Compensação ambiental: lei a favor da natureza e do nosso futuro
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Cristina Seixas Graça e Malu Nunes*
Malu Nunes é diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza (à esquerda) e Cristina Seixas Graça é promotora de Justiça da Bahia, presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (à direita)
A pandemia do coronavírus mostrou para o mundo como a falta de respeito aos limites da natureza, como o consumo de carne silvestre, pode causar consequências severas para todos. Proteger o meio ambiente, portanto, não é apenas uma ideia elusiva que devemos ter em mente, mas uma necessidade urgente e improrrogável que precisa estar no centro de quaisquer ações que tomemos, desde já, como sociedade.
No Brasil, as Unidades de Conservação (UCs) têm o papel importantíssimo de proteger nossos ambientes naturais, possibilitando, por consequência, a salvaguarda da biodiversidade e dos serviços ambientais oferecidos pelo meio ambiente. Muito do território brasileiro resguardado hoje por unidades de conservação terrestres e marinhas contou com o mecanismo da compensação ambiental do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) para ser efetivamente protegido.
Estabelecida em 2000 pela Lei 9.985, a compensação ambiental tornou-se um dos principais meios de financiamento para a implantação e manutenção de UCs no Brasil. Em razão desse instrumento jurídico-financeiro, o processo de licenciamento de empreendimentos públicos ou privados que causem significativo impacto ao meio ambiente obriga a destinação de um porcentual do valor do investimento para as unidades de conservação. Esse repasse envolve uma rede interativa de diversos atores, como órgãos de controle ambiental, tribunais de conta, os responsáveis pelas obras, a administração pública e o Ministério Público, cujo papel de fiscalizar a destinação desses recursos é primordial.
A compensação ambiental tem sido responsável por salvar muitas áreas protegidas do completo colapso. Um risco ainda iminente em vista das dificuldades fiscais e arrecadatórias nos cofres públicos, agravados pelos gastos extraordinários e emergenciais para conter a pandemia. É preciso, portanto, que a compensação seja fortalecida, o que passa, necessariamente, por regulamentação mais clara, meios para tornar a sua aplicação mais fácil e a sua disseminação eficiente.
Muitos conflitos doutrinários e jurisprudenciais ainda rondam a aplicação da compensação ambiental em todo o Brasil. Na prática, isso significa que as decisões em torno da matéria são heterogêneas e até mesmo conflitantes em alguns casos. Enquanto um empreendimento de grande porte pode ter de destinar milhões a título de compensação em uma unidade federativa, iniciativa com grau de impacto semelhante pode ter de pagar bem menos em outra.
Um exemplo é a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2008 entendeu como impertinente o piso estabelecido pela Lei 9.985/2000 de 0,5% do valor do empreendimento. De acordo com a corte, o valor da compensação ambiental deve ser fixado proporcionalmente ao impacto causado, não devendo haver uma referência mínima ou máxima. No entanto, o decreto presidencial 6.848/2009, que teoricamente serviria para pacificar o tema, voltou justamente a impor uma limitação ao pagamento da compensação – com um teto de 0,5%, o que, como já era de se esperar, vem sendo litigado na Justiça.
Além disso, a possibilidade de que a competência do licenciamento recaia sobre diferentes entes da federação, como prevê Lei Complementar n.º 140/2011, exige dos órgãos fiscalizadores um esforço em termos de articulação política, o que nem sempre ocorre na celeridade esperada.
Tudo isso gera dúvidas nos órgãos que têm a responsabilidade de decidir sobre os recursos da compensação, emperrando a destinação desse montante bilionário num processo que muitas vezes acaba sendo judicializado. No final das contas, é a causa da conservação ambiental que sai perdendo.
Tal como essas divergências, muitas outras se espraiam por todo o Brasil, deixando os atores envolvidos nas questões de compensação ambiental como navegantes que atravessam um oceano sem nunca enxergar terra firme. São legislações estaduais e municipais diferentes e entendimentos nem sempre uniformes dos órgãos de controle que dificultam ainda mais o processo já conflituoso de conciliação de interesses.
No entanto, apesar dessas lacunas regulamentárias e legislativas, o instrumento da compensação é uma das maiores conquistas ecológicas que o Brasil teve nos últimos 20 anos e que nem sempre recebe os devidos créditos. Avançar no seu aperfeiçoamento é imperativo. Além de permitir que empresas exerçam sua responsabilidade socioambiental e destinem recursos financeiros para a proteção de UCs, ele garante a preservação da nossa natureza e tudo que dela se origina, incluindo o mais importante: o nosso futuro.
*Cristina Seixas Graça é promotora de Justiça da Bahia, presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. Malu Nunes é diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e do Instituto Grupo Boticário. Abrampa e Fundação Grupo Boticário lançaram recentemente o guia “A Compensação Ambiental do SNUC”, disponível para consulta no site da Abrampa.
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