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O Agravamento do Risco e a Negativa da Indenização no Seguro de Vida (Destaque)

VOLTAIRE MARENZI - ADVOGADO e PROFESSOR VOLTAIRE MARENZI - ADVOGADO e PROFESSOR

O Direito se aprende estudando, mas se exerce pensando.

2º mandamento de Eduardo Couture.

Estive pensando sobre o que decidiu, por unanimidade, os ministros componentes da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator ministro Antonio Carlos Ferreira, por ocasião do julgamento do Recurso Especial sob número 2.130.908, que o Informativo Migalhas divulgo uma quarta-feira próxima passado em julgamento realizado naquela Corte, em 16 de dezembro do corrente ano.

Segundo a matéria o “STJ garantiu o seguro de vida por morte de homem assassinado em ponto de drogas”, pagamento negado à beneficiária pelo Tribunal “a quo” com base em suposto agravamento intencional do risco de morte.[1]

Prossegue a sobredita reportagem:

“No caso, o tribunal de origem havia mantido a sentença que declarou extinta a execução do contrato, sob o entendimento de que o segurado teria agravado intencionalmente o risco de morte ao se dirigir ao ponto de venda, onde foi morto pelos traficantes”.

A tese sustentada pelo relator no Superior Tribunal de Justiça seria de que a natureza do seguro de vida, diferentemente do seguro de danos, "não se busca recomposição patrimonial, mas garantia social e protetiva aos beneficiários do segurado”.

Neste pensar, condutas imprudentes não implicam, por si, perda do direito à indenização securitária em seguro de vida. A possibilidade do segurado de agravar o risco é inerente nessa modalidade de contrato, sendo devido o pagamento inclusive "nos casos de agravamento extremo", como na hipótese de suicídio.

Diante disso, concluiu o relator, que, ausente a má-fé, tal como a ocultação de informações relevantes sobre o precário estado de saúde ou doenças preexistentes, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário.

Acompanhando tal entendimento, o ministro João Otávio de Noronha destacou que, a seu ver, faltou boa-fé da seguradora ao recusar o pagamento.

Tal entendimento daquele Colegiado se consolidariano sentido de que o contrato de seguro, nos termos do artigo 757 do Código Civil, - então vigente e inteiramente aplicável ao caso concreto –se caracterizaria pela assunção da seguradora, de determinados riscos previamente delimitados, mediante o pagamento do prêmio pelo segurado. Além disto se cuida de um contrato aleatório, bilateral e regido, de modo acentuado, pelos princípios da boa-fé objetiva e da função social.

Ademais, segundo o entendimento dos ministros, no âmbito do seguro de vida a possibilidade de negativa de indenização em razão de agravamento do risco deve ser analisada com cautela, em razão de suas peculiaridades legais e jurisprudenciais.

Destarte para a Turma Julgadora não seria qualquer alteração nas circunstâncias do risco que autorizaria a negativa de cobertura, mas apenas aquelas que decorram de conduta dolosa, consciente e voluntária do segurado dirigida a ampliar a probabilidade ou intensidade do sinistro.

No seguro de vida, para o relator do caso sub judice, o objeto do risco é a própria existência ou integridade física do segurado, o que impõe limites naturais à aplicação do conceito de agravamento do risco. Com efeito, segundo ele, comportamentos cotidianos, hábitos pessoais ou escolhas de estilo de vida — como prática de atividades potencialmente perigosas, como consumo de bebidas alcoólicas ou mudanças de rotina — não configuram, por si sós, agravamento intencional apto a excluir a cobertura, salvo se expressamente previstos e adequadamente informados no contrato.

O próprio Código Civil, continua o relator, estabelece regras restritivas à exclusão de cobertura no seguro de vida, referindo-se a legislação vigente no contrato de seguro em que impera normas do Código Civil, tanto que em seu artigo 798, por exemplo, se limita a exclusão ao suicídio ocorrido nos dois primeiros anos de vigência do contrato, consagrando uma opção legislativa clara de proteção ao beneficiário e de mitigação de cláusulas restritivas excessivas.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acentuou o relator, é firme no sentido de que a cláusula de exclusão de cobertura deve ser interpretada restritivamente; cabe à seguradora o ônus de comprovar, de forma inequívoca, tanto o agravamento do risco quanto a intenção deliberada do segurado em produzi-lo.

Nesse sentido, o simples nexo causal entre a conduta do segurado e o evento morte não é suficiente para justificar a negativa da indenização. Exige-se prova robusta de que o segurado atuou com o propósito consciente de agravar o risco coberto, rompendo o equilíbrio atuarial do contrato.

A boa-fé objetiva, prossegue o voto proferido neste processo, desempenha papel central na interpretação do seguro de vida. A negativa de indenização fundada em alegado agravamento do risco não pode servir como mecanismo de esvaziamento da função econômica e social do contrato, sobretudo em detrimento dos beneficiários, que muitas vezes não participaram das circunstâncias que envolveram o sinistro.

