A responsabilidade civil no Marco Civil da Internet: proteção ao consumidor ou aos provedores?
Por Henrique Brax Vicensoto (*) e Ana Carolina Rôvere de Oliveira (**)
O Marco Civil da Internet, instituído pela Lei 12.965/2014, é uma das legislações mais importantes no que diz respeito à regulamentação do uso da internet no Brasil. Ele estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede no país, focando principalmente na liberdade de expressão, na proteção à privacidade e na neutralidade da rede.
Porém, quando falamos de responsabilidade civil, o foco do Marco Civil se restringe, em grande parte, aos provedores de conteúdo, levantando discussões sobre a adequação dessa proteção em relação aos direitos dos usuários.
Uma das principais distinções que o Marco Civil faz é entre provedores de conexão e provedores de aplicação. Os provedores de conexão, que oferecem o serviço de acesso à internet, são tratados pela lei como meros transportadores de dados. Isso significa que eles não podem ser responsabilizados por conteúdos gerados por terceiros que trafegam em suas redes.
A analogia com uma transportadora é válida: assim como ela não responde pela qualidade dos produtos que transporta, o provedor de conexão não responde pelo conteúdo que transita por sua rede.
Por outro lado, os provedores de aplicação, que são as plataformas e serviços on-line onde o conteúdo é efetivamente gerado e compartilhado (como redes sociais, blogs, e sites de vídeos), possuem uma responsabilidade civil mais complexa.
O Marco Civil determina que esses provedores só podem ser responsabilizados pelo conteúdo de terceiros se, após receberem uma ordem judicial específica, não tomarem as medidas necessárias para remover o conteúdo considerado ilícito.
Esse mecanismo, embora proteja a liberdade de expressão e evite a censura prévia, impõe um ônus adicional ao usuário prejudicado, que precisa recorrer ao Judiciário para obter a remoção de conteúdos ofensivos.
Essa exigência de judicialização pode ser vista como um entrave ao acesso à justiça, especialmente em um país onde o sistema judiciário já enfrenta uma sobrecarga significativa de processos.
Há, no entanto, uma exceção importante: casos de divulgação de conteúdo íntimo ou sexual sem consentimento, também conhecidos como "pornografia de vingança". Nesses casos, a lei é mais rigorosa e permite que o provedor de aplicação seja responsabilizado diretamente se, após ser notificado pela vítima ou por seu representante legal, não remover o conteúdo de forma diligente.
Ainda assim, a responsabilidade do provedor é considerada subsidiária. Isso quer dizer que ele só será responsabilizado se o autor do conteúdo não puder ser localizado ou não possuir bens para arcar com uma indenização.
Essa proteção conferida aos provedores de aplicação pelo Marco Civil tem gerado críticas, especialmente quando comparada com o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O CDC prevê uma responsabilidade mais rigorosa para fornecedores de serviços, exigindo reparação por danos causados independentemente de culpa. No entanto, o Marco Civil parece adotar uma abordagem mais protetiva em relação aos provedores de aplicação, o que pode resultar em uma menor proteção aos direitos dos consumidores.
Além disso, ao exigir uma ordem judicial para que o provedor seja responsabilizado, o Marco Civil pode acabar incentivando a inércia dos provedores frente às reclamações administrativas. Isso não apenas dificulta a reparação dos danos, mas também contribui para o aumento da quantidade de processos judiciais, sobrecarregando ainda mais o sistema.
Em conclusão, enquanto o Marco Civil da Internet representa um avanço significativo na regulamentação do uso da internet no Brasil, ele também levanta importantes questões sobre o equilíbrio entre a proteção aos consumidores e a proteção aos provedores de aplicação.
A necessidade de judicialização para a remoção de conteúdos lesivos pode ser vista como uma barreira ao acesso à justiça, o que contrasta com os princípios de proteção ao consumidor estabelecidos pelo CDC. A discussão sobre a adequação dessas regras e suas possíveis revisões continua a ser um tema de grande relevância no cenário jurídico brasileiro.
* Henrique Brax Vicensoto é advogado no Granito, Boneli e Andery (GBA Advogados Associados) e pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV.
** Ana Carolina Rôvere de Oliveira é advogada no Granito, Boneli e Andery (GBA Advogados Associados), pós-graduada em Processo Civil e mestranda em Direito Empresarial.
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