O Erro Essencial e uma Cosmovisão Nos Contratos Patrimoniais

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Vou procurar, dentro do possível neste ensaio, fazer um elo no qual se possa ver e entender as relações humanas e os fatos praticados na própria sociedade, estabelecendo “um verdadeiro gancho” sobre uma reportagem levada ao ar pelo Jornal da Band, de ontem, e uma chamada inserta no Informativo Jota, hoje divulgada, que contém a seguinte manchete:

'ERRO ESSENCIAL'

TJSP nega pedido de anulação de casamento pelo fato de marido ser homossexual.

Explico melhor essa correlação, entre duas situações em tese, visceralmente, distintas, mas que são aplicáveis à espécie segundo o prisma que passo a abordar, vale dizer, o erro essencial na nomenclatura do Direito.

Diz o artigo 139 do Código Civil:

“O erro é substancial quando:

I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante”.

Pois bem. Inicialmente, a reportagem exibida pelo jornal da band noticiou que segurados foram enganados por seguradoras que compravam peças de reposição de produtos automotivos, de um determinado estabelecimento comercial que fornecia produtos originais falsificados com um preço bem abaixo do valor de mercado, a pedido daquelas para atender seus respectivos segurados.

Aí, a meu sentir, reside o núcleo existencial de dois fatos com enquadramento jurídico semelhante no que tange aos Defeitos do Negócio Jurídico realizados quer no contrato de seguro, quer no contrato sui generis, que é o casamento.

Os pontos a ser dissertados, convergem sob esse color.

Em ambas as hipóteses trazidas à lume, há entrelaçamento no que concerne a um dos defeitos do negócio jurídico, vale dizer, o erro essencial.

Explicito um pouco melhor, penso eu.

Tanto num negócio jurídico como no outro as partes prejudicadas são atingidas por um dos Defeitos do Negócio Jurídico.

Direto ao ponto de conexão de ambos os contratos.

“São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.[1]

No que tange ao objeto principal da manifestação de vontade, “o equívoco é quanto ao objeto, e. g., entregou o relógio suíço, em vez do francês, que fora vendido. Porque houve manifestação de vontade, embora não aquela, com que se deu a coisa, o ato entra no mundo jurídico, e para se livrar dos seus efeitos o manifestante tem de propor ação para desconstituir.”[2]

De um lado, o negócio jurídico do seguro envolve uma obrigação relacional na qual as partes se encontram jungidas a princípios básicos inerentes ao negócio em si, além de se encontrarem subsumidas em cláusulas e condições que não podem atuar em detrimento da parte mais frágil do contrato que é o segurado. Isto é um fato também previsto através de inúmeras decisões pretorianas, em que se consolidou o entendimento de que o contrato de seguro alberga em seus clausulados proteções ao consumidor.

De outro giro, no que tange ao casamento – que também é um contrato - o erro essencial, em suma, “é oriundo do erro sobre a personalidade civil de tal natureza que implique erro sobre a própria identidade (Cfr. Pontes de Miranda; Pacifici-Mazzoni), ao mesmo tempo que essa personalidade civil tenha sido a causa determinante do casamento”.[3]

Enfim, não explicitando a lei quais são essas qualidades essenciais, que constituem a identidade civil, caberá ao julgador, na apreciação do caso concreto, avaliar se as qualidades, sobre os quais incidiu o erro do outro cônjuge, podem ou não ser consideradas como essenciais”, [4]. Isso, evidentemente, em sede de contrato matrimonial.

Retomando, novamente, ao contrato de seguro. Segurar um veículo automotor acoberta o segurado que na hipótese de reposição de peças, em caso de danos sofridos no bem móvel, a seguradora forneça a mesma qualidade do componente que fazia parte integrante do automóvel em seu todo, sem que exista qualquer outro procedimento que não seja repor o bem segurado nos termos estabelecidos no contrato celebrado entre as partes contratantes.

