O Elefante e a Formiguinha: Um Conto Inseguro
Era uma vez, no coração de uma floresta de contratos e promessas, uma formiguinha chamada Ângela. Pequena, mas inquieta, ela conhecia cada folha, cada pedacinho do chão onde o risco não era só palavra, mas cotidiano. Sua profissão? Traduzir para outros bichos, menos atentos, os caminhos tortuosos dos tratos, das proteções, das apólices ora claras, ora secretas.
Num recanto majestoso do bosque, um elefante, imponente e seguro, havia tomado gosto pelo poder. Chamavam-no de Magnânimo. Sua pele era dura e suas palavras, pesadas. Magnânimo anunciava que, dali em diante, haveria novas regras: todos poderiam caminhar livremente pelas clareiras, mas sem alguém a orientar, sem quem alertasse sobre buracos escondidos ou frutas envenenadas. “Melhor para todos, menos confusão”, trombeteou, as patas marcando o solo.
Ângela sabia o valor do seu olhar atento Havia salvo filhotes, apoiado velhos e entendido que, para cada bicho, uma trilha segurava a vida. Mas a norma do elefante não era feita para ouvir a formiga: fora escrita para notificar, para ordenar — não para proteger. Autorregulação, diziam, como se o próprio vento pudesse interpretar tempestades.
O lobby das girafas comentava, as hienas sorrateiras esperavam vantagens, e as borboletas pensavam em migrar. Somente Ângela percebeu que, naquele banquete de interesses, as patas poderosas esmagavam não só formigas, mas a esperança de todos que dependiam do conselho.
Na noite da assembleia, Magnânimo posou feito rei. Ângela, frágil e discreta, subiu na pedra do centro e elevou seu murmúrio ao grito. Falou dos detalhes invisíveis, das vidas arriscadas, da diferença entre escolha e imposição. Explicou que sem formigas para orientar, muitos pequenos cairiam — e até os grandes, um dia, tropeçariam.
O elefante sorriu e zombou: “Que pode uma formiga contra um decreto de pata?” Mas Ângela não buscava vencer na força; buscava despertar no bosque o senso de que justiça pede engenho e escuta. No fim da noite, não foi a assembleia que salvou a formiga — foi a força do exemplo, pois outros bichos passaram a sentir falta da orientação, da paciência, da dignidade que o grandioso esquecia.
Quando os caminhos se confundiram, e até o Magnânimo tropeçou nas armadilhas por ele mesmo ignoradas, a floresta compreendeu: “Não é no tamanho que mora a proteção, mas na consciência de quem conhece a trilha.”
Nunca se esqueceu o bosque do dia em que Ângela, pequena mas incansável, lembrou aos poderosos que nenhuma norma protege mais do que o engenho e o sangue de quem a cumpre.
Armando Luís Francisco
Jornalista
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