SEGS Portal Nacional

Economia

A Reforma Tributária e a extinção do Juro sobre o Capital Próprio

  • Segunda, 05 Julho 2021 10:14
  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Bruna Raicoski
  • SEGS.com.br - Categoria: Economia
  • Imprimir

*Fabio Cunha Dower

O Projeto de Lei (PL) nº 2.337/2021 propõe extinguir o chamado “Juro sobre o Capital Próprio” (JCP) - artigo 9º da Lei 9.249/95. Entretanto, para se entender os reflexos dessa proposta é preciso compreender a natureza e a razão de ser do JCP – intimamente ligadas aos efeitos da correção monetária (CM).

Imagine-se que uma cantina italiana possuía a seguinte regra: seus dois únicos pratos – A e B – devem ser servidos com molho, pois a clientela o considera essencial para o valor gastronômico dos pratos. Em 1995, suas sócias decidem revogar a regra da obrigatoriedade do molho, decidindo que seria servido apenas com o prato A e não mais com o B. Porém, sabendo do desestímulo à venda do prato B, as sócias bolaram uma regra inteligente para não terem de admitir que voltaram atrás na decisão de revogar a nova regra: se o cliente desejar, ao pedir o prato B, o molho será servido à parte, cabendo-lhe colocá-lo no prato. Com isso mantém-se a nova regra de que o prato B é servido sem molho e, ao mesmo tempo, agrada-se a clientela. Isto é o JCP.

Vamos transpor o exemplo para o campo da técnica. Desde 1978, as demonstrações contábeis das empresas (as massas da cantina) eram ajustadas pela CM (o molho das massas), incluindo, a partir da correção integral, a atualização de passivos de empréstimos e seus juros (capital de terceiros) – o prato A - e a atualização dos itens do PL (capital dos “próprios”) – o prato B, fundamental para evitar a tributação pelo IRPJ do “Lucro Nominal (1)” (composto por um lucro fictício, fruto da CM).

Em 1995, a correção monetária dos balanços foi extinta. Entretanto, como os juros de empréstimos mantém um componente de CM intrínseco à precificação do custo do recurso tomado (vide a taxa Selic) e são dedutíveis do IRPJ, tomar recursos bancários (o prato A) é fiscalmente vantajoso. Mas, sem a CM do balanço, o mesmo deixaria de acontecer com o capital próprio (PL). A solução (inteligente) dada à época foi permitir, como opção da empresa, calcular um “juro” sobre esse capital (ou seja, servir o prato B com o molho à parte, se desejado pelo cliente), chamado de JCP, dedutível do IRPJ/CSLL, equiparando-o para fins fiscais (embora com imitações) com o juro bancário, de forma a não desestimular o uso de recursos dos sócios na estrutura de capital das empresas (ou seja, não desestimulando a venda do prato B, item importante para o desempenho da cantina).

Segundo a Exposição de Motivos do PL (item 2.3), o governo propõe a extinção do JCP, sob o argumento simplista de que se verificou que “o endividamento continua a ser a forma mais atrativa de financiamento da expansão empresarial, contrariando a ideia de que a medida aumentaria a atratividade de investimento em capital”. Ou seja, por constatar o governo atual que a cantina ainda vende mais o prato A do que o prato B, conclui, num silogismo equivocado, que o prato B (o volume de capital próprio que financia empresas no Brasil) é irrelevante para o sucesso da cantina!

Ora, primeiramente, isso é uma falácia, pois muitas empresas fazem uso do JCP (a exemplo do que mostra o estudo do Prof. Ariovaldo dos Santos (2)). Em segundo, isso força a clientela a (a) optar pelo prato A (optar por empréstimo bancário, cujo juro é dedutível do IRPJ/CSLL), desprezando B, frustrando o aumento de arrecadação desejado pelo governo com o fim do JCP ou (b) a procurar outra cantina, em que o prato B venha com molho (por exemplo, investir no exterior, diminuindo o investimento interno). Não sendo possível mudar de cantina, o cliente comerá o prato B sem molho, mas terrivelmente insatisfeito (ou seja, pagará mais IRPJ/CSLL, sem nenhum fundamento econômico justificável). A proposta de extinção do JCP como medida de aumento da arrecadação, portanto, deve ser cuidadosamente analisada pelo Congresso Nacional.

Fabio Cunha Dower – Advogado. Mestrando na FEA/USP e Especialista em Direito Tributário pelo CEU/SP. Consultor Tributário da Miguel Silva & Yamashita Advogados. Utilizou como fontes: Martins, Eliseu. Um pouco da história dos Juros sobre o capital próprio. Temática contábil e balanços IOB, Bol. 49/2004; Santos, Ariovaldo. Quem está pagando juros sobre o capital próprio no Brasil?, https://doi.org/10.1590/S1519-70772007000300004.


Compartilhe:: Participe do GRUPO SEGS - PORTAL NACIONAL no FACEBOOK...:
 

<::::::::::::::::::::>

 

+ECONOMIA ::

Dez 19, 2025 Economia

O que as bandeiras tarifárias de 2025 ensinam sobre o…

Dez 18, 2025 Economia

Como usar o 13º salário de maneira inteligente?

Dez 17, 2025 Economia

Stablecoins ganham força nas compras internacionais…

Dez 16, 2025 Economia

5 previsões que podem movimentar o mercado cripto em…

Dez 15, 2025 Economia

4 medidas que empresas precisam adotar já para evitar…

Dez 12, 2025 Economia

5 dicas para investir bem com a Selic mantida em 15%

Dez 11, 2025 Economia

Monitoramento independente avança em meio ao salto de…

Dez 10, 2025 Economia

Natal e gestão inteligente: como manter presença, lucro…

Dez 09, 2025 Economia

Isenção do IR acompanhada de tributação de alta renda…

Dez 08, 2025 Economia

As redes sociais estão levando o público ao consumo…

Dez 05, 2025 Economia

O que Nova York pode ensinar sobre o futuro do mercado…

Dez 04, 2025 Economia

Novo sistema tributário expõe fragilidade de sucessões…

Dez 03, 2025 Economia

Pix anuncia recorde histórico de transações na Black…

Dez 02, 2025 Economia

13º salário evidencia a importância de tomar decisões…

Dez 01, 2025 Economia

Varejo acelera neste fim de ano e shoppings projetam…

Nov 28, 2025 Economia

Reforma Tributária: diferenças regionais na…

Mais ECONOMIA>>

Copyright ©2025 SEGS Portal Nacional de Seguros, Saúde, Info, Ti, Educação


main version