Quiet quitting: “empresas se acostumaram com profissionais que fazem mais sem serem devidamente recompensados”, avalia especialista

De repente, o quiet quitting - ou “demissão silenciosa” como alguns têm traduzido no Brasil - se tornou o assunto do momento. Apesar do nome, o conceito não se refere exatamente a pessoas que pedem demissão, mas sim àqueles colaboradores que aos poucos passam a executar apenas as tarefas básicas do cargo que ocupam ao invés de seguir a máxima de dar um pouco além do esperado todo dia. Assim, o termo classifica esses profissionais de certo modo como alguém que já desistiu de avançar na carreira dentro da empresa.

Contudo, para o gestor especialista em Psicologia Organizacional e Recursos Humanos, Diogo Tonhati, é preciso analisar melhor o fenômeno para perceber que tratar o assunto como se os trabalhadores fossem os vilões da história é um erro.

Trabalho em desequilíbrio

De acordo com dados da consultoria Gallup, pelo menos 50% da força de trabalho atual dos Estados Unidos pode ser considerada de “demissionários silenciosos”. É importante frisar que o mercado de trabalho brasileiro é diferente do estadunidense. Enquanto a taxa de desemprego por aqui é quase três vezes maior, o trabalho informal representa 33,2% da economia no Brasil contra 7,2% no país norte-americano.

Ainda assim, o especialista explica que, independente desses dados, o que parece estar por trás do crescimento de “demissionários silenciosos”, especialmente no pós-pandemia, é uma nova visão acerca do trabalho e do valor do tempo. “Tínhamos a noção de que, além do serviço combinado no contrato de trabalho, devíamos sempre entregar algo mais. Assim, as empresas se acostumaram com isso e passaram a ter a visão de que o bom funcionário é aquele que entrega além do necessário”, elabora.

Como explica Diogo Tonhati, essa cultura foi predominante dentro das empresas durante décadas, principalmente no Brasil. Isso significava horas extras e dias trabalhados sem bater ponto ou a realização de tarefas fora da alçada contratual. “O profissional brasileiro adotou essa cultura ao longo dos anos e as empresas se adaptaram a isso, gostaram da ideia. Mais do que isso, os empregadores tomaram isso como forma de ver o funcionário digno de promoção, de bonificação no fim do mês ou ano, passou a ser o padrão”, completa.

Uma nova visão sobre o trabalho

No entanto, ao longo dos anos e com a chegada de novas gerações ao mercado profissional a força de trabalho passou a ter uma nova abordagem acerca da relação entre tempo e dinheiro. Diogo ressalta que os impactos da pandemia do novo coronavírus potencializaram essa transformação e muitos profissionais adotaram a postura classificada como “demissão silenciosa” buscando resgatarem tempo de socialização fora do trabalho, com a família e o que mais vinham perdendo.

Para todos os efeitos, o gestor e especialista em Psicologia Organizacional lembra que isso não torna esses profissionais colaboradores ruins. “Muitos cumprem apenas o básico, mas com excelência, o que para algumas empresas já é suficiente”, avalia. Ainda assim, ele entende que é um momento de confusão para o mundo corporativo. “Antes, a empresa tinha o empregado na mão, atuando além do exigido. Hoje em dia, ela encontra uma séria dificuldade para achar profissionais que compram a ‘ideia da empresa’”, afirma.

Empregador e empregado unidos

Para Diogo Tonhati, esse cenário tem uma relação direta com os altos índices de burnout no Brasil e no mundo todo. Considerada uma doença do trabalho pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que a síndrome de esgotamento já afeta 1 em cada 3 brasileiros.

Diante disso, o especialista ressalta a importância de empregador e empregado agirem unidos em busca de uma solução. “Na minha experiência, posso afirmar que entre 70% e 80% dos casos é possível resgatar esse colaborador com diálogo. É preciso entender o motivo de seu desinteresse, se algo está afetando seu desempenho seja na esfera profissional ou pessoal. Se é um colaborador que entrega bons resultados em um momento difícil, conseguimos usar a psicologia positiva e a organizacional para ajudá-lo a perceber sua importância para o grupo e para a organização. Também é importante oferecer o que chamamos de salário emocional, que envolve um bom ambiente de trabalho, remuneração atraente e bom plano de carreira”, conclui.