A Sub-rogação e institutos afins na Nova Lei de Seguros (Destaque)
- Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
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A sub-rogação no direito civil é a substituição de uma pessoa (credor) por outra (terceiro) em uma relação jurídica, como uma dívida, onde o terceiro paga o credor original e assume seus direitos, garantias e ações, sem extinguir a obrigação para o devedor, que passa a dever ao novo credor.
O principal efeito da sub-rogação, ensina Paulo Nader, “consiste na substituição do credor primitivo pelo terceiro que efetua o pagamento. A translação do crédito se opera na res debita como um todo, incluindo o principal, acessórios, além das eventuais garantias (hipoteca, penhor, privilégios). Se o pagamento pelo terceiro não é integral a sub-rogação será parcial, permanecendo o credor originário na relação, ao lado do sub-rogado”.[1]
No contrato de seguro ela se caracteriza como um instituto jurídico em que, após pagar a indenização o terceiro sub-rogado ao segurado, a seguradora assume os direitos e ações que o segurado tinha contra terceiros responsáveis pelo dano — ou seja, a seguradora “entra no lugar” do segurado para buscar ressarcimento contra quem causou o prejuízo.
Quando trabalhei no Superior Tribunal de Justiça o ministro Fontes de Alencar, integrante à época da Terceira Turma, chamou-me em seu gabinete para tomar ciência e colocar em edições posteriores ao meu livro, carro-chefe de uma de minhas obras sobre seguros, uma decisão de sua lavra, publicada no DJU de 10.09.1990, assim ementada:
“Direito Marítimo – Ação de reembolso de seguro pago – Protesto interruptivo da prescrição. O segurador pode manifestar protesto interruptivo da prescrição da ação de reembolso do seguro, antes mesmo de sua sub-rogação nos direitos do segurado pelo pagamento, à semelhança do titular de direito eventual expectativo, que pode exercer os atos destinados a conservá-lo enquanto perdurar condição suspensiva”.[2]
A nova lei do contrato de seguro, dedica dispositivos próprios ao tema no âmbito do seguro de dano com regras específicas exigindo, entre outras, de que o segurado se obrigue a colaborar no exercício dos direitos derivados da sub-rogação, respondendo pelos prejuízos que causar à seguradora.[3]
A lei elege situações em que a seguradora não terá ação própria ou derivada de sub-rogação quando, por exemplo, o culpado pelo sinistro for garantido por seguro de responsabilidade civil. Nesta situação a seguradora da parte que causou o ato ilícito deve garantir o seu prejuízo, bem como do segurado não culpado que foi vitimado pelo sinistro. Esse posicionamento exsurge do que está descrito e enunciado na lei.[4]
Assim também ocorre quando o sinistro decorrer de culpa não grave do cônjuge ou parentes até o segundo grau (consanguíneos ou por afinidade) do segurado ou do beneficiário, bem como dos empregados ou pessoas sob a responsabilidade do segurado.[5]
A exegese que se extraí do conteúdo do parágrafo único do artigo 95 da Lei do Contrato de Seguro é de que mesmo que a sub-rogação esteja excluída nestas hipóteses, se admite que a ação seja proposta contra a seguradora que garantiu o responsável, caso este esteja, de fato, acobertado por seguro de responsabilidade civil.
A lei também determina que a sub-rogação não pode prejudicar o direito remanescente do segurado ou do beneficiário contra terceiros, preservando direitos que não sejam captados pela transferência para a seguradora.
Antes do advento do novo marco legal do seguro, o Código Civil já tratava da sub-rogação dentro do contrato de seguro[6], mas com critérios e exceções diferentes e em dispositivos dispersos.
Deveras. A Lei 15.040/2024, - LCS -, consolida a matéria e traz regras específicas, aplicadas diretamente ao contrato de seguro, definindo com mais clareza os limites e obrigações do segurado quanto à sub-rogação. Também a nova lei cuida de harmonizar melhor este instituto, trazendo maior transparência ao tema, conferindo, destarte, maior segurança jurídica para que a seguradora acione terceiros responsáveis, após o pagamento de indenização. Ela protege, outrossim, o segurado que não corre o risco de ver seus direitos prejudicados pela atuação da seguradora, além de impor limites objetivos à sub-rogação em casos de culpa não grave de pessoas próximas ao segurado.
Embora classificado como seguro de danos, o seguro de responsabilidade civil possui estrutura triangular, o que o distingue profundamente dos seguros patrimoniais simples.
O seguro de responsabilidade civil é um instituto híbrido:
privado na formação, patrimonial na técnica, e social na função, distinguindo-se tanto dos seguros patrimoniais clássicos quanto das garantias obrigacionais.
Camilo Viterbo notável jurista e autor especializado em Direito de Seguros, conhecido por sua obra fundamental El Seguro de laResponsabilidadCivil, publicada em Buenos Aires em 1944, que o estabeleceu como uma referência no estudo do seguro de responsabilidade civil, sendo frequentemente citado em trabalhos acadêmicos sobre o tema.
