Cenário cultural começa a mudar: diversidade avança no topo da produção artística
À frente da ‘Festa Preciosa’, Marcela Silva tensiona a produção cultural ao propor novos repertórios de presença, relevância e linguagem em espaços historicamente homogêneos
Em um cenário onde apenas 1,8% das mulheres negras ocupam ‘conselhos administrativos’, segundo o Instituto Ethos, a presença afro-brasileira em cargos de liderança segue enfrentando barreiras mercadológicas, estruturais e subjetivas.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres negras representam 28% da população, embora sigam sub-representadas em espaços de decisão. Dados da base Ibre/FGV revelam que a remuneração das mulheres chegou à equivalência de 48% do que homens brancos ganham em média. Essa diferença salarial também se reflete no mercado de ‘produções culturais’ – segmento onde a liderança negra se mostra ainda mais desafiadora e necessária.
A empresária baiana Marcela Silva, 39, está inserida nessa pequena, mas potente parcela de mulheres que resistem e lideram. Mulher preta, lésbica e “desfem”, Marcela iniciou o seu repertório afetivo e cultural no interior da Bahia, em Inhambupe, município com pouco mais de 35 mil habitantes. Formada em Administração de Empresas com especialização em Finanças, possui MBA em Marketing e Planejamento Estratégico e é graduanda em Arquitetura e Urbanismo.
“Estar nesses espaços com a minha identidade é, por si só, um ato político. Ser uma mulher negra, lésbica, criada no interior e desfem, num cargo de decisão, ainda incomoda muita gente — e isso me impulsiona”, afirma.
Com atuação nas áreas de gestão de carreira artística, produção de eventos e desenvolvimento de projetos culturais, Marcela se tornou uma das principais referências da cena cultural baiana. Sua assinatura está presente em ações que impulsionam artistas negros, periféricos e LGBTQIAPN+, articulando estratégia com representatividade. Desde 2019, quando iniciou sua atuação no mercado de música e entretenimento, Marcela integrou a equipe responsável pela curadoria artística da 1ª edição do Salvador Black Film Festival, e a equipe que desenvolve o espaço ‘Pocket da Virada’ – na Virada Salvador, colaborando também na criação e concepção do Palco ORIGENS, primeiro palco negro da cidade a romper com a lógica tradicional dos blocos afros.
Além de atuar como A&R na distribuidora digital baiana MUSEQUAL, Marcela foi responsável por gerenciar a carreira da cantora Melly até 2022. Também foi produtora executiva da cantora Nêssa, dentro da Isé Música Criativa, ao lado de Alex Pinto, consolidando sua atuação na gestão artística. Atuou com nomes como Felipe Barros, DJ Gabi da Oxe, a rapper Duquesa e Cronista do Morro. Atualmente, Marcela gere os artistas Cinara e Zai, e é booker da banda Sambaiana, que vem ganhando destaque na cena do samba regional.
A empresária também integra as equipes de produção do Feat Festival, Palco Brisa Carnaval, Palco Brisa Virada Salvador e do Sun7 – Festival da Primavera, além de atuar no desenvolvimento de projetos promovidos pela Saltur para a Prefeitura Municipal de Salvador. À frente da ‘Festa Preciosa’ – voltada para mulheres lésbicas e bissexuais – Marcela reafirma seu compromisso com a transformação do mercado, contribuindo para ressignificar espaços e desconstruir narrativas excludentes por meio da cultura.
“A Festa Preciosa é mais do que uma celebração: é um movimento que valoriza a liberdade de ser, amar e criar. Nascida no coração da Bahia e pulsando no ritmo da cultura lésbica e bissexual brasileira, a festa reúne música, moda, arte, vivências e protagonismo feminino em um espaço plural, afetivo e politicamente potente. Criada em 2022, durante o Mês da Visibilidade Lésbica, ‘Preciosa’ rapidamente se consolidou como um dos eventos mais importantes da cena LGBTQIAPN+ baiana. Agora, mira um novo horizonte: em 2026, a festa pretende dar um passo ousado e se transformar oficialmente em Festival Preciosa, ampliando sua proposta com programação multicultural, ações educativas e impacto social em larga escala”, explica.
Embora o topo da produção cultural ainda seja majoritariamente ocupado por homens, Marcela observa uma mudança, ainda que sutil, em curso. Sua atuação estratégica em um setor historicamente excludente é um exemplo de que novas lideranças trazem repertórios positivos, com relevância, linguagem atual e posicionamento. Ao ocupar espaços de liderança sendo uma mulher preta, lésbica e ‘desfem’, Marcela se vê imersa em um movimento multilateral, mas com um único objetivo: um futuro mais plural.
“Produzir cultura não é um movimento unilateral. É pensar estrutura, sustentabilidade e discurso. Quando uma mulher preta e lésbica lidera, ela questiona os padrões, reposiciona os corpos, ideologias e propõe novas formas de existir dentro da cultura. “O que eu quero é abrir caminhos para que mais de nós estejamos onde sempre deveríamos ter estado. A comunicação, a cultura, o entretenimento — tudo isso só se torna potente quando é feito com verdade, pluralidade e afeto”, conclui Marcela.
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