Empresas ignoram acordos de leniência e ampliam risco de sanções milionárias
Entre 2015 e 2025, apenas 34 dos 99 pedidos de leniência foram aceitos pela CGU, mesmo com mais de R$ 10 bilhões já recuperados
Mesmo com uma legislação anticorrupção em vigor desde 2014 e resultados práticos visíveis, os mecanismos de cooperação com o poder público seguem pouco utilizados por companhias brasileiras. Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) mostram que, entre 2015 e agosto de 2025, o órgão recebeu 99 propostas, mas apenas 34 resultaram em acordos firmados. A cifra é ainda mais expressiva quando se observa o volume financeiro envolvido. Foram fechados mais de R$ 20 bilhões, dos quais R$ 10 bilhões já foram pagos.
Segundo a advogada Eduarda Ciscato, sócia do Ciscato Advogados Associados, o receio de reconhecer condutas irregulares e enfrentar a exposição pública ainda afasta muitas companhias da possibilidade de contribuir com as autoridades. Essa resistência, embora compreensível, acaba sendo contraproducente, pois amplia os riscos legais, financeiros e reputacionais, em vez de reduzi-los.
Previsto na Lei nº 12.846 de 2013, o instrumento de leniência permite que organizações colaborem com investigações sobre práticas prejudiciais à administração pública, como fraudes em licitações e pagamento de propina.
Passo calculado
O reconhecimento de responsabilidade é uma condição vital para o acordo, mas também representa uma oportunidade estratégica. "Essa admissão pode ser um passo calculado para reduzir danos", afirma Eduarda. O instrumento possibilita a diminuição de até dois terços das sanções financeiras e também a exclusão de penalidades como a proibição de contratar com o poder público, podendo inclusive suspender ou encerrar processos administrativos de responsabilização.
Apesar dessas vantagens, o uso do acordo segue restrito, especialmente entre companhias de médio porte, que nem sempre contam com uma estrutura jurídica qualificada para lidar com essas situações. "Muitas organizações ainda não possuem uma cultura sólida de conformidade, nem assessoria especializada para avaliar corretamente os benefícios de colaborar com os órgãos competentes", alerta Eduarda. Essa ausência de preparo leva a uma conduta defensiva, em vez de preventiva, que costuma agravar o impacto legal e financeiro quando as irregularidades são reveladas por terceiros.
Outro recurso previsto pela legislação é o Termo de Compromisso, regulamentado pelo Decreto nº 11.129/2022. Ele não exige reconhecimento de culpa e se aplica a falhas administrativas de menor gravidade. Funciona como medida preventiva e de melhoria, com objetivo de aprimorar os controles internos e a promoção de uma cultura de conformidade, por meio de compromissos voluntários como revisão de políticas internas e reforço da governança.
Além disso, é importante distinguir claramente os dois principais instrumentos da Lei Anticorrupção. O acordo de leniência exige colaboração ativa e traz benefícios como a suspensão de penalidades e redução de encargos financeiros. Já o Termo de Compromisso atua de forma mais preventiva e sem imputação de culpa, com foco no fortalecimento dos mecanismos internos de governança.
Controle sobre a narrativa
Empresas que adotam uma postura proativa tendem a obter resultados mais favoráveis, inclusive em termos de negociação com os órgãos de controle. "A iniciativa precoce permite negociar em melhores condições, obter reduções mais expressivas das sanções e até evitar a abertura do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), caso a colaboração leve à solução integral do problema e à reparação do dano", explica Eduarda. Agir com rapidez também ajuda a companhia a manter o controle sobre a narrativa e a gestão da crise, evitando que sua imagem seja moldada por investigações externas.
O cálculo das penalidades dentro de um PAR leva em conta agravantes como a continuidade das infrações e a resistência à apuração. Ele também considera atenuantes como programas eficazes de conformidade e engajamento com as investigações. Esses critérios, regulamentados pelo Decreto nº 11.129/2022, reforçam a importância de uma atuação estratégica e transparente, sobretudo diante do risco de sanções severas.
Evitar a cooperação também acarreta consequências sérias e amplas, já que companhias podem ser declaradas inidôneas, com risco de ser impedidas de contratar com a administração pública. Também enfrentam dificuldades para obter crédito, manter contratos e atrair investidores. "A omissão implica não só em multas e indenizações pelos danos causados ao erário, mas também em perdas indiretas significativas", diz Eduarda.
Outro erro comum é iniciar negociações sem o devido planejamento jurídico. "Os principais erros incluem denúncias incompletas, falta de informações detalhadas, renúncia inconsciente a garantias e obrigações desproporcionais assumidas sem preparo", alerta Eduarda. Para ela, é essencial contar com assessoria jurídica especializada desde o início, a fim de estruturar uma técnica coerente, viável e alinhada às exigências legais.
A cultura de integridade corporativa ainda está em construção no Brasil, pois embora haja avanços, o uso de instrumentos como o pacto de leniência e o Termo de Compromisso ainda é exceção. "Grande parte das companhias só busca esses mecanismos quando já se encontra em situação de risco", afirma Eduarda. Mudar essa mentalidade e tratar a ética como um ativo estratégico é o desafio que permanece para o setor privado.
Sobre o Ciscato Advogados Associados – Fundado em 1997, o Ciscato Advogados atua na prestação de serviços jurídicos com foco em Direito Empresarial, com ênfase na consultoria preventiva e estratégica. Ao longo de sua trajetória, consolidou expertise em áreas como Direito Administrativo, Licitações, Trabalhista Consultivo, Imobiliário, Criminal Econômico, LGPD, Compliance, Governança e Consultoria Societária. Com sede em Curitiba e atuação nacional, o escritório atende empresas de médio e grande porte de diversos setores, incluindo indústria, serviços, mercado financeiro e setor público.
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