Josias e a causa mais inusitada de sua carreira no direito securitário
Ao completar 50 anos de atividade profissional, Carlos Josias Menna de Oliveira está relembrando fatos e acontecimentos que marcaram sua trajetória no mercado segurador. Ao longo de sua jornada ele sempre atuou como advogado das seguradoras, mas ironicamente na ação que considera a mais inusitada de sua carreira os papeis se inverteram. Recém formado, ele estava tentando encontrar seu caminho na área e optou por ser o representante judicial de um segurado em uma ação movida contra uma seguradora.
O advogado prestou atendimento a um cliente cujo bem - uma embarcação destinada para a pesca do camarão - que foi adquirido para sua atividade profissional, sofreu um acidente e teve o sinistro negado por uma seguradora - este bem, o barco, era o sonho de independência dele, com o qual ele projetou elevar o patamar seu e da família. Com a negativa de cobertura o segurado não pode pagar o financiamento do bem adquirido e viu-se endividado. "O sujeito que me procurou tinha o sonho de mudar de vida e para isso deixou o emprego e decidiu tornar-se dono do próprio negócio para ganhar mais e qualificar seu padrão de vida. Para isso teria que construir o um barco que seria utilizado na pesca e passar atuar nessa atividade", relembrou o advogado.
Para efetivar a construção da embarcação foi até o Estaleiro Só onde precisou financiar 95% do valor do barco. Para obter esse financiamento, obrigatoriamente, precisou contratar uma apólice de seguros que garantisse o preço da embarcação caso ela afundasse ou sofresse uma avaria. "Disposto a realizar o sonho profissional ele foi até o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC) que efetivou o financiamento mediante a efetivação do seguro que determinava o BNCC como beneficiário de 95% da apólice e o cliente com 5%".
Entretanto, em poucos meses de atividade o barco emborcou causando perda total. Ao reclamar o pagamento do seguro, o segurado teve a cobertura negada pela Companhia. Na avaliação de Josias a resposta da Seguradora representou muito mais do uma simples negativa, já que impossibilitaria o segurado de receber o valor estipulado para a indenização e ele ainda teria que fazer frente a uma enorme dívida contraída de 95% do financiamento da embarcação. Entretanto, os prejuízos iriam além da esfera material: "a negativa de indenização representou o fim do castelo de sonhos do segurado que seria de se tornar independente profissionalmente, ter uma vida econômica melhor".
Ao analisar a negativa de pagamento, Josias viu que a argumentação da Seguradora chegava a ser considerada risível. "A justificativa para negar a cobertura contratada foi feita com base num dispositivo de um decreto regulamentador da Lei do Seguro, decreto-lei 73/66, em que o sinistro não era devido enquanto não fosse pago o seguro. O pagamento do seguro havia sido parcelado em quatro vezes, mas no momento do sinistro não tinha ocorrido o pagamento da primeira parte por ainda estar no prazo. Os argumentos apresentados pela seguradora iam contra os princípios mais elementares do contrato de seguro".
Josias estudou com profundidade a causa, e viu que a justificativa para a negativa de indenização não se sustentava e não era pertinente, frágil demais. "O argumento da seguradora era pífio porque se a companhia concede um prazo para o pagamento, ela derroga a cláusula que exige pagamento antecipado. Ou o prêmio é cobrado à vista ou não pode ser concedido um prazo. Se ele dá um prazo e mesmo assim é cobrado à vista, o seguro que é de 12 meses passará a ser de 11 meses e os primeiros 30 dias não valem, pois ele não pagou. Então que fosse exigida a primeira parcela no momento da contratação.
