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Tendências recentes no uso da terra ameaçam a pecuária tradicional no Pantanal

Tendências recentes no uso da terra ameaçam a pecuária tradicional no Pantanal

A pecuária tradicional do Pantanal tem um importante papel para a conservação da biodiversidade da região, no entanto, novos comportamentos de uso da terra e empreendimentos ameaçam uma relação de equilíbrio já estabelecida no bioma. A conclusão é do artigo inédito, recém-publicado na revista Conservation Science and Practice, com participação de dois pesquisadores do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, Rafael Morais Chiaravalloti, primeiro autor do artigo, e André Restel. Link do artigo.

Projetos de infraestrutura como a Hidrovia do Rio Paraguai, barragens hidrelétricas no entorno do bioma ameaçam a integridade dos sistemas hidrológicos da região e de sua dinâmica ecológica. Como se não bastasse, a vinda da pecuária intensiva para o bioma, mineração e a expansão de espécies invasoras, em conjunto, podem promover uma “tempestade perfeita” de desafios, abrindo caminho para declínios significativos no Pantanal.

O artigo tem como base, além da revisão bibliográfica recente, 49 entrevistas com atores locais, incluindo proprietários, gerentes e liderança das fazendas, profissionais vinculados à cadeia de abastecimento do agronegócio, conservacionistas, formuladores de políticas públicas e pesquisadores que atuam na região. As entrevistas auxiliaram os pesquisadores na avaliação sobre a sustentabilidade da pecuária na região, utilizando uma abordagem desenvolvida por Elinor Ostrom – primeira mulher a ser reconhecida com um Prêmio Nobel de Economia em 2009.

Rafael Chiaravalloti, pesquisador associado do IPÊ e da University College London, comenta sobre os motivos que levaram à escolha dos princípios de Elinor Ostrom para o estudo. “Os princípios de Ostrom são fundamentais para entendermos sustentabilidade. Ostrom desenvolveu sua abordagem utilizando pequenos grupos. No nosso caso, conseguimos mostrar que essa abordagem também pode auxiliar na avaliação de problemas em grande escala, como a pecuária em todo Pantanal”, pontua ele, que também é pesquisador no Smithsonian Conservation e professor na ESCAS – Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade.

Fortalezas

Entre os oito princípios de Ostrom, três deles têm contribuído para a conservação e a produtividade no bioma. “O princípio 1 refere-se aos limites claramente definidos. Uma compreensão clara de quem possui formalmente a terra ou a água desempenha um papel central na eficiência das Áreas Protegidas e na oferta dos serviços ecossistêmicos. Mais de 95% da região tem direitos de propriedade definidos. No entanto, isso não significa que o Pantanal não tenha conflitos relacionados ao mau uso do solo, a deslocamentos humanos, intervenções na hidrologia, entre outros”, pontua André Restel, pesquisador do IPÊ e do Smithsonian Conservation, que também assina o artigo.

O princípio 2 são as estratégias de uso de recursos de baixo impacto. “Mais de 80% das áreas de pastagem do Pantanal são constituídas por vegetação nativa, o que levou a um sistema de produção pecuária de baixa intensidade que permite o compartilhamento da mesma área pela biodiversidade e a pecuária, sem comprometimento para ambas as partes”.

O princípio 3 refere-se ao arranjo de escolha coletiva e também é uma importante contribuição para esse Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Unesco. “É possível notar o aumento da participação local nos processos de tomada de decisão, o que faz com que todos ganhem: conservação, pessoas e a produtividade no médio e longo prazo”, pontua André Restel. Um exemplo recente dessa integração entre os diversos atores foi a realização do 1º Fórum Pontes Pantaneiras – que mobilizou mais de 530 pessoas do poder público, iniciativa privada e terceiro setor, para apresentar as diversas iniciativas positivas que estão sendo aplicadas para mitigar os problemas encontrados.

Ameaças

No entanto, cinco princípios de Ostrom são indicadores preocupantes para a sustentabilidade no Pantanal. “Embora o sistema pecuário pantaneiro ainda seja um bom estudo de caso do uso sustentável de recursos naturais, já existem sinais preocupantes que devem ser contabilizados na futura elaboração de políticas públicas e no planejamento de ações prioritárias de conservação”, destaca Chiaravalloti.

Segundo o artigo, considerando como base os princípios de Ostrom, é preciso concentrar esforços como forma de conservar a biodiversidade alinhada à valorização do modo de vida tradicional nos temas: Biodiversidade e monitoramento de comportamento (princípio 4), Sanções graduadas (princípio 5), além da ausência de diretrizes ou padrões para lidar com violações de regras (princípio 6) relacionadas à caça ilegal, desmatamento, contaminação da água também chamou a atenção, seguidas dos princípios Resolução de conflitos acessível (princípio 7) e iniciativas alinhadas (princípio 8).

Os riscos de uma nova pecuária

Rafael Chiaravalloti, pesquisador do IPÊ, destaca que entre os motivos que representam ameaças estão as mudanças recentes no uso da terra. “A pecuária de baixo impacto realizada por pecuaristas tradicionais – que se autodenominam “pantaneiros tradicionais” – com 0.3 cabeças de gado por hectare é, de fato, uma ferramenta de conservação. No entanto, a chegada da pecuária intensiva ao bioma, usando até uma cabeça por hectare tem despontado como ameaça, uma vez que junto com ela vem também a maior parte do desmatamento ocorrido na região relacionado à substituição da vegetação nativa por pastagem exótica conhecida como braquiária”

Nas entrevistas, os pantaneiros tradicionais ressaltaram a importância de manter a pastagem nativa para a conservação do bioma. A prática tem como resultado a pecuária extensiva, com o gado ocupando áreas maiores, mas em sinergia com a conservação do bioma. “A maior parte da minha fazenda é coberta pela água durante o período das cheias, o que mataria a ‘braquiária’ (gramínea exótica). Então, eu mantenho a pastagem nativa”; ou outro, que disse que “dos 38 mil ha de minha fazenda, nenhuma é pastagem exótica”. Os pantaneiros tradicionais também alertam para os riscos da implementação da pecuária intensiva e culpam os pecuaristas que estão chegando à região com outra mentalidade pelas mudanças recentes que começaram a ocorrer em toda a região, como é possível notar nas falas a seguir: “os pecuaristas tradicionais estão desaparecendo, os novos estão chegando com alta tecnologia para intensificar a produção”; “no futuro, não haverá Pantaneiro, a pecuária extensiva no Pantanal será extinta”; “os empreendedores estão chegando com muita dinheiro para desmatar o Pantanal.”

Os efeitos das mudanças climáticas, com eventos extremos, também se posicionam como ameaça para o planeta e no Pantanal não seria diferente. Em 2019, o Pantanal registrou 40% menos chuvas que a média histórica anual, o que ampliou a intensidade e a extensão dos incêndios. 30% do Pantanal queimou, o que levou à morte de pelo menos 17 milhões de vertebrados.


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