A Inviabilidade Jurídica do Seguro Garantia como Substituição de Penhora no Processo Civil Brasileiro (Destaque)
1. Introdução.
A substituição da penhora por outras formas de garantia é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme previsão do art. 835 do Código de Processo Civil. Nos últimos anos, o seguro garantia judicial tem sido frequentemente utilizado como alternativa à penhora de bens. Contudo, uma análise detida da natureza, das limitações contratuais e dos riscos práticos associados ao seguro garantia revela que essa forma de caução não se presta, de forma adequada, à finalidade constitucional e processual da penhora. Este artigo visa sustentar juridicamente a inviabilidade do seguro garantia como substituição da penhora, sobretudo nos casos em que há prejuízo à efetividade da execução e ao credor.
2. O Seguro Garantia Judicial: Conceito e Natureza.
O seguro garantia judicial é um contrato firmado entre o devedor (tomador), a seguradora (garantidora) e o credor (beneficiário), no qual a seguradora se compromete a honrar o pagamento até um determinado limite, caso o devedor não cumpra a obrigação judicial.
Diferente da penhora em dinheiro ou em bens de fácil alienação, o seguro garantia:
é condicionado à verificação do inadimplemento;
depende da regulação do sinistro, processo que pode ser moroso e litigioso;
pode conter cláusulas de exclusão, franquias ou limitações contratuais;
pode ser rescindido ou revogado, nos termos do contrato, em determinadas hipóteses.
Tais características o distanciam do modelo de garantia idealizado pelo CPC e comprometem sua equivalência à penhora em bens de valor certo e exequível.
3. A Ordem Legal de Preferência das Garantias (Art. 835 do CPC)
O art. 835 do CPC estabelece ordem legal de preferência na penhora, priorizando o dinheiro e bens de liquidez imediata. A jurisprudência tem interpretado que essa ordem não é absoluta, mas a substituição por outras garantias deve assegurar maior efetividade e menor risco ao credor.
O seguro garantia, ao contrário, oferece elevado grau de incerteza quanto à satisfação do crédito, exigindo etapas processuais adicionais (como a comprovação do sinistro e eventual execução contra a seguradora), o que pode comprometer o princípio da efetividade da tutela jurisdicional (art. 4º do CPC).
4. Violação ao Princípio da Efetividade da Execução
A execução não é mera formalidade processual, mas meio destinado à realização concreta do direito reconhecido em juízo. O art. 797 do CPC determina que “ressalvadas as hipóteses expressas em lei, o devedor responde com todos os seus bens para o cumprimento de suas obrigações”.
Permitir que o devedor escolha um meio de garantia menos eficaz – como o seguro – em detrimento da penhora de ativos líquidos representa ofensa ao princípio da efetividade e favorecimento indevido ao executado, em afronta à paridade de armas.
5. Risco de Insolvência e Segurança Jurídica
Outro fator preocupante é a solidez das seguradoras. Ainda que submetidas à fiscalização da Susep, há precedentes de liquidação extrajudicial de entidades que emitiam seguros garantia, deixando o credor sem qualquer reparação. Nesse contexto, permitir o uso irrestrito do seguro como substituto da penhora significa transferir o risco da execução ao credor, o que viola o sistema processual de proteção ao crédito.
Além disso, a judicialização de sinistros de seguros pode transformar uma execução simples em uma disputa complexa de natureza contratual e securitária, afastando o processo de sua finalidade precípua: a satisfação rápida e eficaz do direito reconhecido.
6. Jurisprudência Restritiva e Tendência Cautelosa
Ainda que haja decisões aceitando o seguro garantia como forma de caução, há posição relevante e crescente nos tribunais que ressalta a necessidade de aceitação pelo juízo, da idoneidade da apólice, e da equivalência efetiva da garantia.
O STJ já decidiu que o seguro garantia não pode ser admitido automaticamente, exigindo-se análise criteriosa do juízo da execução, sob pena de ofensa à efetividade do processo.
7. Conclusão
À luz da Constituição e do CPC, a substituição da penhora por seguro garantia deve ser vista com grande restrição. A natureza contratual da apólice, sua volatilidade e o potencial de litígios secundários inviabilizam sua aceitação automática ou preferencial.
Portanto, sustenta-se que o seguro garantia não pode ser admitido como substituição da penhora sem prévia e minuciosa análise judicial, devendo-se preservar a preferência legal por bens líquidos e disponíveis.
Roma, 30 de junho de 2025.
Voltaire Marensi - Professor
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