O erro essencial reside, por exemplo, quando uma peça quanto à sua qualidade de fabricação, seja substituída por outra que seja inferior, ou até mesmo falsificada. Haverá, aí, também um dano objeto de uma reparação civil no caso do procedimento em comento.

Penso do mesmo modo, quanto ao contrato de casamento, no que tange ao erro essencial!

Reside no ponto o mesmo procedimento em que os contratantes, quer no seguro, quer no casamento devem ser fiéis aos seus respectivos contratados.

No caso do contrato de casamento, o desembargador Carlos Alberto de Salles, interpretou que as alegações apresentadas pelo casal não justificavam a anulação do casamento, sendo causa para eventual divórcio. O relator acima nominado também analisou que as hipóteses de erro essencial (erro quanto à identidade) são de” cabimento restrito e grave”, o que não é o caso quando há falta de afinidade sexual entre o casal, seja por falta de interesse de um dos cônjuges, seja pelo fato de a orientação sexual ser diversa da “esperada”.

Ainda mais. No julgamento do processo acima citado o magistrado ressaltou que, nos tempos atuais, o casamento não cria a obrigação de se ter relações sexuais, não criando qualquer débito conjugal. Acrescenta que à luz dos direitos de personalidade, da liberdade e dignidade sexual, a homossexualidade é “forma de expressão, autodeterminação e escolha de vida do indivíduo, não podendo mais ser enquadrada como um erro de identidade”.

Divirjo, literalmente, de tal entendimento respaldado em dois dispositivos do atual Código Civil, previstos nos incisos I – fidelidade recíproca e V – respeito e consideração mútuos.[5]

Ademais o julgador enfatiza que na realidade atual do casamento, aceitam-se vários tipos de arranjos de gêneros e sexualidade, e não somente o relacionamento entre heterossexuais. “Logo, não há interesse de agir dos autores em pleitear anulação do seu casamento”.

Se os nubentes através de um pacto antinupcial tivessem escolhido essa forma, nada a opor em relação a um ato jurídico disciplinado pelo Código Civil.

Outrossim, no caso declinado pela reportagem da band no contrato de seguro se convenciona que a seguradora poderia, ou até poderá, se utilizar de “peças usadas” (esse fato foi objeto até de uma normatização da Susep), que, aliás, nunca vigou no mercado, malgrado não se cuidasse de “componentes de peças falsificadas”, tal como demonstrou a reportagem daquela emissora de Tv.

Ademais, ninguém deve ser contra o princípio da autonomia da vontade, tanto que há na atualidade casamento de pessoas do mesmo sexo, sem qualquer impedimento legal.

A meu sentir, não se pode através do tráfico comum dos negócios deixar de lado um dos princípios básicos de qualquer contrato, vale dizer, a transparência e a boa fé. Esse último previsto e vigente no artigo 422 do Código Civil.

Frente ao que expus chego a opinar que ambos os contratos estão imbricados no mesmo conteúdo social, ou seja, de que não poderá existir erro essencial em nenhum tipo contratual desenhado por nosso legislador.

É um paralelo que as situações acima registradas me oportunizam tecer esses comentários, muito embora de institutos jurídicos totalmente díspares, mas que, ao fim e ao cabo, resultam no procedimento comum de como os negócios jurídicos devem ser conduzidos.

É o que penso, sob censura.

Porto Alegre, 28 de junho de 2023.

Voltaire Marensi - Advogado e Professor

[1] Artigo 138 do Código Civil.

[2] Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, volume 4. Editor Borsoi, página 289.

[3] J.M. de Carvalho Santos. Código Civil Interpretado. Volume IV, 7ª edição, 1961, página 224.

[4] Comentários ao Novo Código Civil. Antonio Carlos Mathias Coltro. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Tereza Cristina Monteiro Mafra, volume XVII. Editora Forense, 2ªedição, 2005, página 261/262.

[5] Código Civil, artigo 1.566.

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