A morte da teoria da insistência?
Confira artigo do advogado sócio fundador e diretor da CJosias & Ferrer Advogados Associados, Carlos Josias Menna de Oliveira.
A composição da Justiça é feita por homens e mulheres, magistrados, juízes desembargadores e ministros, – e colabores, dentre os quais os Membros do Ministério Público, Advogados e Serventuários, em geral, ainda por seres humanos, digo isto porque a cada dia mais eles – nós – participamos menos dos desígnios de tudo e com a justiça não seria diferente, pois cada vez mais o avanço tecnológico domina a execução das tarefas e decisões de atos – por enquanto ainda se limitam a ferramentas de auxílio já muito acima do que imaginávamos não faz muito mas, sem querer ser pessimista, parece que o avanço da ciência está chegando tão perto de haver uma substituição que o Professor Lênio Streck, já referido por nós em outros escritos, chegou ilustrar indicando que as sentenças – que já foram quase encargos de estagiários – estão sendo formuladas por IA, os advogados se inconformam por IA e os recursos são julgados por IA.
Quando dos primeiros passos da unificação da jurisprudência e das súmulas vinculantes, muito se discutiu – academicamente – que isto poderia engessar o Judiciário e por consequência a Justiça.
Seria como que vestir camisa de força nos julgadores, castrando-os, e dificultando o pensar diferente de muitos em favor de uma agilidade que desafia o ditado popular que lhe torna inimiga da perfeição e, até, pior, que a equipara à via expressa da injustiça.
Penso que ainda é cedo para termos certeza de que estes movimentos estão fazendo e farão bem à Justiça, mas inegável que há muitas dúvidas e desconfianças em torno destas mudanças que, sabemos, nem sempre representam avanços, o que é natural e compreensível.
O novo sempre assusta um pouco ou muito, mas já foi definido não por um decisor judicial, mas pelo poeta que encerrou dizendo que “o novo sempre vem”.
Entre os receios o mais frequente, constante diria, é o de ferir os princípios da existência do duplo grau de jurisdição. Sabe-se que a sentença é uma decisão monocrática e, por isto, e, pela segurança jurídica, melhor seria que mais de uma “cabeça”, ao ser lançada, reexaminasse o caso, nada mais justo que outras possam reavaliar as questões do litigio, prestando socorro ao apelo do vencido que se inconformar, mesmo que possa ser, mais uma vez, repelida a sua pretensão.
É também a oportunidade que o Judiciário e a Justiça possuem de se redimir se, por acaso, o final de primeira instância seja tido como em desacordo com o justo e ou legal.
Não menos sabido que os julgamentos podem variar conforme os costumes e hábitos em tempo e espaço, ou seja, há, periodicamente, revisão de conceitos e definições sobre matérias e as posturas judiciais que mudam, se alternam, justamente porque os seres humanos sofrem influências do meio e período que não raramente fazem com que haja mudanças de pensar.
Fruto deste comportamento humano não são poucos que se valem do que chamo de Teoria da Insistência, ou seja, mesmo que suas pretensões sejam reiteradamente desprovidas pela Justiça, insistem de forma, algumas vezes, até exaustiva, objetivando contemplar seus pleitos e contando com esta possibilidade de mudar o entendimento, porque nada deve ser pra sempre, e nessa vida vale outro “dito” popular, aquele que refere de que a pedra dura pode ceder diante a água mole conquanto esta lhe atinja de forma intermitente, por muitas vezes.
Daí porque o pensamento dos tribunais é mutante, mas isto só ocorre por provocação, que é como age o Judiciário, sob provocação das partes, da sociedade.
E por esta mutação que o que hoje pode parecer consolidado amanhã, mediante muita insistência da sociedade pode mudar. Não se confunda esta possibilidade com insegurança jurídica e sim com a busca incessante do justo ou daquilo que é mais perto, mais próximo dele.
São dezenas, para não dizer centenas de temas que ao longo dos anos sofreram alterações nas formas de julgamentos e nos resultados de definições.
Não refiro alterações bruscas – realmente muito difíceis e em geral duvidosas – e repentinas – mais agressivas ao ”status quo” – mas gradativas e cuidadosas que vão adaptando um sentimento mais cauteloso e mirando a justeza no trato das lides e problemas levados ao Judiciário para deslinde.
