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Como Luís Buñuel conseguiu capturar a realidade com seus filmes

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Débora Ramos
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Cena do filme ‘Um cão Andaluz’ Cena do filme ‘Um cão Andaluz’ Crédito: divulgação

Luís Buñuel era uma dessas pessoas sem lugar. Não era espanhol, apesar de ter nascido ali em fevereiro de 1900. Também não era mexicano, mesmo tendo escolhido o país para se exilar durante a Guerra Civil Espanhola e ter feito nele sua primeira grande obra-prima. Da mesma forma, não era francês, ainda que tenha sido em Paris que ele viveu grande parte da vida e rodou seus filmes mais conhecidos, como La Belle du Jour, de 1967.

Na verdade, o cineasta sequer parecia ser parte da realidade -- um paradoxo interessante, já que ele ajudou a levar o movimento surrealista para o cinema e se dedicou a capturar os fragmentos mais insensatos da vida humana em seus filmes.

Nascido em Calanda, um pequeno município da região de Aragón, na Espanha, Buñuel foi o primeiro filho de um empresário que se beneficiou da venda de armas em massa para os soldados na Guerra Franco-Americana em Cuba, no final do século XIX. Cresceu rodeado de franceses e foi educado pelos jesuítas, como contou em sua autobiografia, Meu último suspiro (Nova Fronteira), publicada em 1982.

Segundo suas memórias, Buñuel foi ao cinema pela primeira vez aos oito anos, quando começou a se interessar pelas comédias de André Deed e se apaixonou por Viagem a Lua, de Georges Melies, de 1902 (para quem não se lembra, é o filme da lua de papelão que olha o mundo por uma luneta). Foi um dos grandes refúgios de sua adolescência -- outro seria o teatro, que sua família frequentava, e um terceiro eram os livros. Por causa da biblioteca do pai, leu obras dos filósofos franceses Denis Diderot, de Voltaire e do naturalista britânico Charles Darwin. Ainda gostava de tocar violino.

Quando viajou a Madri para começar a universidade, a primeira opção era obedecer o pai e estudar Engenharia Agrônoma, com a qual poderia ajudá-lo na fazenda. Buñuel, porém, logo conheceu um cineclube na república dos estudantes que o apresentou a nomes que mudariam para sempre sua vida: o poeta Federico García Lorca e o pintor Salvador Dalí. Com eles, se apaixonou ainda mais pelo teatro, pela história, pelo dadaísmo e pela poesia -- que lhe abriu as portas para a literatura e, posteriormente, para o cinema.

Em 1924, já com o curso universitário trancado, ele mudou para Paris, na França, onde poderia assistir três filmes por dia. A capital francesa logo lhe permitiria dirigir a primeira peça de teatro: El retablo de maese Pedro, de Manuel de Falla -- três anos depois seria o diretor de Hamlet, também em Paris.

Naquele ano, porém, a vida de Buñuel mudou quando ele viu, durante uma projeção, o filme As Três Luzes, de Fritz Lang: encantado, pediu para escrever sobre cinema para a revista Cahiers d'Art e para a publicação espanhola La Gaceta Literaria e para atuar nos filmes dos diretores franceses Jacques Feyder e Henri Étiévant. Não demoraria para que, apesar da falta de dinheiro, começasse a rodar um filme ao lado do amigo Dalí: um curta-metragem que, usando as obras de Wagner e Beethoven e os tangos argentinos, estreava o surrealismo cinematográfico. Assim foi com Um Cão Andaluz, de 1929 -- cuja cena mais famosa é a do olho da atriz Simone Mareuil sendo cortado por uma navalha.

Com o filme, Buñuel foi aceito no círculo de artistas europeus surrealistas e se tornou próximo de André Breton, Max Ernst e René Magritte. No final daquele mesmo ano, lançaria outro filme ao lado de Dalí, A Idade de Ouro, em que seus colegas de movimento criticavam a Igreja, as leis e a monarquia por meio de pequenas histórias. Durante uma exibição do filme em Paris, em 1930, um grupo de extremistas de direita atacou o cinema -- com o episódio, a obra ficou proibida na França até os anos 1980.

