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Reindustrialização doméstica: retorno às fronteiras do passado?

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Tensões geopolíticas e movimentos focados na configuração de cadeias produtivas menos dependentes da Ásia podem promover a “desglobalização” da economia mundial

O espetacular crescimento chinês a partir da década de 1980, turbinado pela concentração no país asiático e em seu entorno de grande parte dos componentes da produção industrial do Ocidente – fenômeno preponderante do que ficou conhecido como globalização das cadeias produtivas – despertou progressiva[1]mente reações das categorias profissionais mais afetadas na América do Norte e na Europa.

Especialmente a partir do início deste século, como situa o economista Renato Baumann, coordenador de Intercâmbio e Cooperação Internacional do Ipea, essas reações serviram de estopim de tensões geopolíticas e de movimentos focados tanto na reindustrialização doméstica quanto na busca de uma configuração das cadeias menos dependentes da Ásia.

Esse processo lento tem sido percebido por parte dos analistas como um retorno às fronteiras econômicas passadas, daí nomeado como “desglobalização”. Outros, como Renato da Fonseca, superintendente de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), preferem chamá-la de “diversificação”, marcada pela realocação de parte da produção de componentes para países mais próximos ao destino final (nearshore) ou mais afinados historicamente (friendlyshore).

Fonseca avalia que a globalização pode até sair ampliada desse processo, embora ainda não se saiba como se refletirá na economia brasileira. Está claro, apenas, o lugar que o País já conquistou no comércio de commodities agrícolas e minerais. A atração de investimentos industriais mais espalhados dependeria do enfrentamento de problemas antigos que resultam no chamado “custo Brasil”, como tributação e logística.

Os dados macroeconômicos, por enquanto, não revelam o quanto a realocação global pode beneficiar industrialmente o Brasil. A série histórica das Contas Nacionais do IBGE mostra que, de 2000 para 2021, a participação da agropecuária no valor adicionado passou de 5,5% para 8,1%, enquanto a da indústria caiu de 26,7% para 22,2%.

A fatia da indústria de transformação caiu no mesmo período de 15,3% para 11,3%. De 2020 para 2021, a participação da indústria como um todo no PIB passou de 20,5% para 22,2%, mas esse aumento se deu totalmente no seg[1]mento extrativo mineral. A fatia da indústria de transformação oscilou apenas 0,1 ponto percentual, de 11,2% para 11,3%.

O certo é que a pandemia da Covid 19, em um primeiro momento, e o ataque da Rússia à Ucrânia, consubstanciando em guerra e violência as tensões geopolíticas, aceleraram recentemente, de forma dramática, o rearranjo produtivo que se desenhava. O economista João Carlos Ferraz, professor da UFRJ e ex-diretor do BNDES e especialista em Planejamento, acrescenta ao caldo em fermentação o processo de mudanças climáticas e sua in[1]fluência na produção energética, obrigando a uma transição que agora tende a ser acelerada pelo conflito no Leste Europeu.

Ferraz avalia que o rearranjo econômico, qualquer que seja o nome a lhe ser dado, será suficientemente amplo para dar maior conforto aos países desenvolvidos do Ocidente, mas não radical a ponto de inverter os trilhões de dólares já investidos na China e na Ásia como um todo. A princípio, ele enxerga uma realocação de indústrias mais estratégicas dentro dos próprios países mais ricos do Ocidente. É o caso da distribuição bilionária de recursos não reembolsáveis entre os países europeus.

Somente a Espanha terá € 70 bilhões, sendo a maior parte para energias renováveis e tecnologias digitais, € 12 bilhões destinados a uma fábrica de microprocessadores. Outra vertente é o pacote de investimentos em infraestrutura e reindustrialização do presidente Joe Biden (EUA) que, mesmo podado em cerca de US$ 1 trilhão pelo Congresso norte-americano, ainda terá US$ 1,2 bilhão, sendo US$ 550 bilhões em obras federais.

Em 2016, ao publicar o livro “Desglobalização – Crônica de Um Mundo em Mudança”, o economista e diplomata Marcos Troyjo, hoje presidente do NDB, o banco de desenvolvi[1]mento dos Brics, situou a gênese dos movi[1]mentos antiglobalização nas crises de 2008 do setor imobiliário dos Estados Unidos, e de 2011, das dívidas soberanas de países europeus como Grécia, Espanha, Itália e Portugal.

O plebiscito do Brexit, definindo a saída do Reino Unido da União Europeia, de 2016, teria sido o clímax da troca do que ele chamou de “globalização profunda” por políticas nacionais mais individualizadas, com consequências ainda a serem planilhadas.

Baumann, do Ipea, ressalta outro fenômeno resultante dos movimentos de resistência à globalização: a eleição em grande parte dos países de políticos conservadores em relação às instituições internacionais e à abertura ao comércio exterior. Ele não cita nomes, mas o caso mais emblemático foi a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos no mesmo 2016.

