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O consumidor e a atenção primária

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Observa-se, hoje, uma significativa demanda pelo resgate da imagem simbólica do médico de família, daquele profissional para o qual o manejo básico da maioria das necessidades de preservação da saúde é direcionado.

Fala-se em humanização da medicina, o que é extremamente positivo. É necessário evitar, no entanto, uma visão que pretende associar o médico de família, pura e simplesmente, com a obtenção de mecanismos mais efetivos para diminuir os custos assistenciais.

Assim, se a organização da atenção primária visar apenas o controle de gastos, deverá suscitar fortes questionamentos e frustrações. Em outras palavras, se a atenção primária for utilizada como restrição de acesso aos demais serviços de saúde, não irá funcionar nem para conter gastos adequadamente, pois os reais problemas de saúde represados hoje se tornarão muito maiores amanhã.

A história da atenção primária é mais antiga do que muitos imaginam. Tudo se originou a partir do Relatório Dawson, elaborado pelo governo Britânico em 1920, que já preconizava a organização dos serviços de saúde tendo como porta de entrada uma instância para a atenção básica, o nível primário de atenção à saúde.

Nesta ocasião, o ambiente médico já era regido pelo primado da ciência e toda a fundamentação para a estruturação da atenção primária se baseava na evidência de alta efetividade e resolutividade, que são alcançados com recursos significativamente menores quando comparados com sistemas organizados sem esta porta de entrada. Daí o ímpeto atual pela inclusão da atenção primária na saúde suplementar diante da escalada de custos assistenciais.

Rubem Alves, Doutor em Filosofia e Psicanalista, em uma de suas crônicas, descreve o médico moderno como uma “unidade biopsicológica móvel”, portadora de conhecimentos especializados e que vende serviços. Não há nisso nada de pejorativo, é uma realidade profissional do mundo moderno e tecnocêntrico. Esta definição se enquadra aos profissionais que formamos na atualidade, sejam eles engenheiros, advogados, economistas ou médicos. A questão fundamental é que a alta especialização requer uma boa especificação de adequação de uso.

Para se formar um especialista, as premissas adotadas em seu treinamento concentram-se em assegurar intervenções com eficiência técnica que se ancoram na grande dependência do uso de tecnologia. A performance é intimamente relacionada à habilidade no uso de tais recursos. Produzem-se, então, médicos com grande sensibilidade diagnóstica e alto desempenho no tratamento, porém, com especificidade restrita às doenças de sua área de atuação.

Por outro lado, o médico de família costuma ter, em razão de sua formação, uma tendência natural em adotar uma atuação fortemente calcada na observação clínica mais ampla. Permite-se não ter pressa, o tempo é usado como um aliado no esclarecimento dos casos. Sinais, sintomas e exames tendem a ser mais adequadamente relativizados no contexto socioambiental do paciente. Na instância da atenção primária, o raciocínio clínico tem uma característica peculiar, expressa-se com alta sensibilidade tanto na determinação do que está saudável, quanto nos diagnósticos de enfermidades transitórias e autolimitadas pela capacidade intrínseca de reequilíbrio do próprio organismo. Sua função primordial não é intervir, mas sim estabelecer, com alta especificidade, quem não precisa ou não deve sofrer intervenção. Aperfeiçoa-se no saber capaz de assegurar as condições de contorno que favorecerão a reabilitação espontânea da saúde.

À luz destas considerações, a evolução técnica da medicina e a consequente formação de médicos altamente especializados tornou fundamental a estruturação de uma instância básica de acolhimento do consumidor dos serviços médicos. O especialista não é mais capaz de receber um paciente com demandas inespecíficas e mal definidas, perfil típico e mais prevalente dos pacientes que procuram os serviços de saúde. A busca por um especialista tem que ser orientada por meio de uma especificação técnica, e o médico de família é o profissional capacitado para elaborar tal especificação. A efetividade do sistema é, hoje, extremamente dependente da complementaridade entre estes dois perfis: o médico de família e o especialista. Estruturar serviços de atenção à saúde sem a articulação de ambos é, no mínimo, irracional.

E há ainda que se considerar que uma estratégia para a implantação da atenção primária na saúde suplementar jamais poderá prescindir do engajamento do próprio consumidor dos serviços. E há que fazê-lo alicerçado no entendimento lúcido de algo essencial: o reconhecimento do valor de se ter um sistema organizado, de forma que o acionamento dos recursos especializados se faça adequadamente, onde os excessos não encontrem campo para se manifestar e, principalmente, onde o contexto permita a expressão da dimensão humana da arte médica.

Uma questão fundamental é como conquistar o consumidor para a importância de ter ao seu lado um médico generalista que tenha o seu histórico médico e que o acompanhe na utilização dos diferentes serviços de saúde. Somente com uma atenção médica adequada esse consumidor entenderá os riscos de se expor a determinados procedimentos, às vezes desnecessários. O elemento essencial para modulação do acesso é a Atenção Primária, negligenciada todos estes anos. Vai ser complexo demonstrar os benefícios desta nova realidade, que só será viável quando se for capaz de formar uma unidade de atuação entre médico de família e especialista, de tal forma que um seja complementar ao que falta no outro.

Para quem for encarar o desafio de estruturar uma porta de entrada efetiva, é importante levar em consideração que a atenção primária no Brasil é culturalmente depreciada e, consequentemente, há uma grande carência de médicos experientes e preparados para executar a função, e também de equipes multidisciplinares. Caso esse contexto não mude, os inestimáveis benefícios para a saúde que a atenção primária oferece podem ser irremediavelmente comprometidos. Será necessário, pois, formar e valorizar médicos generalistas para conquistar a confiança e o engajamento do consumidor.

Celso Visconti Evangelista é formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em medicina preventiva. Atualmente é superintendente-médico da Qualicorp.


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