Práticas de RH: desdobramentos recentes de investigações antitruste
* Joyce Honda, Dario Rabay, Isabela Monteiro de Oliveira e Pedro Zuquim
Em deliberações recentes, as autoridades antitruste americanas têm enfrentado os desafios das investigações nos chamados labor markets[1]. A Federal Trade Commission (FTC) e a Divisão Antitruste do Department of Justice (DOJ) têm buscado intensificar a aplicação da lei antitruste para combater supostas práticas anticompetitivas em tais mercados. Pela primeira vez na história, tais esforços resultaram em dois julgamentos na esfera criminal de réus acusados de prejudicar a livre concorrência nos mercados laborais por meio de acordos de wage-fixing[2], non-solicitation e no-poaching[3]. Em ambos os casos, os réus foram absolvidos das alegações relacionadas a possível violação das leis antitruste.
Apesar de os resultados dos primeiros julgamentos, realizados em abril de 2022 nos estados do Texas e do Colorado, não terem alcançado as expectativas dos órgãos antitruste americanos, observa-se que o FTC e o DOJ se mostram determinados a reforçar suas ações contra acordos e práticas que possam ter qualquer impacto sobre a competição nos mercados laborais, inclusive na esfera criminal.
No caso United States v. Jindal, avaliado pelo júri texano, o julgamento foi pioneiro ao deliberar sobre matéria antitruste trabalhista dos Estados Unidos. Na oportunidade, os jurados avaliaram as condutas de dois executivos da área de saúde, os quais foram acusados de fixar valores pagos a fisioterapeutas e assistentes de terapia na área de Dallas – Fort Worth. Firmada a decisão, o júri absolveu os réus da acusação de violação ao Sherman Act, mas condenou um deles por obstrução à investigação realizada pelo FTC.
Subsequente ao inédito julgamento ocorrido no Texas, também foi a júri na semana seguinte, no estado do Colorado, o caso United States v. DaVita. Neste, uma empresa fornecedora de serviços de diálise renal e seu antigo diretor presidente foram considerados inocentes das alegações de no-poach agreement. O juiz responsável pelo caso havia, a princípio, negado a defesa inicial dos réus sob o argumento de que os acordos firmados pela empresa com vistas a alocar o mercado seriam ilícitos per se, contudo, os réus garantiram duas vitórias essenciais no pré-julgamento e, posteriormente, sua absolvição pelo júri.
O trabalho realizado pelas autoridades americanas para proteger o mercado de RH não é recente. Em 2016, foi emitido o Guia Antitruste para Profissionais de Recursos Humanos[4]. Fruto dos esforços conjuntos do DOJ e do FTC, o Guia tem como principal objetivo alertar os agentes de mercado sobre possíveis violações antitruste na área de RH, as quais poderiam, em tese, impactar decisões individuais da empresa com relação a salários, benefícios, termos de emprego, ou até mesmo oportunidades de trabalho.
Vale ressaltar que a discussão sobre a concorrência no mercado de RH não se limita às autoridades americanas. Outras agências antitruste já emitiram guias similares ao americano, visando a informar o mercado quanto a possíveis práticas relacionadas ao setor de RH, como é o caso da autoridade antitruste japonesa (Study Group on Human Resource and Competition Policy, de fevereiro de 2018) e da autoridade antitruste de Hong Kong (Competition Commission Advisory Bulletin, de abril de 2018).
No contexto global, destaca-se, também, caso recente ocorrido em Portugal, julgado pela Autoridade da Concorrência[5], no qual foram penalizadas 31 sociedades desportivas que participaram na edição 2019/2020 da Primeira e Segunda Ligas e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, acusadas de terem celebrado um acordo de no-poaching. Nesse caso, o suposto acordo impedia a contratação, pelos clubes da Primeira e Segunda Ligas, de jogadores que encerrassem unilateralmente o seu contrato de trabalho evocando questões provocadas pela pandemia de Covid-19, o que deixava os jogadores vinculados aos seus times de origem ao eliminar os incentivos para término dos contratos.
No que diz respeito ao CADE, até o presente momento, a autoridade não emitiu posicionamento definitivo ou editou quaisquer documentos ou guias sobre o tema dos acordos de wage-fixing e no-poaching em contexto trabalhista. Contudo, esse posicionamento poderá surgir a partir do julgamento de um processo administrativo em curso perante a autoridade que investiga condutas envolvendo práticas de RH de empresas de healthcare[6].
No âmbito trabalhista, a jurisprudência atual do Tribunal Superior do Trabalho reconhece a validade da cláusula de não concorrência em contratos de trabalho, inclusive após o término do contrato, desde que estejam presentes alguns requisitos que demonstrem a necessidade dessa cláusula para a proteção dos negócios do empregador. Os requisitos são os seguintes: (a) a necessidade efetiva dessa cláusula para a proteção dos negócios do empregador; (b) que exista um limite territorial também conectado com os negócios do empregador; (c) que exista por prazo certo razoável, que pode variar de acordo com as atividades e cargo ocupado pelo ex-empregado; e (d) indenização financeira que compense o período no qual o ex-empregado estará impedido de trabalhar em atividade concorrente; e (e) restrição apenas em relação ao exercício de atividades que sejam concorrentes da empresa.
Por fim, vale destacar a publicação de nota pelo comitê brasileiro para a OCDE[7], no qual foram apontados alguns tópicos que deveriam ser abordados por um futuro guia de matéria trabalhista e antitruste no Brasil, a saber:
- os empregadores devem informar e treinar os empregados com conhecimentos e responsabilidades de RH para que compreendam os fundamentos básicos do escopo antitruste;
- os empregadores não devem celebrar acordos escritos ou verbais sobre (i) remuneração (ou outros termos relacionados os termos trabalhistas) ou (ii) recrutamento de empregados com profissionais de empresas concorrentes;
- quando partilhar informações confidenciais sobre trabalhadores, no contexto de análises de fusões, as empresas devem considerar (i) a utilização de um terceiro (agente neutro) para gerir essa troca de informações, (ii) tornar os dados anônimos, e (iii) limitar o acesso a esses dados ou informações.
Portanto, tendo em vista a crescente relevância do tema trabalhista e antitruste nas agendas das autoridades nacionais e internacionais, é de suma importância que o assunto esteja no radar das empresas e seja considerado em suas políticas de compliance. Nesse sentido, é essencial a incorporação, nos programas e treinamentos, de diretrizes específicas sobre políticas de contratação, não concorrência, remuneração, bem como disciplinar o contato com empregados de empresas concorrentes pelos membros dos departamentos de RH.
* Joyce Honda é sócia do Cescon Barrieu Advogados na área de Direito Concorrencial e Antitruste
Dario Rabay é sócio do Cescon Barrieu Advogados na área trabalhista
Isabela Monteiro de Oliveira é advogada associada do Cescon Barrieu na área antitruste
Pedro Zuquim é advogado associado do Cescon Barrieu na área de Direito Concorrencial
Sobre o Cescon Barrieu
O Cescon Barrieu é um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, trabalhando de forma integrada em cinco escritórios no Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) e, também, em Toronto, Canadá. Seus advogados destacam-se pelo comprometimento com a defesa dos interesses de seus clientes e pela atuação em operações altamente sofisticadas e muitas vezes inéditas no mercado. O objetivo do escritório é ser sempre a primeira opção de seus clientes para suas questões jurídicas mais complexas e assuntos mais estratégicos.
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