A Lei Complementar 213 de 2025 e a Reforma do Código Civil (Destaque)
- Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
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Não há, até onde procurei colher, um motivo declarado explicitamente em debates legislativos que diga: “não vamos reformar o Código Civil porque queremos fazer uma lei complementar específica para as cooperativas e mutualistas”.
Pautei este tema em razão do que estabelecia o Código Civil de 1.916, quando no §1º do seu artigo 20, acentuou:
“Não se poderão constituir, sem prévia autorização, as sociedades, as agências ou os estabelecimentos de seguros, montepio e caixas econômicas, salvo as cooperativas e os sindicatos profissionais e agrícolas, legalmente organizados”. Grifo meu.
Neste pensar, registrou o autor da obra naquela época:
“Dispensam, também, autorização as cooperativas, que podem revestir a forma anônima, em nome coletivo ou em comandita, e se regulam pelo dec. n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, arts. 10 e 25. Nestas sociedades, o capital é variável, o número dos sócios ilimitado, e as ações ou quotas partes incessíveis a pessoas estranhas à sociedade.”[1]
Pois bem. A Seção III daquele Código que tratava Das sociedades ou associações civis, não foi contemplada pelo legislador de 2.002, que as substituiu pelas Associações previstas no Código Reale em seus artigos 53 a 61.
Neste cenário a análise da Lei Complementar número 213, de 15 de janeiro de 2025 e do contexto regulatório permite inferir várias razões práticas, técnicas e estratégicas para que essas entidades tenham sido disciplinadas por lei complementar, e não por meio de uma reforma do Código Civil de 2002.
É de sabença no meio jurídico que o Projeto de Lei número 4, de 2025, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco, que dispõe sobre a atualização da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, - Reforma do atual Código Civil, pretende, entre outros pontos, alterar, acrescer e modificar, basicamente, os seguintes temas:
A atualização da legislação para o ambiente digital, com a criação de um Livro autônomo de Direito Civil Digital.
Uma maior segurança para os negócios jurídicos, com regras mais claras para empresas e contratos, incentivando investimentos e o crescimento econômico.
A simplificação de processos como o divórcio e inventários, tornando-os menos burocráticos e mais acessíveis.
Modernizar o instituto da Responsabilidade Civil para lidar com danos causados por novas tecnologias e para prevenir comportamentos prejudiciais.
A matéria foi apresentada no Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do atual Código Civil.
Lanço, destarte, a meu sentir, os principais pontos imbricados a uma reflexão crítica somente no que tange a Lei Complementar 213/2025 e a pretensa atualização do Código Civil vigente, sem considerações de lege ferenda em seu todo.
A LC 213/2025 insere regras específicas diretamente na Lei do Seguro Privado -LCS número 15.040/2024 -, que passará a viger a partir de 11 de dezembro do corrente ano e não no vigente e muito menos em uma possível reforma de nosso Código Civil, notadamente porque aquela cuida de entidades que operam no mercado segurador e mutualista, sob supervisão da Susep e do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados).
Isso permite admitir uma regulação mais técnica e afinada ao risco, à solvência, à liquidação e à supervisão prudencial, algo que o Código Civil tradicional (que regula direitos civis e sociedades em sentido amplo) não está otimizado para dar conta com a mesma granularidade.
De outra banda, a LC 213/2025 fortalece a supervisão e regulação desses novos entrantes (“novos operadores”) no mercado segurador exigindo autorização prévia da Susep, definindo obrigações de transparência, além da previsão de um regime sancionador com multas elevadas e medidas acautelatórias.
Isso dá, de fato, mais “confiabilidade” para consumidores e para todo o sistema segurador, como ressaltado pelo próprio órgão fiscalizador. A regulação proporcional (considerando porte, perfil de risco e relevância sistêmica) é destacada como um avanço no novo marco legal do seguro.