A freada brusca nos fluxos comerciais provo[1]cada pela pandemia e os lockdowns que ela desencadeou mundo afora trouxeram um choque de oferta a partir de 2020, que se aprofundou em 2021 com a retomada rápida em algumas regiões e com a guerra na Europa em 2022, e com ele um surto inflacionário sem precedente neste século, outro ingrediente na fervura da desglobalização. Linhas de produção foram paralisadas por falta de microprocessadores, elevando dramaticamente os preços.

lO economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-RJ e especialista em inflação, considera difícil tirar conclusões agora sobre os movimentos em curso, mas vê uma influência maior na produção de bens do que na de ser[1]viços e avalia que a inflação perto dos 12% que se instalou no Brasil é grave, mas tem menos impacto do que os 8% ou mais alcançados em economias acostumadas com preços mais estáveis, como a do Reino Unido e da Alemanha.

Cunha ressalta ainda a diferença entre o momento atual e a grande crise inflacionária dos anos 1970, provocada por dois choques dos preços do petróleo (1973 e 1979), tanto em amplitude inflacionária quanto nas taxas de juros adotadas como antídoto.

O VIÉS CHINÊS

Na sua avaliação de como se transitou da máxima “toda abertura será bem-vinda” para a fase atual de rearranjos produtivos, Ferraz, da UFRJ, destaca que o embrião foi plantado no momento em que a China foi escolhida como o destino ideal para a concentração dos investimentos ocidentais na fabricação de insumos.

“Havia uma coincidência de interesses entre as duas partes: os países ricos queriam produ[1]zir mais, mais barato e com qualidade, e os chineses ofereciam essa possibilidade, mas sob as regras deles próprios”, explicou.

Em uma primeira etapa, foi o casamento perfeito. Ferraz lembra que a Apple, símbolo norte-americano da nova economia digital, chegou a se orgulhar de só fazer nos Estados Unidos o marketing, a pesquisa e o design dos seus produtos.

O problema é que as regras chinesas pressupunham aproveitar os trilhões de dólares recebidos em investimentos não só para exibir por três décadas taxas de crescimento econômico na casa dos dois dígitos, mas também para fazer a própria transição industrial e tecnológica. A consequência é que a China com suas empresas tecnológicas, como a Xiaomi e a Huawai, tornou-se uma concorrente, provocando movimentos defensivos do outro lado.

Foi o caso, por exemplo, da Alemanha, a partir de 2011, com a indústria 4.0, na origem, um movimento para fortalecer o processo de digitalização das empresas médias locais dos setores mecânico e químico, em que o país tem forte tradição, como alternativa para enfrentar a concorrência internacional. A política incluía evitar a venda dessas empresas para investidores chineses.

“Característica marcante, para além desse debate muito ideologizado na academia sobre política industrial, nos estados nacionais com interesse de longo prazo na sua posição no cenário econômico é a de serem superpragmáticos”, analisa Ferraz.

O momento histórico de grande desenvolvi[1]mento tecnológico, com inovações disruptivas surgindo a todo momento, ajuda a compor o cenário dessa disputa que, destaca o professor da UFRJ, a pandemia e a guerra vieram potencializar. A guerra, para ele, coloca na cena maior dramaticidade quanto ao rumo que a disputa vai tomar.

“A indústria de seguros mostra que para tudo é possível fazer cálculos probabilísticos. O problema da guerra é que ela não é um evento probabilístico. Não se sabe até onde ela vai”, adverte.

Quanto à posição brasileira no que há de probabilístico nesse quadro, Ferraz avalia que, a princípio, ela está concentrada no agro, setor em que o País alcançou grau de excelência tecnológica, e na área energética, com as facilidades de exploração do potencial renovável, além do nicho da indústria aeronáutica com a Embraer.

Ele lembra que o Brasil possui um parque industrial relativamente sofisticado, com potencial forte na área de saúde e com um amplo espectro de empresas multinacionais instaladas no País. Como usar esse potencial para aproveitar o reposicionamento global e retomar uma política de desenvolvimento industrial que se perdeu no passado recente? “Vamos precisar ter estratégia”, resume.

INFLAÇÃO TEM SEQUELAS

O professor Cunha, da PUC-RJ, esclarece que o fato de a inflação rondando a casa dos 12% no Brasil ter menos impacto do que as taxas de 8% nos países de economias mais estáveis não significa que ela não tenha impacto. ‘É óbvio que a inflação tem um impacto forte na economia brasileira”, ressalta, e cita como exemplo o fato de a recuperação do emprego não estar sendo acompanhada pela recuperação da renda. “A renda está caindo porque o aumento dos preços é maior do que o dos salários”, aponta.

Cunha disse que a complexidade do momento atual tem dificultado projetar o futuro porque os modelos de análise ficaram desatualizados, tornando difícil comparar o presente com o passado para fazer projeções. Mas ele entende que o Brasil tem alguma possibilidade de aproveitar o momento de transição da globalização econômica para ter algum ganho produtivo.

Ele cita palestra feita em abril deste ano pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na qual ele avalia que o País poderá obter ganhos com a busca por redundâncias na produção e suprimento de insumos, destacando as áreas de alimentos e de energia.

