Beleza ferida e o opróbrio do Estado: CNSP CP 005/2025 e o exílio do ideal jurídico brasileiro
No crepúsculo do Estado moderno, a norma infralegal, tantas vezes glorificada como fulcro de progresso, torna-se – diante da Consulta Pública CNSP 005/2025 – não expressão da Razão, mas sombra projetada da ausência de espírito¹. O que deveria constituir manifestação da eticidade, da forma plena do Espírito Objetivo, revela-se agora “apenas uma exterioridade destituída de substância”, para usar a linguagem hegeliana².
Ao propor a consolidação e flexibilização extrema da profissão do corretor de seguros pelo espectro da “eficiência”, ou a delegação de Ritos Próprios e obrigatórios, o aparato do Estado trai não só o direito, mas sua própria vocação para a beleza e a justiça. Como adverte Hegel: “O Estado não é obra de arte alguma”³ – porque sua legitimidade não repousa jamais sobre a simetria morta das formas, mas sobre a pulsação viva do espírito, sobre a dialética do reconhecimento e da liberdade.
Enquanto a Grécia, “no ápice de sua democracia, conferia à vida pública o princípio da beleza”⁴, o Brasil de nossos dias recua ao feísmo institucional, erigido na supressão dos valores históricos, lançando ao opróbrio uma profissão fundada no aconselhamento, na técnica e na mediação ética. “Não é dado ao Estado legislar contra si mesmo”, clama a razão filosófica. Todo exílio do ideal é, antes de mais nada, feiura: ausência de harmonia entre universal, particular e singular. Contradizer-se, diz Hegel, “é o movimento negativo pelo qual o espírito adquire sua verdade”⁵ – mas esta norma, longe de ser autocrítica, é pura recaída na exterioridade, “má consciência” travestida de atualização⁶.
A estética do direito, afirma Ihering, funda-se na busca da beleza jurídica, da elegância da racionalidade e do golpe de vista fulgurante do julgamento⁷. O que a CNSP 005/2025 nos oferece, todavia, é a antiestética do improviso: fragmenta-se o elo, macula-se a forma, rebenta-se o conteúdo profundo do contrato social. “O momento estético”, como observa Valentin Petev, “não pode senão enriquecer o direito”⁸, mas quando o legislador abdica da harmonia, converte-se em autor de dissonância, entregando ao caos aquilo que deveria ser partitura. O direito, agora, não é obra; é ruína. Não é ritmo; é ruído.
Não se pode legitimar o aviltamento sob a coberta mansa da eficiência técnica. O ultraje ao corretor é ultraje ao próprio ideal nacional. O que se torna ordinário, sob o roxo verniz da modernização, é o espetáculo triste de uma República que, citando Hegel, “não reconhece a liberdade senão em palavras, não nas condições efetivas da vida”⁹. Resta, então, aos que ainda creem na unidade entre razão e beleza republicanas, clamar: recuse-se esta norma! Preserve-se a mediação ética. Reconstrua-se o espírito do Estado – pois, nas palavras do próprio Hegel: “O verdadeiro é o todo. Mas o todo é apenas o que se completa por seu desenvolvimento”¹⁰.
Armando Luís Francisco
Jornalista e Corretor de Seguros
Citações e Fontes
1-“No mundo moderno, a exata exigência jurídica é antes conquista da história do que mera assertividade do poder” – Hegel, Grundlinien der Philosophie des Rechts, §258.
2-“O Estado não é obra de arte alguma.” – Hegel, Filosofia do Direito, §258.
3-“A arte é o modo ideal da realização do espírito, mas o conteúdo ético da vida deve buscar sua plenitude no direito e na liberdade” – Hegel, Cursos de Estética.
4-“A virtude é o fundamento da democracia... mas ainda não é a moralidade interior” – Hegel, Filosofia da História.
5-“O contraditório é o motor do espírito em sua realização: é na negatividade que reside o germe da verdade” – Hegel, Fenomenologia do Espírito.
6-“A má consciência do Estado é a negação silenciosa de seus próprios ideais.” – Adaptado de Hegel, Fenomenologia do Espírito.
7-“A elegância do direito e do jurista... a construção jurídica deveria obedecer à lei da beleza jurídica...” – L. Satie & Hermann Kantorowicz, Direito e Estética.
8-"O momento estético não pode senão enriquecer o direito" – Valentin Petev apud L. Satie, Direito e Estética.
9-“Não reconhece a liberdade senão em palavras...” – Hegel, Filosofia da História.
10-“O verdadeiro é o todo. Mas o todo é apenas o que se completa por seu desenvolvimento.” – Hegel, Fenomenologia do Espírito.
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