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O avanço dos criptoativos no Brasil e os impactos da ausência de regulamentação

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Gabriela Castro
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Os criptoativos são uma representação digital de valores transacionados, como as criptomoedas, que têm ganhado cada vez mais espaço no mercado financeiro. Quando foram criadas, em 2008, as criptomoedas interessavam tão somente aos libertários ao permitir transações financeiras sem intermediários, mas verificadas por usuários da rede e gravadas em um banco de dados distribuídos denominado blockchain. Coincidência ou não, o surgimento das criptomoedas se deu em meio à crise financeira causada pela expansão do crédito que financiou a bolha imobiliária nos Estados Unidos.

A criptomoeda, além de facilitar pagamentos peer-to-peer, ou seja, de pessoa para pessoa sem a presença de intermediários, atualmente é definida como uma reserva de valor, tornando-se um ativo de proteção contra a inflação em muitos portfólios institucionais. Além disso, sua criptografia garante a segurança das transações e o anonimato dos titulares.

Desde então, tal evolução contribuiu para o surgimento de empresas especializadas na facilitação do acesso aos criptoativos, chamadas de exchanges, além de estimular a entrada de investidores institucionais no mercado digital e impulsionar a criação de legislações específicas para ativos digitais, o que resulta na valorização da moeda e maior segurança e confiança no mercado cripto.

Há que se levar em consideração que, assim como os investimentos tradicionais, as criptomoedas também possuem valor econômico e fazem parte do que entendemos como patrimônio. Assim, há uma crescente tendência no mercado para a segregação dos ativos, utilizando os investimentos em criptoativos como estratégia de proteção patrimonial.

No Brasil, as empresas que negociam criptoativos não estão expressamente sujeitas à regulamentação, seja do Banco Central ou da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que torna mais difícil ao poder público identificar movimentações suspeitas. Coube à Receita Federal, por meio da Instrução Normativa RFB nº 1.888, definir o conceito dos criptoativos e das exchanges, além de definir a obrigatoriedade de prestação de informações, prazos e penalidades. Vejamos o conceito:

“Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:

I - criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; e

II - exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.”

De acordo com o art. 6º da referida Instrução Normativa, a obrigatoriedade de prestação de informações se aplica às exchanges de criptoativos domiciliadas para fins tributários no Brasil e às pessoas físicas e jurídicas residentes no Brasil quando: “(a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou (b) as operações não forem realizadas em exchange.”

No caso de pessoa física, a obrigatoriedade de reporte se aplica sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00. A Instrução Normativa RFB nº 1.888 também prevê imposição de penalidades, como multa mensal no caso de ausência de prestação de informação ou de prestação extemporânea, inexata, incompleta ou incorreta, sem prejuízo de comunicação ao Ministério Público, em caso de indícios de ocorrência de crime de lavagem de dinheiro.

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal vem debatendo a regulamentação das criptomoedas por meio do Projeto de Lei 3.825/2019, de Flávio Arns (Podemos-PR), que tem os PLs 3.949/2019 e 4.207/2020 tramitando de forma conjunta[1]. Contudo, enquanto não há uma regulamentação específica no ordenamento jurídico pátrio direcionada às operações com ativos digitais, os nossos tribunais já vêm admitindo a penhora de criptomoedas como forma de saldar débitos, em especial na Justiça Trabalhista.

A 6ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em votação unânime, deu provimento ao agravo de petição do trabalhador que pediu a realização de pesquisa junto à Receita Federal e à plataforma "bitcoin.com" com o intuito de identificar se os sócios da empresa executada possuem criptomoedas. A decisão determinou também a inclusão dos executados no sistema do SERASAJUD, bem como a expedição de certidão de protesto em face da executada e de seus sócios.[2]

A 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) se manifestou sobre o tema ao julgar, em 21 de novembro de 2017, o agravo de instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000. A penhora de criptomoedas foi rejeitada sob o entendimento de que não haveria “indícios de que os agravados tenham investimentos em bitcoins ou, de qualquer outra forma, sejam titulares de bens dessa natureza”. No entanto, o relator do caso, desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho, reconheceu a possibilidade de penhora de criptomoedas para garantia da execução “por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial”.

