Selos de sustentabilidade passam a definir acesso a crédito e competitividade
Mudanças regulatórias, pressão do mercado e novos padrões internacionais aceleram o setor de construção civil rumo a obras mais transparentes e de baixo impacto
Empresas do setor de construção civil estão descobrindo que sustentabilidade não é mais um selo de marketing. Atualmente, virou critério financeiro, regulatório e estratégico. A adoção de práticas ESG, ambientais, sociais e de governança, já influencia diretamente a liberação de crédito, o valuation das companhias e até a sobrevivência futura do setor.
Construtoras brasileiras já captaram mais de R$ 500 milhões em títulos verdes, 2024 marcou a emissão do primeiro CRI Verde do mercado e o Brasil foi o primeiro país a adotar oficialmente os padrões internacionais IFRS S1 e S2 para reporte climático e socioambiental. Em um cenário de mudanças climáticas e pressão por eficiência, ESG deixou de ser tendência e virou imperativo.
Mas o que essa mudança significa no canteiro, na gestão, na cadeia de fornecedores e na relação com as cidades? E quais tendências devem guiar o setor nos próximos anos?
Valor de mercado, e não discurso
No ambiente financeiro, o ESG deixou de ser conceito de reputação e passou a compor métricas objetivas de risco. Investidores analisam a maturidade socioambiental das empresas com base em dados, como eficiência, governança, transparência e capacidade de adaptação às mudanças climáticas.
Segundo João Vitor Souza, coordenador de Estratégia ESG da WayCarbon, essa virada tornou o tema inseparável da lógica de negócios. “Hoje, uma empresa que não sistematiza suas práticas socioambientais sequer consegue dialogar com investidores. O mercado não quer ideologia, quer números. Quer saber quanto os riscos climáticos impactam o fluxo de caixa e como a governança garante que tudo é transparente e verificável”, afirma.
Relatórios como o CDP e as novas diretrizes IFRS S1 e S2 reforçam essa exigência, ao obrigar empresas a quantificarem riscos e oportunidades ambientais em suas demonstrações financeiras. “É um caminho sem volta”, diz Souza.
A percepção de custo também mudou. Se antes sustentabilidade era vista como gasto extra, hoje ela aparece como estratégia de eficiência operacional, como destaca Diego Pascoal, coordenador de Meio Ambiente da Emccamp. “O ESG deixou de ser apêndice. Quando reduzimos resíduos, otimizamos materiais, digitalizamos processos ou adotamos energia renovável, estamos reduzindo custos e aumentando previsibilidade. Isso afeta diretamente o resultado financeiro do empreendimento.”
Segundo ele, consolidar indicadores ambientais, licenças, processos e gestão de resíduos tem sido essencial para comprovar eficiência e reduzir risco aos financiadores. “No ESG, não basta falar. É preciso mostrar”, afirma Diego.
Da obra à cidade, tecnologia vira aliada
A construção civil, historicamente associada a emissões e grande volume de resíduos, tem se reinventado por meio de tecnologias limpas, digitalização e economia circular. De acordo com Mateus Claudino, engenheiro ambiental, analista da FIEMG e professor da PUC/MG e UFMG, ferramentas como BIM e IoT transformaram a forma de projetar e monitorar empreendimentos.
“O BIM identifica problemas antes da obra, reduz desperdícios e melhora o conforto térmico. IoT e sensores tornam mensurável aquilo que antes era percepção. Hoje, sustentabilidade precisa ser comprovada com dados”, explica Mateus. A cadeia de fornecedores também entra no radar. João Victor reforça que o grande desafio é trazer milhares de fornecedores para a mesma lógica. “Como envolver toda a cadeia na estratégia ESG da empresa âncora? Esse é o ponto central”, completa.
Entre as soluções que já despontam está o uso de sistemas baseados na natureza, como jardins filtrantes, drenagem verde, áreas permeáveis e tecnologias de reuso. “As cidades estão sentindo os impactos das mudanças climáticas, ondas de calor, estiagens, enchentes. A construção civil precisa responder a isso”, comenta Mateus. “Já existem empresas usando wetlands para tratar esgoto com plantas. É mais barato, mais sustentável e ainda deixa o empreendimento mais bonito”, acrescenta.
Para Diego, o caminho é irreversível. “Os projetos precisam nascer com menos pegada de carbono. A tendência é clara, industrialização, eficiência energética, materiais sustentáveis e prédios mais verdes.”
S do ESG
O pilar social é considerado, pelos especialistas, o mais delicado e o mais ligado à imagem pública da empresa. O setor convive com riscos significativos ligados à terceirização, segurança do trabalho e impacto comunitário, como lembra Mateus. Condições de trabalho, segurança, diversidade e impacto comunitário formam o centro desse debate.
“O maior risco socioambiental de uma obra está nas pessoas: colaboradores, terceirizados, prestadores. Garantir condições dignas de trabalho, EPIs adequados, alojamento seguro e treinamento constante é premissa e isso inclui terceiros. Se o fornecedor não cumpre, quem sofre é a empresa âncora”, destaca Mateus Claudino.
João reforça que o setor evoluiu enormemente nos últimos anos. “Há 30 anos, o canteiro era um ambiente quase exclusivamente masculino, com pouca regulamentação. Hoje vemos mulheres em cargos de liderança, políticas de diversidade estruturadas e fiscalização rigorosa das condições de trabalho. A sociedade mudou e o setor precisou acompanhar.”
A relação com a comunidade se tornou tão determinante quanto a relação com o investidor. Segundo Diego, “obra sem licença social não prospera.” João Victor complementa. “Não existe licença ambiental para o social, mas existe a licença social para operar. Se a comunidade não estiver alinhada com o empreendimento, ele não avança.”
Governança deixou de ser a última letra da sigla e passou a ser o eixo que sustenta os outros dois pilares. “O G transforma discurso em realidade”, afirma Diego. João Victor acredita que ao invés de ESG devesse ser GES, pois “Sem governança, não há controle, transparência nem continuidade.”
Para Pascoal, governança só funciona com tecnologia, dashboards, dados integrados e indicadores claros para a liderança. “A alta direção não lê relatórios de 1.500 páginas. Ela precisa de informação organizada, confiável e comparável para tomar decisões.”
O debate completo foi aprofundado no episódio mais recente do Morar em Pauta, podcast da Emccamp, que reuniu Diego Pascoal, Mateus Claudino e João Vitor Souza para discutir como o ESG está redefinindo o futuro da construção civil, do crédito ao canteiro e das obras ao impacto nas cidades.
O episódio já está disponível no Youtube, Spotify e principais plataformas de áudio.
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