Mas lamenta que o Brasil não venha conseguindo avançar em áreas estratégicas mesmo quando relacionadas com essa vocação para o setor de alimentos, como os fertilizantes. Cunha lembra que desde o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do regime militar, nos anos 1970, que se fala em superar a dependência externa de fertilizantes. “E dizer agora que o conflito no Leste Europeu nos deixou vulneráveis!”, pondera.

Em relação ao setor de seguros, Cunha avalia que ele poderá desempenhar papel estratégico no tabuleiro das próximas ações globais. E cita como exemplo o fato de estar sendo cogitado cobrar prêmios mais elevados na pra[1]ça de Londres, o centro mundial da indústria de seguros, sobre os fretes marítimos entre a Rússia e a Ásia. “É uma tentativa de reforçar as sanções contra a economia russa e atrapalhar a estratégia de vender para China e Índia os produtos boicotados no Ocidente”, diz ele.

NOVO RENASCIMENTO

O economista-chefe da Funcex, Mário Cordeiro de Carvalho, compara o momento atual no mundo, na perspectiva do fim ainda não alcançado da pandemia da Covid 19, com o do Renascimento na Europa após a epidemia da Peste Negra, ou Peste Bubônica, que matou milhões de pessoas em meados do século 14.

Após a superação da Peste, a Europa entrou em um período de florescimento cultural, artístico e econômico, batizado de Renas[1]cimento, que durou até o século 16 e cujos resultados mais visíveis na área econômica foram as aberturas de novas rotas comerciais e o contato com terras até então desconhecidas dos europeus, o que lhes abriu novas possibilidades comerciais.

Na cronologia histórica, o Renascimento marca o fim da Idade Média e início da Era Moderna, caracterizada pelo Mercantilismo, espécie de globalização à europeia. Agora, Carvalho aponta que, para além dos enfrentamentos geopolíticos que já se desenrolavam, a pandemia, associada às demandas geradas pelas mudanças climáticas, quebrou as rotas estabelecidas para o abasteci[1]mento “just in time” dos insumos industriais, alertando para a necessidade de novos desenhos das cadeias de suprimentos.

“Torna-se um ambiente mais complexo do ponto de vista empresarial porque eu tenho que olhar na minha fábrica o que eu tenho que fazer em termos de inovação e de produtos e processos para atender à demanda interna ou à demanda externa, considerando a jornada do consumidor e do investidor em termos de sustentabilidade”, avalia.

Segundo o economista, é um movimento novo que os exportadores e importadores brasileiros enfrentarão em um contexto no qual o número de empresas exportadoras cresceu de 22 mil para 30 mil. “A questão, é saber como o País vai enfrentar os problemas relacionados com ‘custo Brasil’ para ganhar competitividade, não só em commodities, e poder desfrutar das oportunidades oferecidas por esse novo contexto internacional”, avalia o economista da Funcex.

AJUSTAR PARA DESFRUTAR

A partir do entendimento de que o movi[1]mento em curso é uma diversificação e não uma desglobalização, Fonseca, da CNI, enumera o que o Brasil precisa fazer para se inserir nas cadeias globais de suprimento de componentes industriais, algo que, para ele, o País não conseguiu até agora, exceto em produtos minerais e agropecuários. “Para que isso venha a se efetivar, o Brasil vai ter que fazer o dever de casa que não tinha feito quando as cadeias começaram a se formar”, resumiu. O dever inclui atacar, entre outros, os custos de burocracia, os custos de logística e os custos de tributação para que o País pare de exportar tributos. “Precisamos trabalhar na agenda de redução do ‘custo Brasil’, principalmente fazendo a reforma da tributação e, especificamente, da tributação sobre o consumo”, resume. Fonseca disse que, embora ainda não se disponha de dados para confirmação, é fato que as novas políticas dos Estados Unidos e da Europa estão fazendo as empresas procurar alternativas de suprimento.

“São decisões estratégicas, você não faz uma mudança de fornecedor da noite para o dia. Mas, claramente, pelas conversas que temos com as empresas, com diplomatas de outros países e com a própria diplomacia brasileira, verificamos esse movimento, a busca por novos fornecedores”. O fato de haver várias empresas desses dois mercados já instaladas aqui no País, inclusive com um intercâmbio expressivo de manufatura[1]dos, pode vir a ser um facilitador.

Baumann, do Ipea, faz as mesmas ressalvas, comuns a todos os demais analistas, quanto às limitações da inserção brasileira nas cadeias globais, marcada pelo viés exportador de commodities, mas lembra alguns segmentos nos quais o País obteve alguma representatividade.

“No Brasil, há exemplos pontuais de participa[1]ção encadeada com outros países em segmentos das indústrias aeronáutica, petrolífera, automobilística, moveleira e de vestuário”, disse.

Mas, por enquanto, segundo Fernando Ribeiro, coordenador-geral de Estudos em Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Ipea, os dados disponíveis em relação ao passado atestam a baixa inserção brasileira no comércio internacional, exceto na área de commodities.

“Em 2018, apenas 15% do valor agregado da demanda doméstica do País era proveniente de bens e serviços importados. E não há mudança recente importante nesse padrão”, conclui.


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