Brasil,

"Nosso sistema tributário atual é ultrapassado e disfuncional"

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Valeria Bursztein
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Em webinar organizado pelo Fórum Brasil Export, o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil (jan/2015 a mai/2016), ex-presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) e ex-senador, Armando Monteiro, considera imperativo que o país modernize seu modelo tributário. O diretor presidente e CEO da ABOL - Associação Brasileira de Operadores Logísticos, Cesar Meireles, participou do evento

A reforma tributária como instrumento para a retomada da economia no Brasil figurou como tema central de recente webinar organizado pelo Fórum Brasil Export, que contou com a presença do ex-ministro e ex-senador Armando Monteiro, que também atuou, por oito anos, como presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Mediado pelo CEO do Brasil Export, Fabrício Julião, este 93º webinar teve também a participação do especialista em regulação e conselheiro do Brasil Export, Mario Povia.

Concorrido, o evento, realizado neste período de pandemia, surpreendeu pela audiência e pelo alto nível de debate entre empresários do setor logístico/portuário e representantes de associações de âmbito nacional, todos interessados em ouvir o senador.

Monteiro deu início à sua exposição alertando que o Brasil, além de crescer pouco, experimenta um processo regressivo, à medida que vai perdendo posição no cenário internacional. "Estamos hoje com um nível de atividade econômica correspondente ao verificado em 2009. Nossa indústria, que já constou como a décima do mundo até 2009, caiu para o 16º lugar, ultrapassada pelo México, Turquia, Indonésia e Espanha, somente para citar alguns países. Perdemos o ritmo de crescimento e testemunhamos um perigoso processo de estagnação econômica. A situação, já muito preocupante, ainda se agrava pela enormidade de carências na área social. Se uma sociedade não cresce, fica sem condições de responder às demandas", avaliou.

Na visão do ex-ministro, o atual governo alinhavou propostas que, apesar de tímidas, apontam para uma maior racionalidade, como o fim da cumulatividade e a desoneração das exportações. "Somos um país que exporta impostos, pois a ausência de crédito amplo obriga à inclusão de resíduos tributários ao longo das cadeias exportadoras. Outra problemática relaciona-se aos créditos acumulados pelo setor no sistema atual. A reforma tributária acena para a desoneração de exportações e investimentos, algo muito positivo", opinou Monteiro, segundo o qual a proposta atual consiste em uma oportunidade de fazer a agenda avançar.

Na lista de dificuldades expostas pelo ministro estão os insatisfatórios modelos de financiamento às exportações. O Brasil precisa de uma espécie de Exim Bank voltado às exportações", referindo-se ao Export-Import Bank of the United States, a agência de créditos oficial do governo federal dos Estados Unidos da América.

Ele prosseguiu mencionando o caráter ultrapassado e disfuncional do atual modelo. "A guerra fiscal de hoje revela-se um contrassenso, desprovida de benefícios, com regimes especiais produzidos à custa de todos: uma condição diferenciada oferecida a um setor, onera a carga global de todos. Portanto, a reforma deveria ser norteada pelos ganhos revertidos ao país como um todo".

Inevitavelmente, a audiência fez coro às colocações do ministro. Povia afirmou estar muito esperançoso com o otimismo demonstrado por Monteiro quanto à reforma tributária. "Essa espécie de alinhamento astral que ele enxerga nos conforta, dado que se trata de uma questão essencial, particularmente para o setor logístico/portuário".

Povia aproveitou a ocasião para elencar as questões que mais interessam ao setor nacional de logística e portos: segurança jurídica, atualmente ameaçada pela inexistência de um propício ambiente de negócios; desoneração de investimentos, exportações e folha de pagamento; redução da burocracia e do Custo Brasil; término da guerra fiscal; simplificação dos processos aduaneiros, de modo a conferir-lhes maior eficiência; mitigação dos efeitos da tributação do bunker; viabilização da multimodalidade com documento único e eliminação dos gargalos de fiscalização entre as fronteiras dos estados. "O Brasil continua mal colocado no ranking internacional de competitividade em parte por conta de questões tributárias descabidas que impossibilitam a compreensão da linha adotada no país. Por essa razão, é fundamental passarmos a um modelo tributário de classe mundial", defendeu ele.

Tal colocação ensejou a integral ratificação de Monteiro, que enfatizou a absoluta necessidade de melhoras que se reflitam nas operações das empresas. "Frequentemente nos concentramos nos temas das macrorreformas, a exigir um elevado capital político, preterindo mudanças incrementais capazes de influenciar positivamente o ambiente operacional das empresas. Como exemplo, pode-se citar a qualidade dos marcos regulatórios: se não forem estáveis, seguros e precisos, não há como incentivar investimentos, em especial os de longo prazo de maturação", avaliou.

Papel estadista

Participando do encontro, o diretor presidente e CEO da ABOL, Cesar Meireles, requisitou a palavra para parabenizar Fabricio Julião, responsável pela presença do palestrante. "A visão do senador Armando Monteiro é a de um estadista, além de ex-ministro, ex-presidente da CNI e empresário de expressão no país. O seu aguçado e clarividente olhar perpassa todas as área essenciais da economia, questões sociais e políticas, sendo absolutamente atual sobre as questões que o Brasil precisa ouvir, ver e enfrentar com coragem".

