O custo invisível do sorriso: uma reflexão sobre os convênios odontológicos no Brasil
Ana Paula Falcão de Moura Gierlich, Dentista e Advogada Especialista em Direito Médico e Odontológico*
A realidade dos convênios odontológicos no Brasil tem sido alvo de intensos debates dentro da classe odontológica. Enquanto os planos de saúde se expandem e se consolidam como uma alternativa acessível à população, os valores repassados aos profissionais muitas vezes não cobrem sequer os custos básicos de biossegurança. Essa discrepância afeta diretamente a qualidade do atendimento, comprometendo tanto a dignidade do profissional quanto a segurança e o bem-estar do paciente. Com base no "Mapeamento da Situação de Saúde dos Beneficiários de Planos de Assistência Médica no Brasil", realizado pelo IBGE, estima-se que, em 2019, dos 209,6 milhões de brasileiros, apenas 26,7 milhões (cerca de 13% da população) possuíam um plano de saúde com cobertura odontológica. Esse dado evidencia a limitação no acesso a serviços odontológicos, apontando a necessidade urgente de revisão do modelo atual. Além disso, a falta de equilíbrio entre os custos operacionais e a remuneração tem gerado desafios crescentes para a odontologia, uma área que exige investimentos contínuos em tecnologia, capacitação profissional e infraestrutura adequada para garantir a qualidade e o acesso aos serviços.
O modelo de remuneração adotado pela maioria dos convênios impõe um ritmo excessivamente desgastante aos dentistas, que se veem forçados a atender um número elevado de pacientes para garantir uma compensação mínima. Esse cenário compromete a qualidade do atendimento, uma vez que reduz o tempo disponível para cada consulta, dificultando a personalização e a atenção detalhada que cada caso demanda. Além do mais, os valores pagos pelos convênios frequentemente mal cobrem os custos operacionais de um consultório, o que leva muitos profissionais a abrirem mão de investimentos cruciais, como a aquisição de materiais de alta qualidade e a realização de atualizações constantes em suas práticas. Essa realidade não só desvaloriza o trabalho do dentista, mas também cria um ambiente propenso a falhas, negligência informacional e, em casos mais graves, processos éticos e judiciais.
O impacto dessa lógica vai além dos profissionais, atingindo diretamente os pacientes. Muitos usuários de convênios acreditam estar recebendo um atendimento de excelência, mas não têm ciência das limitações impostas pelo sistema. Quando os valores repassados não permitem a realização de procedimentos adequados ou a adoção de protocolos rigorosos de biossegurança, a qualidade do tratamento é comprometida. O paciente, assim como o dentista, se torna uma vítima de um modelo que prioriza volume em detrimento de qualidade. Para reverter essa realidade, é essencial que entidades representativas, operadoras de planos de saúde e os próprios profissionais dialoguem sobre soluções que valorizem verdadeiramente a odontologia.
Assim, um modelo mais sustentável e equilibrado deve garantir que os pacientes recebam atendimento de qualidade sem comprometer a dignidade e a segurança dos profissionais envolvidos. A valorização da odontologia passa pelo reconhecimento de seu real valor, tanto financeiro quanto social. Repensar os convênios odontológicos não é apenas uma necessidade da classe profissional, mas uma urgência para a saúde pública. O desafio é grande, mas a mudança começa com um olhar crítico e a busca por soluções sustentáveis que garantam um atendimento digno e de excelência para todos.
Ana Falcão Gierlich é advogada, membro da Comissão de Direito da Saúde da OAB SP (triênio 2022/2024), especialista em Direito Médico e Bioética pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar por meio da Escola Paulista de Direito e Mestranda em Direito Médico e Odontológico no São Leopoldo Mandic.
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