Josias concluiu que a ação merecia um tratamento especial, tanto por parte do judiciário como do mercado segurador. Paulatinamente o advogado reconstruiu todas as etapas que seu cliente passou e compreendeu que o sonho dele de uma nova vida que elevaria seu patamar econômico e social ruiu completamente quando o barco afundou e o sinistro foi negado. "Além do estar sem renda, ele teria que pagar 95% do financiamento da embarcação e não teria direito a indenização para fazer frente a essa dívida. Avaliei que o pagamento da indenização estipulada na apólice não seria o suficiente para a reparação do dano, pois a situação caracterizava-se como dano extensivo. O ato da seguradora implicou responsabilidade civil pelo dano causado em decorrência do inadimplemento. A condição em que a Seguradora se baseou para negar não era justificável", explicou o advogado. Não havia dúvida razoável que autorizasse negar.
Josias explicou que a conduta da Companhia acarretou em um forte abalo emocional para o segurado, deixando-o em um estado deplorável: "especificamente nesse caso só o pagamento da apólice não bastaria, até porque o trâmite do processo duraria alguns anos. Diante do trágico fato meu cliente sofreu um imenso dano moral, tendo engordado muitos quilos em pouco tempo, chegou a tornar-se um obeso mórbido. Como se não bastasse o aspecto emocional, com o acidente do barco ele ainda teve a interrupção do lucro que obtinha da embarcação em pleno funcionamento e isso se caracteriza como lucro cessante".
O processo foi instruído, processado e julgado na Nona Vara Cível do Fórum Central. A sentença do magistrado Paulo Rogerto Hanke considerou procedente a ação e determinou que a Seguradora efetuasse o pagamento de 95% diretamente ao BNCC - que desde a inicial foi chamado a participar do feito como litisconsorte ativo - 5% ao segurado. Determinou ainda que a Companhia fosse condenada a pagar dano moral por toda a arrecadação a ser verificada em laudo por arbitramento que o segurado teria se o barco continuasse funcionando até o dia do cumprimento da obrigação. "Em relação ao lucro cessante, o magistrado determinou o pagamento de valor equivalente ao mesmo cálculo elaborado para o dano moral, descontado os salários que o segurado estava recebendo ao longo do tempo em que ele deixou de ser um profissional independente e tornou-se empregado. E o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) foi condenado a pagar o seu percentual de comprometimento no contrato de resseguro", relembra.
Josias recorda que ele não tinha conhecimento, na época, da existência de outro processo contra uma Seguradora que englobasse dano moral e lucro cessante: "a repercussão foi tão grande que todos os jornais da época noticiaram o fato, já que essa era a primeira ação com tal componente". Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil entre outros fora do RS noticiaram, e no Sul praticamente todos os periódicos abordaram o tema. Quando o magistrado deu ganho de causa ao cliente de Josias, a mídia voltou a repercutir o caso, dessa vez com mais intensidade: "a notícia teve impacto setor de seguros, como a primeira ação em que uma Seguradora foi condenada por recalcitrância e por inadimplemento contratual a pagar dano moral e lucros cessantes".
Embora o segurado tenha obtido vitória na justiça, ele não conseguiu receber tudo que justiça havia determinado. Posteriormente, a Seguradora que foi ré no processo entrou em liquidação extrajudicial e nunca mais saiu dessa situação. "Infelizmente a única parte da indenização que foi recebida pelo meu cliente foi a garantida dada pelo IRB. Considero isso um duplo vexame do mercado: tanto a negativa pífia, como o fato de a Companhia entrar em liquidação extrajudicial".
Ao olhar para trás e refletir sobre o fato, o advogado pode fazer algumas observações significativas: "chega a ser um tanto quanto irônico, mas a causa que mais rendeu assunto e gerou debate no mercado segurador da qual eu participei, foi contra a escola que eu acabei seguindo, já que aconteceu em oposição a uma seguradora." Outro aspecto está relacionado as repercussões da condenação de uma Companhia por dano moral e lucro cessante: "após o ineditismo que tivemos com a vitória nesse caso surgiram ações de dano moral por todos os lados e o judiciário demorou muito tempo para regular isso".
Entretanto, Josias mudou de rumo em sua carreira e se notabilizou por atuar defendendo as Companhias Seguradoras, sempre cumprindo o papel de profissional indispensável à administração da justiça.
Autor : André Bresolin / Equipe do Seguro Gaúcho
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