Soluções apuradas e mais justas é o que mantém a vida saudável e a continuidade serena de uma sociedade evoluída e mais humana.
Graças a evolução do sentir e do pensar que diversas situações foram reguladas com o tempo e ainda serão, como o divórcio, inexistente até bem pouco, crimes ´contra honra`, trabalho infantil, escravo, e assim por diante.
Encerrar um tema de forma definitiva sem nenhuma possibilidade de reavaliá-lo, em qualquer circunstância sob o argumento de que o entendimento jurisprudencial é maciço e está consolidado não me parece uma boa forma de justiça.
Pois isto de certa forma freou a aceitação pacífica de súmulas vinculantes, e ou causas vinculadas por determinação da Corte Superior – esta última providência que tinha em mente facilitar o trabalho do Judiciário para juntar todas as causas de um certo tipo e natureza para julgamento único até aqui a única evidência que vejo, sob o risco do cometimento pecaminoso, foi o considerável atraso nas decisões pelas pendências que geraram ao manter suspensos, totalmente paralisados, milhares de demandas, deixando um rastro de aflição às partes que ficam sem solução para suas pendengas.
Bem, estas reflexões, me assaltaram diante de discussão, das tantas que se repete no ramo securitário e dizem com a causa que logo a seguir menciono ilustrando com a definição dada pela Justiça.
O PROCESSO –
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
5ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 – Porto Alegre/RS – CEP 90110-906
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005393-82.2021.8.21.0013/RS
TIPO DE AÇÃO: Seguro
RELATOR: DESEMBARGADOR SYLVIO JOSE COSTA DA SILVA TAVARES
O DEBATE
Agricultor que desenvolveu diversas patologias na coluna face sua atividade laboral resultando sequelas irreversíveis.
Pediu indenização face seguro de vida em grupo pelo quadro clinico incapacitante, correspondente à cobertura de invalidez permanente por acidente. Segurador contesta alegando ausência de cobertura contratual uma vez que a apólice garante apenas a invalidez decorrente de acidente pessoal cujo conceito nas condições do contrato exclui expressamente doenças incluindo as de natureza profissional, como as resultantes de esforços repetitivos.
Em primeiro grau o julgador decidiu pela improcedência do pleito.
Inconformado o autor recorreu ao segundo grau de jurisdição, ao tribunal de Justiça, apelando da sentença.
O julgamento trouxe os conceitos de Acidente Pessoal, mencionou o clausulado e as regras impeditivas do direito, destacou as lesões por esforço repetitivo excluídas da apólice, analisou condições e conceitos das doenças de natureza profissional diferenciando-as das doenças do trabalho, sustentação veemente do autor, destacando que no caso havia expressa vedação do risco no ponto.
E trouxe outros julgados sobre o tema entendendo que havia clareza contratual negou provimento ao apelo mantendo a decisão de primeiro grau.
E definiu o julgado:
“Sendo assim, é notória a existência de cláusula contratual expressa de exclusão de doenças ocupacionais ou de microtraumas sofridos no ambiente laboral no contrato do caso concreto, o que cria óbice ao direito de indenização securitária pela invalidez do segurado na hipótese.
Sendo assim, inexistindo acidente pessoal apto a ensejar a cobertura por Invalidez Permanente por Acidente (IPA), se faz imperiosa a manutenção da improcedência do pedido”
Bem, iniciei falando da Teoria da Insistência, que recomenda ao vencido que sempre que estiver inconformado apele ao Judiciário na esperança de confortar seu revés, com a modificação do decidido
O receio que vejo, pertinente até, é de que as facilidades apresentadas pela tecnologia com repetições de teses e decisões, tal como ilustra o professor Lênio, consiste de que a IA está e possa se sedimentar como protagonista e não como ferramenta de ajuda, modificando o estado da insistência de muito difícil para inútil, e castrando a possibilidade de ‘novas cabeças’ alterarem o rumo da história ou parte dela de que os pensamentos e entendimentos se alteram em períodos.
Pessoalmente creio que este tipo de monstro já nos assombrou várias vezes, mas nunca se instalou efetivamente.
O futuro já começou estamos que estar preparados, sim, mas nunca derrotados de véspera.
O novo sempre vem.
Obs. O processo citado foi defendido pela C JOSIAS E FERRER ADVOGADOS e a advogada responsável foi Camila Perez.
Saudações.
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