O problema não é o home office, mas o modelo de gestão das empresas
*Por David Braga
O trabalho 100% remoto deixou de ser regra, mas está longe de desaparecer. Hoje, ele se consolida como exceção estratégica em setores cuja atividade é predominantemente digital, analítica ou intensiva em conhecimento. Áreas como tecnologia da informação, desenvolvimento de software, design digital, marketing, comunicação, finanças corporativas, consultorias e centros de serviços compartilhados seguem com forte aderência ao modelo, já que suas entregas independem de infraestrutura física específica. Educação online, atendimento remoto, empresas globais com times distribuídos e startups em rápida expansão também mantêm o home office como parte central de sua estratégia de competitividade.
A permanência do trabalho remoto nesses segmentos está diretamente ligada à natureza das entregas e ao uso intensivo de ferramentas digitais. Nesses contextos, produtividade é medida por resultados, metas e projetos concluídos e não pela presença física. Além de ampliar o acesso a talentos em diferentes regiões, fato é que o modelo reduz custos operacionais e acelera a digitalização de processos. Em organizações globais, ainda facilita a colaboração entre fusos horários e culturas distintas, tornando as rotinas mais integradas.
Há também um fator decisivo de atração e engajamento. Setores como tecnologia, produtos digitais, dados, marketing e consultoria já perceberam que exigir retorno integral ao presencial eleva pedidos de demissão e dificulta a disputa por talentos. O home office se sustenta justamente onde deixa de ser apenas viável e se torna vantagem competitiva. Já áreas como indústria, logística, varejo e saúde, por dependerem de operações físicas, enfrentam limitações naturais — o que não significa que todos os departamentos devam seguir a mesma regra.
A volta ao presencial, no entanto, expõe um conflito antigo: a dificuldade de muitas empresas em abandonar uma lógica de poder e controle para adotar uma cultura orientada à performance e à confiança. Durante décadas, trabalhar até tarde foi sinônimo de comprometimento. Hoje, medir valor apenas por horas presenciais é anacrônico. Pessoas produzem de formas diferentes, em horários distintos e em ambientes variados. A diversidade tão defendida nos discursos corporativos também se aplica à forma de trabalhar.
Quando ocorrem demissões em massa promovidas por grandes empresas, como temos presenciado nos noticiários, muitas vezes o problema não está no modelo, mas no descompasso entre gestão e realidade do trabalho contemporâneo. Liderar times distribuídos exige metas claras, indicadores bem definidos, comunicação consistente e feedback estruturado. Muitos líderes, formados em modelos presenciais, ainda dependem da “gestão pelo olho”. Nesse cenário, o home office acaba virando bode expiatório.
Como CEO e headhunter o que mais escuto hoje dos executivos não é se a empresa oferece home office, mas quantos dias de flexibilidade ela proporciona. Profissionais de alta performance buscam integração entre vida pessoal e profissional. Eles querem almoçar com os filhos, praticar atividade física, viver melhor, sem abrir mão de entregar resultados. O home office não é vilão nem solução mágica, mas um termômetro da maturidade da liderança e dos processos.
Há, sim, espaço para quem prefere trabalhar remotamente, mas não de forma uniforme. O debate deixou de ser sobre “reter talentos” e passou a ser sobre engajar pessoas. Empresas mais estratégicas não tratam o home office como herança da pandemia, mas como parte de um portfólio de modelos possíveis. Consolidam formatos híbridos inteligentes, avaliando função por função, equipe por equipe, com metas claras e liderança preparada.
O movimento que ganha força não é o do “tudo remoto” ou “tudo presencial”, mas o da personalização responsável: flexibilidade com clareza, produtividade com confiança e resultados sustentáveis em um mundo do trabalho que já mudou definitivamente.
David Braga - CEO, board advisor e headhunter da Prime Talent Executive Search, empresa de busca e seleção de executivos, presente em 30 países e 50 escritórios pela Agilium Group. É conselheiro de Administração e professor pela Fundação Dom Cabral, Presidente da ABRH-MG, VP do Conselho de RH da ACMinas e Presidente do Conselho de Administração da ONG ChildFund Brasil.
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