A Reconfiguração do Poder Normativo da Susep na LCS
Tratar do que projeta fazer a Superintendência de Seguros Privados com o advento da recente Lei do Contrato de Seguro, a meu sentir, é projetar uma inauguração ligada a uma fase inédita e audaciosa de reestruturação do sistema securitário brasileiro.
Embora a nova lei seja frequentemente analisada sob aspectos contratuais, sua repercussão institucional é profunda e merece um exame mais detido.
A SUSEP, tradicionalmente situada no centro da regulação como órgão fiscalizador do mercado segurador, passa a conviver com um marco legal que redefine seus limites, reforça sua fundamentação legal e reorganiza a hierarquia das normas aplicáveis ao setor.
Cuida-se, portanto, de uma reconfiguração do poder normativo da SUSEP, com efeitos que vão desde a segurança jurídica até a governança regulatória do Sistema Nacional de Seguros Privados.
É preciso acentuar que sua atuação está historicamente ancorada no Decreto-Lei número 73/66, com suas modificações, o qual organizou este sistema regulamentado pelo Decreto número 60.459/67, que previu aspectos operacionais de sua atuação no mercado de seguros.
Pois bem. Destarte, por décadas, esse conjunto de atribuições posicionou essa entidade como agência reguladora de fato, embora formalmente vinculada ao Ministério da Fazenda e sem autonomia típica de outras agências reguladoras.
Neste contexto, se observou um fenômeno que parte da doutrina cognominou de hipertrofia normativa da SUSEP. Vale dizer, o órgão frequentemente estabelecia regras que, na ausência de lei específica, acabavam disciplinando elementos essenciais do contrato de seguro – como deveres das partes, critérios de cobertura, regras de cancelamento, comunicação de riscos e demais regras contratuais, desbordando de sua natureza jurídica.
Neste norte, embora garantisse uma previsibilidade ao setor, também produzia vulnerabilidades na seara do direito do seguro.
O Marco Legal dos Seguros estabelece um novo paradigma, isto é, eleva à categoria legal – e não mais infralegal dentre os elementos estruturantes do contrato de seguro.
Esta opção legislativa, embora em um juízo primário bastante audacioso de que se cuida de uma possibilidade de extrapolar a lei, deixa, em tese, de ser o locus primário da definição contratual que transitavaaté, sem atrevimento, afirmar que se encontrava em descompasso com a lei.
O resultado, se bem conduzido, será efetivado com uma clara distinção entre conteúdo legal (essencial) e conteúdo normativo infralegal (técnico).
Se assim ocorrer, temas como deveres de informação do segurado e da seguradora, regras sobre alteração agravante de risco (tema tormentoso), disciplina da defesa do segurado, limites contratuais, direitos dos beneficiários, obrigações da seguradora na liquidação de sinistros, efeitos da sub-rogação em sede securitária, algumas hipóteses de cancelamento, princípios e balizas da liberdade contratual, entre alguns outros, não poderão mais ser regulamentados pelo órgão até então eminentemente fiscalizador, mas apenas complementados, quando autorizado.
Penso também que com a regras já existentes a SUSEP poderá passar de uma regulação híbrida e expansiva para uma regulação mais técnica e especializada, similar à atuação de supervisores internacionais a exemplo de legislações mais adiantadas como a União Europeia, o NAIC nos Estados Unidos, - National Association of Insurance Commmissioners - e a FSA – Financial Services Agency - no Japão.
De outro giro, a nova lei determina que todas as normas infralegais anteriores permanecem vigentes apenas se não forem incompatíveis com o Marco Legal.
O princípio da hierarquia das leis estará preservado, se assim acontecer.
Em resumida síntese, a SUSEP deixará de ser produtora de direito contratual para ser supervisora técnica especializada.
Ninguém ignora que essa transição vai implicar em desafios significativos.
Para concluir este breve ensaio a nova lei de seguro cria uma nova fase do setor securitário brasileiro, redefinindo o papel regulatório da SUSEP em bases mais técnicas e mais compatíveis com o princípio da legalidade.
O órgão deixará de ocupar uma posição regulatória extensa – por vezes criadoras de normas contratuais, praeterlegem, - além da lei - para, se bastante atenta e prudente, ser uma supervisora técnica, e de conduta alinhada aos padrões internacionais.
Neste diapasão, a elevada densidade normativa da nova lei fortalece a segurança jurídica, reduz assimetrias históricas e aproxima o Brasil do modelo de microssistema integral do direito dos seguros, comum em países com mercados consolidados.
A transição, contudo, impõe desafios expressivos, tais como revisão normativa, coordenação institucional e estabilidade regulatória. De sorte, que superados estes pontos, o novo arranjo tende a elevar o nível de maturidade jurídica, contratual e regulatória do mercado securitário brasileiro, beneficiando consumidores, seguradoras e o próprio Estado regulador.
É o que todos, segurados, seguradoras, consumidores, esperam dentro deste novo figurino legal.
Porto Alegre, 26/11/2025
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
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