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Inclusão previdenciária avança entre trabalhadores de plataformas

Inclusão previdenciária avança entre trabalhadores de plataformas

Prof. Dr. Juliano Barra, docente de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Em meio ao envelhecimento populacional e às novas formas de trabalho, o Brasil enfrenta um dilema: como sustentar financeiramente a previdência social em um cenário em que quase metade da população economicamente ativa está na informalidade? A crença de que o modelo celetista — concebido para o emprego formal e subordinado — ainda poderia ser o principal pilar de arrecadação previdenciária tornou-se um anacronismo. A economia digital não cabe mais na CLT de 1943.

Segundo a OIT, o número de plataformas digitais passou de 193 em 2010 para 1.070 em 2023. O Banco Mundial estima cerca de 435 milhões de trabalhadores on-line no mundo, o que corresponde a 12,5% da força de trabalho global. No Brasil, dados da PNAD Contínua indicam mais de 2 milhões de pessoas atuando em aplicativos de transporte e entrega. Trata-se de uma nova classe trabalhadora que, embora gere renda e consumo, permanece quase totalmente fora do sistema previdenciário.

Ademais, o argumento de que a “pejotização” e o trabalho por plataforma seriam responsáveis por eventuais déficits previdenciários, além de falaciosa, ignora a verdadeira raiz do problema: o desequilíbrio demográfico e a base contributiva estreita. Em 1980, a expectativa de vida do brasileiro era de 62,5 anos; em 2050, será de 81,3. A relação entre ativos e aposentados cairá de nove para três. Nenhum sistema de repartição simples sobrevive a essa razão sem ampliar sua base de contribuintes.

É nesse ponto que organismos internacionais como a OCDE e o Banco Mundial apontam caminhos. O relatório Pensions at a Glance 2019 (OCDE) já defendia que a inclusão de trabalhadores com vínculos “não padrão” (autônomos, temporários e de plataformas) é essencial para a sustentabilidade financeira dos sistemas de aposentadoria. O estudo Regulating Platform Work in the Digital Age (OCDE, 2020) sugere três pilares: filiação obrigatória estendida a todos os que auferem renda, responsabilidade das plataformas como agentes de retenção e uso da tecnologia para automatizar filiação e arrecadação.

O Banco Mundial, em Working Without Borders (2023), propõe mecanismos de contribuição flexível — fracionada por tarefa ou diária — e o uso de aplicativos integrados que simplifiquem inscrição e recolhimento, inspirando experiências bem-sucedidas em países asiáticos e africanos. O denominador comum dessas recomendações é pragmático, sendo ampliar a cobertura sem recriar a rigidez do vínculo empregatício tradicional.

O Brasil ensaia seus próprios passos nessa direção. O PLC 12/2024, em tramitação na Câmara dos Deputados, reconhece a figura do “trabalhador autônomo por plataforma”, com contribuição previdenciária obrigatória e retenção na fonte, mas sem subordinação nem exclusividade. A Lei Complementar 214/2025, ao instituir o regime do nanoempreendedor, deu um passo adicional ao fixar que apenas 25% da receita bruta recebida via plataforma compõe a base de cálculo tributária — critério que pode inspirar, por analogia, a definição de uma base contributiva previdenciária simplificada e proporcional à renda real.

Essas medidas revelam um avanço regulatório consistente com o movimento internacional: reconhecer que inclusão previdenciária não exige retorno à relação de emprego clássica, mas sim inovação jurídica e uso inteligente da tecnologia. Atribuir às plataformas a função de agentes arrecadadores, criar contas individuais e permitir contribuições fracionadas são medidas que reduzem a informalidade e fortalecem o financiamento da seguridade social.

Além disso, o debate brasileiro pode dialogar com experiências de outros países que já reformaram seus regimes de aposentadoria diante do envelhecimento demográfico e vêm ajustando idades mínimas e incentivando modelos híbridos de capitalização parcial. A lição comum é clara, a sustentabilidade dos sistemas depende menos da rigidez normativa e mais da ampliação da base contributiva e da adaptabilidade regulatória.

O Brasil, ao combinar marcos como o PLC 12 e o regime do nanoempreendedor, sinaliza a possibilidade de um modelo próprio, juridicamente sólido e economicamente viável, em que a inclusão previdenciária se torne vetor de formalização gradual e não obstáculo ao empreendedorismo. Essa transição exige segurança jurídica, governança digital e diálogo institucional entre Estado, plataformas e trabalhadores.

Como lembram os Prêmios Nobel de Economia de 2025 Joel Mokyr e Philippe Aghion, o crescimento decorre da capacidade das sociedades de inovar e adaptar-se. A mesma lógica vale para a previdência: sistemas que não incorporam a mudança tecnológica e social acabam prisioneiros do passado e em uma matriz de financiamento inadaptada às relações de trabalho contemporâneas.

Persistir na lógica binária entre “empregado” e “autônomo” é condenar milhões de trabalhadores à exclusão previdenciária e o sistema à insolvência. A previdência do século XXI deve ser flexível, digital e contributiva na medida da capacidade de cada ocupação. Não é o trabalho por plataforma que ameaça o equilíbrio do sistema, é o próprio sistema que precisa ser reprogramado para incluir o trabalho real que o país produz hoje.

*O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie.

Sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie

A Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) foi eleita como a melhor instituição de educação privada do Estado de São Paulo em 2025, de acordo com o Ranking Universitário Folha 2025 (RUF). Segundo o ranking QS Latin America & The Caribbean Ranking, o Guia da Faculdade Quero Educação e Estadão, é também reconhecida entre as melhores instituições de ensino da América do Sul. Com mais de 70 anos, a UPM possui três campi no estado de São Paulo, em Higienópolis, Alphaville e Campinas. Os cursos oferecidos pela UPM contemplam Graduação, Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, Extensão, EaD, Cursos In Company e Centro de Línguas Estrangeiras.


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