Existem hoje associações de proteção patrimonial, por exemplo, de “proteção veicular” que já atuavam de fato sem uma previsão legal específica bem estruturada, o que gerava insegurança jurídica. A LC 213 regulariza essas associações, definindo operações mutualistas, rateio mutualista, administradoras, sua participação e obrigações inerentes a estas atividades.
Ao invés de depender apenas de normas gerais de associação ou sociedade civil previstas no Código Civil, a lei complementar cria uma estrutura específica para estas operações, com supervisão e requisitos próprios.
Antes da LC 213, as cooperativas de seguros estavam restritas em seus ramos de atuação (por exemplo, seguro agrícola, saúde, acidentes de trabalho). A nova lei permite que elas operem “em qualquer ramo de seguros privados”, salvo exceções expressas.
Essa expansão exige um regramento novo, não apenas societário, mas regulatório (capital, contas, solvência, resseguro, autorização da Susep) — situações nas quais uma reforma do Código Civil provavelmente não atenderia bem tal propósito, por si só.
A LC 213 define que cooperativas de seguros não estarão sujeitas à recuperação judicial ou falência da forma tradicional, mas sim a regimes especiais quando tratadas como entidades de seguros, o que requer regime legal específico.
Esse regime especial está mais alinhado ao paradigma de regulação prudencial do setor segurador do que ao regime geral de sociedades empresariais insertas na norma de direito material.
A sobredita Lei Complementar outorga poderes ampliados à Susep para supervisionar, sancionar, usar medidas preventivas (“termos de compromisso”, sanções, medidas acautelatórias) nas cooperativas e operações mutualistas.
Isso reforça o papel regulatório do Estado no seguro mutualista, algo que seria mais difícil de garantir com simples normas de direito civil societário.
O uso de lei específica para cooperativas de seguros e mutualistas é prática comum em muitos sistemas regulatórios de seguros, justamente porque essas entidades têm características diferentes das seguradoras tradicionais (governança, capital, mutualidade).
Do ponto de vista do cooperativismo, havia demanda institucional para “assegurar que a regulamentação estivesse em conformidade com as diretrizes do Sistema Nacional de Seguros Privados, mas sem perder a essência cooperativista” — como destacou estudos técnicos do cooperativismo. De outro giro, o Código Civil regula toda sorte de sociedades (simples, limitadas, anônimas, cooperativas, etc.), o que não seria pertinente nem tampouco adequado em uma reforma com o fito de incluir regras muito específicas de seguro, resseguro, rateio mutualista, regimes de liquidação, supervisão prudencial, que além de complexo iria “poluir” o Código Civil com regras muito técnicas de regulação financeira.
Alterar neste diapasão o Código Civil demandaria outro tipo de projeto com debates longos e inumeráveis emendas. Por outro lado, penso eu, usar um PLP (Projeto de Lei Complementar) focado no setor segurador permitiu uma formulação regulatória mais direcionada.
A Susep já regula seguradoras comuns; para cooperativas de seguro e mutualistas, é importante manter esse órgão como supervisor e dar-lhe competências específicas, o que uma reforma do Código Civil não garantiria automaticamente.
As cooperativas e mutualistas precisam de regras claras e estáveis para seus associados ou participantes, especialmente em relação à cobertura de riscos, rateio de despesas, solvência, liquidação, o que exige regramento prudencial e estatutário muito mais robusto que uma simples norma societária.
Em síntese, a LC 213/2025 foi usada porque era a via mais apropriada para regular de forma prudencial, técnica e específica um segmento (cooperativas de seguros mutualistas que exige supervisão regulatória, regras contábeis, regimes de liquidação especial, capital mínimo, autorização da Susep, além de conciliá-las com os princípios do cooperativismo. Uma reforma do Código Civil voltada com a inclusão de mais essa matéria seria quase impossível, além de bem mais difícil, menos especializada e talvez menos eficaz para dar segurança jurídica ao mercado de seguros mutualistas.
É o que penso.
Porto Alegre, 18/11/2025
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Código Civil. Comentado por Clovis Bevilaqua. Quinta Edição, volume I, 1936, página 223.
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