Judicialização da saúde: limites legais para medicamentos experimentais e de alto custo
A judicialização da saúde é um fenômeno em expansão no Brasil, impulsionado por decisões judiciais que, com frequência, impõem às operadoras de planos de saúde a obrigação de custear medicamentos de alto custo ou ainda em fase experimental. Embora essas demandas estejam frequentemente associadas a situações de fragilidade e desespero dos pacientes, é preciso reconhecer que elas, muitas vezes, ultrapassam os limites legais, contratuais e regulatórios que regem a saúde suplementar.
Nesse contexto, torna-se fundamental compreender os contornos jurídicos que limitam a atuação das operadoras, especialmente no que se refere ao fornecimento de medicamentos que não constam no Rol de Procedimentos e Eventos da ANS ou que sequer possuem registro sanitário junto à ANVISA. A distinção entre medicamentos de alto custo e medicamentos experimentais é, portanto, crucial. Apesar de serem frequentemente confundidos em petições judiciais, esses dois grupos apresentam características regulatórias distintas e, consequentemente, implicações jurídicas diferentes.
Os medicamentos de alto custo, ainda que onerem substancialmente os sistemas público e privado de saúde, muitas vezes já possuem registro na ANVISA, embora não estejam incorporados ao rol da ANS, o que pode afastar a obrigatoriedade de cobertura pelas operadoras. Já os medicamentos experimentais são aqueles que ainda não possuem aprovação sanitária, encontram-se em fase de pesquisa clínica ou carecem de comprovação científica robusta quanto à eficácia e segurança. Esses, por definição, estão fora do escopo de cobertura obrigatória dos planos de saúde, conforme a legislação vigente.
A Lei no 9.656/1998, que regula os planos privados de assistência à saúde, é clara ao estabelecer as hipóteses de exclusão de cobertura, incluindo expressamente os tratamentos de natureza experimental e aqueles não reconhecidos pelas autoridades sanitárias competentes. Essas exclusões não são meramente contratuais, mas sim amparadas em normas de ordem pública, cujo cumprimento é obrigatório para todas as operadoras. O artigo 10 da referida lei, em seus incisos I e IX, dispõe que tratamentos clínicos ou cirúrgicos de natureza experimental, bem como os não reconhecidos por órgãos como a ANVISA, estão fora do rol de obrigações das operadoras.
O marco regulatório é complementado pelas resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), especialmente a Resolução Normativa no 465/2021, que disciplina os direitos e deveres das operadoras e beneficiários. Essa norma reafirma a legalidade da exclusão de tratamentos experimentais da cobertura assistencial obrigatória. O artigo 17 da RN no 465 estabelece de forma expressa que são permitidas exclusões assistenciais, entre elas o tratamento clínico ou cirúrgico de caráter experimental.
Isso significa que a negativa de cobertura, nesses casos, não é uma escolha discricionária da operadora, mas o cumprimento de um dever legal regulatório.
A atuação das operadoras, nesses casos, segue um rito técnico e normativo. Quando há solicitação de custeio de tratamento fora do rol da ANS ou relativo a medicamentos experimentais, a operadora realiza auditoria médica interna, avalia a justificativa da prescrição, verifica o status do medicamento junto à ANVISA, analisa as cláusulas contratuais e emite parecer técnico fundamentado. Negativas de cobertura com base nesses parâmetros não são abusivas, mas sim compatíveis com o ordenamento jurídico e com a regulamentação vigente. Trata-se de um processo que visa não apenas a proteção do equilíbrio atuarial do sistema, mas também a segurança do próprio beneficiário, evitando o uso de terapias sem comprovação científica adequada.
Apesar da solidez do arcabouço normativo, observa-se, na prática, a crescente utilização do Poder Judiciário como via de acesso a tratamentos não regulamentados. Decisões liminares que determinam o custeio imediato de medicamentos experimentais, sem a devida análise técnica ou produção de prova pericial, acabam por tensionar os limites legais do sistema de saúde suplementar. Embora motivadas por argumentos humanitários legítimos, essas decisões antecipam os efeitos da sentença sem que tenha havido o contraditório, podendo impor obrigações irreversíveis às operadoras e impactarmnegativamente a coletividade de beneficiários.
Do ponto de vista jurídico, essas decisões representam riscos consideráveis. Além de violarem o devido processo legal, podem gerar danos patrimoniais à operadora, que é compelida a custear tratamentos que, em decisão final, podem ser considerados indevidos, sem possibilidade de ressarcimento. Mais grave ainda, comprometem o equilíbrio econômico do sistema de saúde suplementar, cuja sustentabilidade depende da previsibilidade de riscos e da observância das regras contratuais e regulatórias.
A lógica do mutualismo que sustenta os planos de saúde é afetada quando decisões individuais desconsideram os limites estabelecidos pela legislação.
Portanto, é possível afirmar que não há obrigação legal que imponha às operadoras de planos de saúde o custeio de medicamentos experimentais ou não incorporados ao rol da ANS, especialmente quando ausente respaldo técnico-científico que justifique exceção.
A atuação das operadoras, quando pautada por critérios objetivos, análise médica e observância das normas da ANS, deve ser respeitada. A judicialização, embora legítima em muitas situações, não pode ser utilizada como atalho para obtenção de tratamentos não autorizados pela legislação vigente, sob pena de comprometer a sustentabilidade e a lógica coletiva que fundamenta o sistema de saúde suplementar.
Sobre o autor:
Vinicius Caetano Pott - Advogado no Vigna Advogados, Pós Graduando em Direito Digital e LGPD pela PUC, integrante da comissão permanente de direito do consumidor e da comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial OAB/SP
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