Por essas razões, prossegue o voto proferido naquela sessão, a doutrina e a jurisprudência majoritárias reconhecem que, no seguro de vida, a perda do direito à indenização constitui medida excepcional, admissível apenas quando demonstrada, de modo claro e inequívoco, a conduta dolosa do segurado voltada ao agravamento do risco.

Conclui-se, portanto, arremata o voto, de que a seguradora somente pode negar a indenização no seguro de vida quando comprovado agravamento intencional do risco pelo segurado, nos estritos termos do artigo 768 do Código Civil.[2] Ausente a prova do dolo específico, prevalece o dever de indenizar, em observância aos princípios da boa-fé objetiva, da interpretação restritiva das cláusulas limitativas e da proteção do beneficiário.

Vou me permitir dizer que tal entendimento deve, a meu sentir, ser interpretado cum grano salis, vale dizer, com uma certa reserva.

As razões que pretendo expor para ressaltar que tais argumentos expendidos pelo ilustrado relator não são tão simples assim, se baseiam em algumas ponderações que vou fazer a latere do douto voto proferido pelo ínclito relator.

A razão primeira é de que o suicídio, que é a intenção deliberada do segurado em pôr fim a própria vida tem um Spatiumdeliberandi, em toda a boa doutrina securitária, de que o período entre a contratação do seguro e o pagamento da indenização varia de legislação para legislação. No nosso direito é de dois o prazo de carência para o pagamento da indenização, independentemente da causa que levou o segurado a cometer tal desatino. Até aí, nada a opor ou questionar do absoluto acerto da decisão proferida.

A duas, é que se pergunta: frequentar “ponto de droga” não se caracteriza uma deliberação clara e inequívoca de que o segurado procura, de modo manifesto, dolosamente colocar em risco sua própria vida? Um cidadão de meridiana clareza tem tal tipo de comportamento?

Vejam que não estou a tratar de práticas desportivas arriscadas, mas de um ato deliberado e consciente quando o segurado se expõe a risco exacerbado para satisfazer um vício. Nem se diga que a utilização em si de “drogas” se constituiria um ato atentatório à vida, mas, sim, à sua saúde. No caso o segurado poderia obter esta droga, sem necessitar de se embrenhar em “pontos” aonde o risco à vida é inquestionável. Basta ver a exposição propalada pela mídia em que se oferece ao cidadão comum, em praias turísticas, em locais de diversão, a oportunidade de se adquirir “esta mercadoria” com risco zero.

A três, apenas como mera força argumentativa, de acordo com a disposição prevista na nova lei de seguro, portanto, de lege lata, “a seguradora não se exime do pagamento do capital segurado, ainda que previsto contratualmente, quando a morte ou a incapacidade decorrer do trabalho, da prestação de serviços militares, de atos humanitários, da utilização de meio de transporte arriscado ou da prática desportiva”.[3]

Houve alguma destas hipóteses, no caso concreto, em que a atual lei de seguros é permissiva em aceitar tais procedimentos de maior risco do que o cotidiano da vida proporciona?

Quer parecer que não houve nenhuma destas situações no caso concreto.

Enfim, podemos alforriar o segurado em sede de seguro de vida de qualquer situação agravante do resultado do ato por ele praticado?

Penso, definitivamente, que não.

Seguro de vida não é salvo conduto para que se pratiquem atos que desabonem a boa conduta do homem médio e prudente. É verdade, que não se cuida de seguro voltado ao restabelecimento patrimonial, porém amparados em atitudes mínimas de salvaguardar atos de boa convivência, obedecendo comportamentos razoáveis de normas de conduta.

Não pretendo, nem de longe, hostilizar o que foi decidido pelo Tribunal da Cidadania.

Também, à guisa de maior densidade argumentativa, penso que o artigo 121 da Lei nº 15.040/2024 não consagra uma cláusula geral de cobertura ilimitada, mas delimita, de forma consciente, o campo normativo dos riscos pessoalmente seguráveis. A ausência de previsão de determinadas condutas – especialmente aquelas marcadas pela auto colocação consciente em cenários estruturalmente violentos e ilícitos – não constitui lacuna a ser preenchida por analogia judicial, mas expressão legítima da opção regulatória do legislador. A insistência na transposição automática da jurisprudência formada sob o revogado Código Civil ignora, data vênia, a mudança de paradigma introduzido pelo novo marco legal e compromete a coerência sistêmica do direito securitário contemporâneo.

Porém, deixo para reflexão dos estudiosos da área que medidas de prudência e zelo devem imperar em qualquer modalidade securitária, notadamente levando-se em consideração cálculos atuariais insertos em clausulados que regem este contrato-tipo.

É o que penso, s.m.j.

Porto Alegre, 21/12/2025


VOLTAIRE MARENZI - ADVOGADO e PROFESSOR

[1]https://www.migalhas.com.br/quentes/446545/stj-garante-seguro-por-morte-de-homem-assassinado-em-ponto-de-droga.

[2] Referência ao Código Civil revogado pela nova lei de seguros.

[3] Artigo 121 da Lei do Contrato de Seguro.


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