Pois bem. Ao escrever sobre o seguro de responsabilidade civil disse:
Em uma definição, que classificou como“ provisória” enfatizou que o seguro de responsabilidade civil – haftfichtzverzicherung – assurance de laresponsabilité civil - é aquela espécie de seguro na qual o segurador se obriga a indenizar o segurado do dano patrimonial que este sofra como consequência legal de uma responsabilidade civil – não penal – em que haja incorrido.”[7]
Faço, neste ensaio, de imediato, uma sucinta dicotomia entre o seguro de responsabilidade civil, o seguro-garantia, a sub-rogação propriamente dita e a responsabilidade objetiva.
A natureza do risco coberto no seguro de responsabilidade civil é a ocorrência de dano indenizável a terceiro, ao passo que no seguro-garantia o risco coberto é pertinente ao inadimplemento de obrigação contratada com o segurador. O evento gerador do primeiro se dá com um fato jurídico danoso, ao passo que no outro existe sempre um descumprimento contratual.
De outro giro, a aleatoriedade é elemento essencial no seguro de responsabilidade civil, ao passo que no seguro-garantia é relativa.
Em outras palavras, o seguro-garantia substitui a solvência do devedor; o seguro de responsabilidade civil absorve o impacto patrimonial do dano.
No seguro-garantia, o credor é beneficiário direto e imediato; no seguro de responsabilidade civil, o terceiro é beneficiário mediato. Naquele a indenização extingue a obrigação do segurado perante terceiro. Já no seguro de responsabilidade civil, a sub-rogação é instrumental e residual, jamais estrutural.
Onde a sub-rogação é central, o instituto é garantia, ao passo que
na sub-rogação é excepcional, caracterizando-se verdadeiramente como um instituto de seguro de danos.
Essa distinção penso ser decisiva para evitar a “garantização indevida” do seguro de responsabilidade civil.
Na responsabilidade objetiva, vale dizer, a que o agente ou preposto praticou o ato ilícito independentemente de apuração de culpa no evento danoso ela pode se tornar meramente simbólica em que pese tal adjetivação, pois a indenização dependerá da solvência do causador do ato. Enfim, no seguro de responsabilidade civil facultativa não se neutraliza a responsabilidade civil objetiva, mas, se viabiliza sua indenização.
Em arremate final doque pretendi articular neste artigo penso que o seguro-garantia protege o crédito; já o seguro de responsabilidade civil protege o sistema de reparação do dano.
O instituto da sub-rogação distingue estruturalmente ambos, ao revés da responsabilidade objetiva que explica a centralidade econômica e também social do seguro de responsabilidade civil.
Por fim. O conceito de responsabilidade civil, que é a base do seguro, remonta a leis antigas, como o Código de Hamurabi e o direito romano corporificado naLex Aquilia, que já previam a compensação por danos causados a terceiros. No entanto, o seguro de responsabilidade civil como um produto de mercado só surgiu muito mais tarde. Ele surgiu “como uma necessidade prática na Inglaterra do século XVII, impulsionado pela Revolução Industrial e o aumento dos riscos, evoluindo de cláusulas em seguros marítimos (abordagem de navios) para uma modalidade própria, formalizada com a expansão do mercado segurador e a regulamentação legal, consolidando-se no século XX para proteger patrimônios contra as crescentes obrigações de indenizar terceiros por danos, conforme o conceito jurídico de reparar um prejuízo injusto”.[8]
Deveras. Enquanto princípio da reparação de danos, este instituto jurídico se adaptou com o evolver dos anos e até hoje continua evoluindo para atender às necessidades das sociedades contemporâneas.
Arremato em ensinanças de Nelson Rosenvald, amigo e ilustrado jurista, que tive o privilégio de convidá-lo para prefaciar minha obra “O Seguro, a Vida e sua Modernidade”, que, ao discorrer sobre a Função Preventiva da Responsabilidade Civil no Anteprojeto de Reforma do Código Civil, acentuou:
“Cada uma das funções da responsabilidade civil persegue uma necessidade de segurança. Pode-se dizer que a função compensatória objetiva uma segurança nos termos tradicionais de “certeza” do direito como importante garantia de uma compensação”.[9]
É dentro deste viés que se cristaliza o seguro de responsabilidade civil e suas decorrências legais no mercado securitário que evolui cada dia mais com o decurso do tempo.
É o que penso.
Porto Alegre, 16 de dezembro de 2025
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Curso de Direito Civil. Obrigações, volume 2, 4ª edição. Forense Editora, 2009, páginas 294/295.
[2] A Sub-rogação no Contrato de Seguro. Edições Especiais. Revista dos Tribunais, 100 anos. Thomson Reuters, Volume VI, junho de 2011, página 835.
[3] §3º do artigo 94 da Lei 15.040/24.
[4] Parágrafo único do artigo 95 da lei suso referenciada.
[5] Artigo 95, incisos I e II.
[6] Artigos 786 e seguintes do Código Civil, revogado pela lei do contrato de seguro.
[7] Apud Voltaire Marensi. O Seguro no Direito Brasileiro, 9 edição. Lumen Juris Editora. Rio de Janeiro, 2009, página 323.
[8] Informações recolhidas do Google.
[9] A Reforma do Código Civil. Org. Rodrigo Pacheco. Senado Federal. Brasília, 2024, página 141.
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