O fato é que há uma grande dificuldade na efetivação da penhora de criptoativos em geral, dado que a estrutura de chaves privadas, geralmente, não permite que terceiros, não possuidores dessas chaves, cumpram ordens judiciais. A chave privada é uma espécie de ‘senha’ que permite ao titular, e somente ele, realizar operações e transferir criptoativos. A exceção ocorre apenas caso o custodiante ou exchange do criptoativo possua a chave privada do cliente e, com isso, execute a ordem judicial. Nesse caso, a exchange poderá, mediante ordem judicial, realizar a penhora se as chaves privadas estiverem em sua posse.

Cabe ressaltar que o sistema SisbaJud, utilizado pelo Poder Judiciário para localização e bloqueio de ativos em nome do devedor, ainda não possui a ferramenta para localização de criptomoedas, razão pela qual o bloqueio automático de recursos, tal como ocorre em valores depositados em contas bancárias, móveis e imóveis, encontra óbice.

Apesar dos avanços voltados aos projetos de regulamentação e das decisões favoráveis do Judiciário no que tange à penhora das criptomoedas, as operações com os ativos digitais ainda carecem de uma legislação mais robusta, o que as tornam mais atrativas economicamente, fazendo o uso da tecnologia como forma de dispersão e obstáculo ao rastreamento dos bens de devedores.

Outro ponto importante é que, em razão da particularidade da custódia em relação à chave de acesso, também há no ordenamento jurídico um dilema em relação ao planejamento sucessório. No bojo de um processo de inventário, por exemplo, tendo os sucessores conhecimento da existência dos ativos, estes podem oficiar às exchanges para que procedam com a liquidação dos criptoativos. O impasse existe quando o titular da chave não a compartilha, tornando os ativos totalmente inacessíveis aos herdeiros. Logo, é recomendável que o titular documente como acessar esses ativos em sua eventual falta ou incapacidade como tentativa de assegurar que os criptoativos não sejam perdidos na transmissão do proprietário original para seus herdeiros.

Diante das considerações, podemos afirmar que os maiores problemas envolvendo a dificuldade de regulamentação de criptoativos no país vêm justamente da inexistência de um órgão central regulador e fiscalizador com competência para agir, haja vista que o registro das operações com criptomoedas é promovido de forma descentralizada e sem controle prévio de nenhuma autoridade monetária ou barreira comercial. O anonimato e a privacidade de seus titulares fazem com que os criptoativos sejam instrumentos de ocultação patrimonial e, eventualmente, de fraude à execução ou a credores.

Por outro lado, a popularização das criptomoedas faz parte da evolução e aprimoramento da sociedade, constituindo um meio lícito de tornar o mercado mais acessível e eficiente, motivo pelo qual a regulamentação das operações das criptomoedas se faz necessária e urgente, permitindo o crescimento da economia de maneira mais segura e sustentável.

Autora:

Dra. Tayná Bregnoli Alves Corrêa é sócia do Vigna Advogados, área de Imigração e Investimentos Estrangeiros. Atua desde o início de sua carreira com foco na área internacional e imigratória com foco em global mobility e regularização de empresas e estrangeiros no país.

Sobre o Vigna Advogados:

Fundado em 2003, o VIGNA ADVOGADOS ASSOCIADOS possui sede em São Paulo e está presente em 9 estados do Brasil. Atualmente, conta com uma banca de cerca de 200 advogados, profissionais experientes, inspirados em nobres ideais de justiça. A capacidade de compreender as necessidades de seus clientes se revela em um dos grandes diferenciais da equipe, o que permite desenvolver soluções econômicas, ágeis e criativas, sem perder de

[1] CAE pode votar nesta terça a regulamentação das criptomoedas. Agência Senado, 21 fev. 2022. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2022/02/cae-pode-votar-nesta-terca-a-regulamentacao-das-criptomoedas Acesso em 05 abr. 2022.

[2]6ª Câmara do TRT-15 determina pesquisa de criptomoedas para pagamento de dívida trabalhista. Comunicação Social do TRT da 15ª Região (Campinas), 22 jul. 2021. Disponível em https://trt15.jus.br/noticia/2021/6a-camara-do-trt-15-determina-pesquisa-de-criptomoedas-para-pagamento-de-divida Acesso em 05 abri. 2022.

Artigo:O avanço dos criptoativos no Brasil e os impactos da ausência de regulamentação
Tayná Bregnoli Alves Corrêa, sócia do Vigna Advogados


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