A Má- Fé que Inviabiliza o Pagamento da Indenização Securitária (Destaque)
- Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
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Em entrevista, ontem, 01/12/2025, concedida perante a Rádio Justiça,tema que ora aproveito para discorrer, foi-me apresentado para comentartema imbricado e sugerido neste ensaio, relativo a uma sentença proferidapor um juiz titular da 4ª Vara Cível, Regional VII-de Tatuapé,oriunda do Tribunal de Justiça de São Paulo, assinada em 14/11/2025, pelo Dr. Alberto Gibin Villela, a meu juízo irretorquível, que julgou um processo em que o segurado teria contratado seguro efetivado virtualmente, vale dizer, através de plataforma digital em que uma das rés seria integrante da cadeia de fornecimento de serviços securitários.
O segurado teria comunicado o sinistro deque o seu veículo teria sido furtado à seguradora e sua partícipe, mas teve a cobertura negada sem nenhuma justificativa.
Decorridos alguns dias após a comunicação do sinistro o segurado teria recebido uma notificação da seguradora informando que o contrato de seguro havia sido unilateralmente cancelado, sem qualquer aviso prévio ou motivação idônea.
Aforada a ação de cobrança contra ambas, seguradora e intermediária na contratação, requereu ao final a condenação das rés no pagamento da indenização securitária pelo valor integral do bem, correspondente a 100% da tabela FIPE a partir da data do sinistro.
As rés, em defesa, alegaram perda de direito à indenização em razão de declarações inexatas ou omissões do autor-segurado.
Aduziram também ter instaurado sindicância que teria indicado a existência de divergências do horário do sinistro; atraso na lavratura do boletim de ocorrência; ausência de movimentação do veículo por um mês antes do furto e realização de extensa manutenção mecânica pouco antes da contratação do seguro.
O magistrado julgou o feito no estado em que se encontrava, em razão de que as alegações formuladas e os documentos que instruíam os autos permitiriam a prolação da sentença, independentemente da produção de outras provas, tudo em consonância com o disposto no artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
Em suas razões de decidir entendeu o ilustrado julgador, que a relação jurídica estabelecida entre as partes contratantes seria de consumo, aplicando, em consequência, normas do Código de Defesa do Consumidor.
Neste norte, asseverou o sentenciante que uma das rés, enquanto plataforma digital e intermediadora na contratação dos seguros, integraria a cadeia de fornecimento do serviço de seguro e, ainda que não fosse uma seguradora em sentido estrito, atuava de forma concreta no processo de adesão e comercialização do seguro.
Em suas razões preliminares, entendeu ser aplicável ao caso concreto a teoria da aparência e o sistema de responsabilidade solidária do CDC, insertos no artigo 7º, parágrafo único e artigo 25, § 1º, todos os agentes que participam da cadeia de prestação do serviço responsáveis solidários em decorrência dos danos causados.
Assim sendo, ambas as rés deteriam legitimidade para figurar no polo passivo da demanda.
No mérito, a regulação do sinistro e sua liquidação atualmente prevista na Lei 15.040/24, que passará a viger a partir de 11 de dezembro de 2025, composta de 14 artigos, aliás, sem precedente na seção do contrato de seguro que será revogado na data mencionada de nosso atual Código Civil, incluindo a própria sindicância e a análise técnica que teria embasado a negativa de pagamento da indenização securitária, posto que estaria na posse exclusiva das rés.
Neste pensar, segundo o decisum, caberia a seguradora, nos termos do artigo 6 VIII do CDC e do artigo 373, II do CPC, provar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, notadamente a alegação de fraude ou má-fé na contratação ou na comunicação do sinistro, ônus do qual não teria se desincumbido.
Ademais, o autor teria comprovado a contratação do seguro, a vigência da apólice na data do sinistro e a ocorrência do furto do veículo segurado.
A fundamentação da negativa de cobertura da seguradora seria respaldada na suposta quebra da boa-fé, consistente em situações pontuais fáticas no aviso de sinistro e na omissão sobre o real estado do veículo à época da contratação do seguro.
Para combater o desacerto destas assertivas o julgador se valeu, quer do disposto no atual artigo 766 do Código Civil, querde uma das cláusulas da apólice de seguro que trata da comprovação da má-fé ou da deliberada omissão de fatos por parte do segurado, capazes de agravar o risco ou falsear a verdade, com o intuito de obter vantagem indevida deste negócio jurídico.
Ao ensejo desta passagem é convinhável invocar o que trata a Seção da Prova do Contrato e sua Interpretação prevista nos artigos 54 e 55 e 56 a 59, respectivamente, da LCS.
Pois bem. No artigo 59 da nova lei está dito que “as cláusulas referentes à exclusão de riscos e prejuízos ou que impliquem limitação ou perda de direitos e garantias são de interpretação restritiva quanto à sua incidência e abrangência, cabendo à seguradora a prova de seu suporte fático. Ao comentar esse dispositivo introduzido na nova lei, arrematei:
“Interpretar o contrato de seguro é um processo indispensável para garantir que ele cumpra seu objetivo essencial, oferecendo proteção financeira ao segurado dentro dos limites contratados, inserto em um instrumento – apólice de seguro-, designado, na atualidade, como típico contrato relacional”.[1]
Com este breve parêntese ao retornar a parte final do decisum, objeto deste breve ensaio, o magistrado ao arrematar sua sentença disse que a seguradora ao operar no modelo de contratação digital (100% online), assume o risco de confiar predominantemente nas declarações do segurado, cabendo-lhe a vistoria prévia ou o detalhamento do questionário de risco.
Dessarte, diante da ausência de prova cabal e inequívoca da má-fé do segurado, as inconsistências apontadas seriam insuficientes para afastar o dever de indenizar da seguradora, condenando-a ao pagamento integral da indenização securitária.
Diante do cenário exposto é mister que a má-fé seja demonstrada por parte do segurado de modo inequívoco, pois caso contrário, plagiando Clóvis do Coutoe Silva, de saudosa lembrança, o princípio da boa-fé tem função harmonizadora, conciliando o rigorismo lógico-dedutivo da ciência do direito do século passado com a vida e as exigências éticas atuais, abrindo, por assim dizer, no hortus conclusos do sistema do positivismo jurídico, “janela para o ético” (EsserGrundsataz u Norm).[2]
Em arremate, é importante sublinhar que a boa-fé consagrada no artigo 56 da LCS é a regra geral que rege o contrato de seguro e o disposto em seu artigo 59, a exceção, quando a seguradora não consegue demonstrar que os fatos motivadores à negativa de cobertura da indenização se tornam presentes. Essa abordagem busca equilibrar a relação contratual, garantindo a proteção do segurado contra abusos ou ambiguidades contratuais.
É o que penso em relação a bem lançada sentença objeto destescomentários em relação ao caso sub judice[3].
Porto Alegre, 02/12/2025.
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Voltaire Marenzi. Análise da Nova Lei de Seguros. Roncarati Editora, 2025, página 83.
[2]Clóvis V. do Couto e Silva. A Obrigação como processo. FGV Editora, 18ª reimpressão, 2024, página 42. Vide também, em meu livro supra referenciado, página 81.
[3]Processo nº 4002437-48.2025 8.26.008, no qual atuou como advogado do segurado o Dr. Thiago Lamont de Lacerda.
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