Naquela época, porém, Buñuel já era famoso a nível mundial: atacado na França, ele foi convidado pela Metro Goldwyn Mayer, nos EUA, para produzir filmes em Hollywood. Voltou cedo para a Europa, onde dirigiu outros filmes e, ao mesmo tempo, trabalhou no Ministério de Assuntos Exteriores espanhol supervisionando exposições sobre o país no continente e escrevendo um documentário. Passou um breve período no México, onde o filme Gran Casino, com Libertad Lamarque e Jorge Negrete, que prometia ser seu grande trabalho no cinema, terminou como um completo fracasso.

Novamente de regresso à Espanha, Buñuel passou dois anos em Madri dependendo do dinheiro enviado pela mãe para sobreviver. A situação econômica só melhoraria quando ele foi contratado para dirigir a comédia El Gran Calavera, protagonizada pelo ator mexicano Fernando Soler (o roteiro foi utilizado por Nosotros los nobles, de 2013). O filme foi um êxito e fez com que ele conhecesse o produtor russo Óscar Dancigers, que lhe daria de presente sua verdadeira obra-prima de início de carreira: Los Olvidados, de 1950, um drama social que segue as desventuras de um adolescente pobre depois de assassinar outro jovem na periferia da Cidade do México.

O filme foi rapidamente criticado por se "atrever" a mostrar a realidade do país norte-americano, acostumado até então a só ver retratado na tela suas maravilhas. Los Olvidados lhe deu o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 1951 e 11 troféus Ariel, incluindo o de Melhor Filme.

Com Los Olvidados, Buñuel decidiu se estabelecer no México, onde rodou dez filmes entre 1951 e 1955. No final daqueles anos, entrou em contato com co-produções francesas que lhe deixavam confuso entre a Cidade do México e Paris -- acabou escolhendo a segunda, e só voltaria à América Latina em 1959 para dirigir Nazarin, baseado no romance homônimo do romancista espanhol Benito Pérez Galdós.

No México, porém, a estadia rendeu a Buñuel alguns dos seus filhos mais famosos: Viridiana, de 1961, com Silvia Pinal; O Anjo Exterminador, clássico de 1962 que relata um jantar de um grupo de nobres que descobrem, após o evento, que não conseguem ir embora; e Simão do Deserto, de 1965 -- comédia experimental em que Simão, um crente penitente, é provocado pelo diabo a cair em tentação.

Dois anos depois, voltou a Paris para filmar com Catherine Deneuve seu filme mais conhecido: La Belle du Jour, em que a atriz francesa interpreta uma mulher casada que decide entrar no mundo da prostituição. Recentemente, ela teve uma demonstração da fama da película e de sua atuação quando um leilão online colocou à venda (e colocou a França abaixo) peças de roupas desenhadas pelo estilista Yves Saint Laurent que foram usadas nas gravações. A ele se seguiram A Via Láctea (1969), Tristana (1970) e O Discreto Charme da Burguesia (1972), considerada sua última grande obra.

Durante os últimos anos de vida, Buñuel se dividiu entre o trabalho na França -- que já o aclamara como grande nome do novo cinema nacional -- e a vida na Espanha, onde produziu dois filmes com o francês Michel Piccoli: O Fantasma da Liberdade (1974) e Esse Obscuro Objeto de Desejo (1977). Voltou ao México para morrer, em 1983, por uma insuficiência cardíaca decorrente de um câncer. Suas últimas palavras foram tão estranhas quanto suas obras cinematográficas, mas tão honestas como o mundo que tentou retratar em seus filmes surrealistas: "Agora sim eu morro", disse à sua esposa.


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