Dúvidas trabalhistas: os limites da licitude no contexto empregatício
Dhyego Pontes
É possível reconhecer o vínculo de empregados que trabalham em empresas que exercem atividades ilícitas?
Quais os direitos trabalhistas dos seguranças de um cassino ou bingo – atividades que, no Brasil, são consideradas contravenções penais, de acordo com o Artigo 50 da Lei 3.688/41? O tema – que é complexo e passível de interpretações – ganhou novo holofote em veículos especializados no fim do ano passado, a partir de decisão do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema.
O que diz o Código Civil?
Antes de analisarmos, com mais detalhes, a decisão do TST, vale a pena observarmos o que diz o Código Civil Brasileiro a respeito da validade dos negócios jurídicos (subcategoria das relações jurídicas e que, de modo objetivo, estabelece as normas para o vínculo entre dois ou mais sujeitos “segundo formas que são previstas pelo ordenamento jurídico e geram direitos e/ou obrigações para as partes").
De acordo com o Código Civil, em seu artigo 104, a validade do negócio jurídico requer:
I – Agente capaz;
II – Objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – Forma prescrita ou não defesa em lei.
Na falta de um destes elementos, o negócio jurídico (e um vínculo empregatício é reconhecido como tal) se torna inválido. O artigo 166 dá mais detalhes sobre a ilicitude dos negócios jurídicos, que ocorre quando:
I - Celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - For ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto;
III - O motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - Não revestir a forma prescrita em lei;
V - For preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - Tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - A lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Dito isso, a grande complexidade na pauta que colocamos acima envolve a seguinte questão: embora a condução de um bingo – ou de qualquer outra atividade que recaia em contravenção – seja ilegal; as funções como a de segurança ou limpeza, por exemplo, que não tem como fim uma atividade ilegal – poderia ser realizada sem prejuízo a sociedade em outros ambientes de trabalho?
A visão do TST
Esse, aliás, foi o entendimento da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que reconheceu o vínculo empregatício do segurança de um bingo em processo julgado no segundo semestre do ano passado. Na decisão, o relator do processo afirmou que seria injusto negar a proteção do direito ao trabalhador, pois tal ato só beneficiaria o empresário contraventor.
Ele afirmou ainda que esse era “o caso de seguranças, faxineiros ou garçons que, casualmente, estão trabalhando em estabelecimento ilegal, mas que poderiam perfeitamente executar o mesmo trabalho em locais lícitos”
O que se pode interpretar da decisão é que, a despeito da ilicitude da atividade da empresa, o trabalho exercido por seguranças, faxineiros ou garçons, não tem como objeto algo ilegal e, portanto, pode ter seus direitos reconhecidos na esfera trabalhista.
Outros casos
Mas e quando a atividade contribui, mesmo que de modo indireto, com a atividade-fim de uma empresa que pratica a contravenção das leis do país? Neste caso, o entendimento dos tribunais tem sido o de negar o vínculo empregatício. Foi o que ocorreu, por exemplo, em caso finalizado em 2018, que não reconheceu o vínculo entre uma cambista (vendedora de jogos) e uma banca de jogo do bicho de Pernambuco. Para o relator do processo, tais contratos de trabalho são inválidos, uma vez que o próprio objeto do contrato anula a possibilidade de reconhecimento do vínculo “patrão X empregado”.
Conclusão
Conforme friso acima, o tema é complexo e estabelecer os limites da licitude de vínculos empregatícios dentro do contexto aqui analisado, consequentemente, não é algo simples ou que gere unanimidade. E, embora o TST tenha oferecido um norte sobre o tema, cada caso deve ser analisado de acordo com suas especificidades, de modo que tenhamos decisões justas que contribuam com a segurança e a proteção da sociedade e de suas leis.
*Dhyego Pontes é consultor trabalhista e previdenciário da Grounds.
Sobre a Grounds
A Grounds é uma empresa de consultoria inteligente especializada em transações societárias. Oferecendo consultoria específica nas áreas contábil, tributária, trabalhista, previdenciária e financeira, o core business da companhia abrange todas as áreas da empresa, se diferenciando assim dos serviços de advogados, por exemplo. A empresa traz ao mercado um novo olhar estratégico sobre o processo de análise fiscal financeira e contábil, e oferece uma visão analítica e integrada com total eficiência. Em sua atuação, oferece projetos de due diligence, consultoria fiscal-financeira e assessoria permanente em vários segmentos de atuação: Investimentos e Private Equity, Energia e Infraestrutura, Serviços, Varejo e Indústria em geral. Saiba mais em: http://grounds.com.br/
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