Meireles, que considera a reforma tributária como "a reforma das reformas", fez questão de felicitar Povia por ter mencionado o caráter descabido do sistema tributário e fiscal brasileiro: "A reforma tributária se faz necessária, sendo o atual modelo fiscal e tributário brasileiro um verdadeiro "freio de mão" para a retomada econômica do país. Povia ressaltou o aspecto imperativo da multimodalidade a partir da reforma tributária. Embora o Brasil tenha regulado as atividades do OTM (Operador de Transporte Multimodal), com a Lei nº 9.611 /1998, temos de admitir que não há multimodalidade no Brasil; existe, no máximo, a contratação fragmentada de modais no ambiente da cadeia logística de valor, a contratação intermodal. Permito-me enfatizar que, sem a reforma tributária, eliminemos a matéria multimodalidade da nossa agenda, isso porque, o modelo fiscal e tributário atual impede a formatação do protocolo multimodal. Para corroborar o que agora afirmo, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) dispõe de mais de 400 registros de empresas atuantes como OTM sem que haja um único Conhecimento de Transporte Multimodal emitido no país", observa Meireles, que ainda destaca a atroz realidade da desigualdade social no país que a reforma tributária precisará enfrentar, aportando um caráter estadista, republicano, de, no mínimo, mitigar a desigualdade social, ao colocar em prática uma agenda efetiva de reversão do quadro.

Monteiro congratulou Meireles por ter inserido na discussão o tema da desigualdade social. "Sua fala é muito inspiradora, porque manifesta preocupação com o país como um todo. O nosso projeto de nação está ameaçado em razão da marca da desigualdade presente na formação histórica e econômica do Brasil. Precisamos ter em mente que desigualdade e desequilíbrio social impedem qualquer desenvolvimento sustentável. Note que a patologia da desigualdade se expressa veementemente na violência urbana. Vivemos hoje em um regime do medo, porque a nossa sociedade não criou mecanismos integradores sociais", comentou.

Uma solução apontada por Monteiro pressupõe deslocar a tributação para a renda em vez de concentrá-la no consumo. "Se considerarmos os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), constata-se que extraem da tributação do consumo pouco mais de um terço da arrecadação; no Brasil, esse índice está em 50%. Ao tributar o consumo, acabam penalizados os setores de renda mais baixa, pois aumenta o custo dos bens que consomem. Precisamos produzir uma mudança, levando o sistema a apoiar-se menos no consumo, mas ainda mantendo a capacidade de proporcionar maior tributação sobre a renda".

Monteiro opina que o governo poderia aproveitar o momento para implementar mudanças estruturais de grande impacto em curto prazo, como limitar os gastos gerados por pessoal em cada estado, por exemplo, com redução de jornada e salários. "Algumas situações precisam ser enfrentadas, sobretudo no que diz respeito a privilégios. Há uma diferença entre direitos e privilégios: os primeiros precisam ser respeitados; os segundos, combatidos. O ritmo dos parlamentares também é ditado pela pressão da sociedade. Por isso, acredito que a classe empresarial deveria ter presença mais ativa no Congresso, de modo a estreitar o diálogo e pressionar legitimamente. Acredito que o setor empresarial se descola muito da representação, como se aquele microcosmo não fosse um retrato do país. As mazelas do Congresso estão presentes na sociedade brasileira".

Soft power

"Nos últimos anos, tem faltado posicionamento no que tange à política externa. O Brasil sempre adotou uma postura de relativo pragmatismo ao explorar oportunidades no comércio internacional, embora em determinados períodos tenhamos observado alguns alinhamentos de caráter mais ideológico, que, a meu ver, conspiram contra os interesses permanentes do país", analisou Monteiro.

Para ele, o Brasil, mesmo sem protagonismo no cenário internacional, deveria usufruir do que os diplomatas chamam de soft power. "Somos um país bem recebido no mundo exatamente pela tradicional capacidade de integrar-se aos fóruns internacionais, inexistência de conflitos geopolíticos e o grande ativo da questão ambiental na política externa. Infelizmente, nos últimos anos, esse viés mais ideológico tem prejudicado nossa política externa. O Brasil não deve alinhar-se com países em conflito; precisa, sim, voltar-se à comunidade internacional e explorar todas as oportunidades. Estamos perdendo protagonismo. Faz-se necessário reorientar a política externa, pois é uma pena termos enfraquecido o destaque que tínhamos por conta dos nossos próprios erros. O Brasil precisa voltar-se mais para o mundo", concluiu.

Sobre a ABOL

A ABOL - Associação Brasileira dos Operadores Logísticos, sociedade civil sem fins lucrativos, tem o objetivo de reconhecer, regulamentar e consolidar a atividade do Operador Logístico no Brasil. Criada em 2012, é hoje responsável por reunir as principais empresas e players do setor para fortalecer a imagem institucional do Operador Logístico em todas as esferas de atuação, como uma "pessoa jurídica capacitada a prestar, através de um ou mais contratos, por meios próprios e/ou por intermédio de terceiros, os serviços de transporte (em qualquer modal), armazenagem (em qualquer condição física ou regime fiscal) e gestão de estoque (utilizando sistemas e tecnologia adequada)".

A ABOL elabora projetos e estudos em vários cenários, resgatando o histórico do passado, analisando o contexto presente e as tendências do futuro. Atualmente, a associação é composta por 30 Operadores Logísticos, entre empresas nacionais e estrangeiras, que atuam nas mais diversas cadeias produtivas, abrangendo atividades de transportes, coleta, transferência, milk run, movimentação de carga, armazenagem, gestão de estoque, expedição, e distribuição de cargas em todo o território nacional.

Em largo espectro, o Operador Logístico atende toda a cadeia de suprimento e distribuição, desde a primeira a última milha, com o conceito de one-stop-shopping, ou seja, oferecendo todas as soluções na cadeia logística de valor. A associação promove e estimula o amplo conhecimento para a cadeia de Logística e Supply Chain por meio de eventos, roadshows, diálogos com stakeholders públicos e privados, entre diversas outras atividades.


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