediram a estudantes que escolhessem um pôster para levar para casa. Aqueles que não precisaram explicar sua decisão tiveram mais probabilidade de escolher uma arte impressionista. Aqueles que precisaram escrever uma explicação para a escolha tiveram mais probabilidade de escolher um pôster motivacional. A parte mais interessante disso está nas entrevistas de acompanhamento que aconteceram depois, em que os estudantes tiveram que falar sobre o nível de satisfação com a escolha. Aqueles que escolheram as imagens impressionistas estavam notavelmente mais felizes do que o grupo dos “motivacionais”. Entre esse último grupo, a mudança da atitude causada pela necessidade de racionalizar a escolha desapareceu com o tempo.

Então perguntar “por que” muda “o que” escolhemos - mas só por um tempo

Além disso, Johansson, Hall, Sikström, e Chater (2013)6 mostraram para participantes duas fotos com rostos femininos e deram a eles a tarefa de escolher qual achavam mais atraente. Os respondentes não sabiam, mas em certos experimentos, na hora de explicar a preferência, os moderadores fizeram um truque com as mãos e trocaram um rosto pelo outro, o que significa que os participantes tiveram na verdade que explicar a preferência pelo rosto que eles NÃO escolheram. Só cerca de um terço dos experimentos manipulados foram detectados. Os participantes explicaram seriamente os motivos das escolhas que não foram as escolhas que eles fizeram. Hall et al (2010)7 teve resultados parecidos em um experimento semelhante em que pedia a respondentes para experimentarem diferentes alimentos.

Portanto, racionalizar é confiável e faz sentido se isso cria mudanças temporárias nas nossas escolhas - escolhas que podemos nem lembrar direito? É possível argumentar, como muitos fazem que o que PENSAMOS sobre propagandas é irrelevante. Trata-se de instinto e esse instinto é imediato - nós sabemos do que gostamos antes de reconhecermos o que vimos.

Precisamos acessar essas reações instintivas iniciais, sem a introspecção e a pós-racionalização. Um bom jeito de fazer isso é adotar uma abordagem narrativa. Pedimos aos respondentes que registrem suas reações iniciais imediatamente após ver um conceito ou outro estímulo usando uma medida instintiva simples. É possível argumentar que qualquer coisa que não surja nos primeiros 2-3 minutos simplesmente não é importante.

Tradicionalmente, muito dos nossos testes de conceito qualitativos ainda dependem de escalas de 7 pontos, como relevância, credibilidade e diferenciação. Depois de anos vendo os respondentes lutando com essas escalas, eu cheguei à conclusão de que elas simplesmente não funcionam. Os respondentes frequentemente acham difícil de entender exatamente como avaliar cada parâmetro. Eles ficam entediados com as perguntas e tendem a:

1. Marcar tudo no meio da escala porque não têm muita certeza ou porque não estão envolvidos ou estão cansados.

2. Se forçar a dar notas falsamente diferentes para cada parâmetro simplesmente porque acham que devem dar notas diferentes de alguma forma.

3. Dar a cada conceito notas mais ou menos consistentes com base em uma métrica de ressonância mais ampla que é difícil de articular especificamente, mas que eu vou chamar de "o quanto eu gosto disso".

4. Dar notas semelhantes a todas para tomarmos decisões baseadas no “melhor de um grupo ruim”

O que nós PENSAMOS sobre propagandas é irrelevante. É tudo instintivo:

Não é de se admirar que Binet e Field concluíram que a pesquisa não funciona!

Para acessar o instinto, seria mais eficiente oferecer uma única pergunta (por exemplo: “qual desses conceitos são mais atrativos para você?”) e permitir uma discussão narrativa livre, que dá espaço para expressar uma opinião sem ter que desconstruí-la detalhadamente. Talvez poderíamos oferecer entrevistas curtas e significativas com apenas uma pergunta para avaliar conceitos de propagandas. No mínimo, precisamos nos distanciar de escalas racionais e enfatizar mais a forma que medimos respostas emocionais.

Isso requer um certo nível de coragem, tanto de nós pesquisadores quanto dos nossos clientes com equipes internas que precisam ser convencidas. Tem alguma coisa reconfortante na ideia de passar uma hora desconstruindo opiniões sobre conceitos, mesmo que os avanços em ciência comportamental nos digam que alguns desses dados não são necessariamente válidos. Pode ser difícil deixar isso para trás.

Chegou a hora de experimentarmos uma abordagem mais radical. O que é necessário para sermos corajosos o suficiente para deixar alguns dos “porquês” para trás e acreditar que as respostas da pesquisa não são simplesmente o que os respondentes dizem ou as notas que eles dão?

(Juliano Piccoli - líder de creative da divisão Insights da Kantar Brasil)

Referências:

1. Binet, L. & Field, P. (2007) Marketing in the Era of Accountability, IPA Datamine 2,Warc, (June), London, UK.

2. Betsch, T., Plessner, H., Schwieren, C., and Gütig, R. (2001). I like it but I don’t know why: a value-account approach to implicit attitude formation. Pers. Soc. Psychol. Bull. 27, 242–253.

3. Timothy D. Wilson, Douglas J. Lisle, and Dolores Kraft (1990) ,”Effects of Self-Reflection on Attitudes and Consumer Decisions”, in NA - Advances in Consumer Research Volume 17, eds. Marvin E. Goldberg, Gerald Gorn, and Richard W. Pollay, Provo, UT : Association for Consumer Research, Pages: 79-85.

4. Wilson, Timothy D., Lisle, Douglas J., and Schooler, Jonathan (1989), “Some Undesirable Effects of Self-Reflection,” unpublished manuscript, Department of Psychology, University of Virginia, VA 22903.

5. Wilson, T. D., and Schooler, J. W. (1991). Thinking too much: introspection can reduce the quality of preferences and decisions. J. Pers. Soc. Psychol. 60, 181–192.

6. Johansson, P., Hall, L., Tärning, B., Sikström, S., & Chater, N. (2013). Choice Blindness and Preference Change: You Will Like This Paper Better If You (Believe You) Chose to Read It! Journal of Behavioral Decision Making. DOI: 10.1002/bdm.1807

7. Hall, L., Johansson, P., Tärning, B., Sikström, S., & Deutgen, T. (2010). Magic at the marketplace: Choice blindness for the taste of jam and the smell of tea. Cognition, 117(1), 54–61. doi:10.1016/j.cognition.2010.06.010


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