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A internação compulsória de dependente químicos: radical, mas necessária

Sandra Franco*

Foi sancionada no último dia 06 de junho a Lei 13840/2019 que permite a internação involuntária de dependentes químicos sem autorização judicial, ou seja, uma internação sem consentimento do interessado. Uma medida agressiva na visão de muitos, mas necessária. Pela nova regulamentação, que já está em vigor, a internação depende de avaliação sobre o tipo de droga consumida pelo dependente e será indicada "na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde". O texto também determina que a família ou o representante legal do paciente poderão solicitar a interrupção do tratamento "a qualquer tempo". Outro ponto relevante é que tanto a internação involuntária quanto a voluntária devem ser indicadas somente quando "os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes".

São diversas questões que envolvem este polêmico e delicado tema: políticas públicas de saúde e de segurança, a proteção da sociedade e o direito individual. Pelos distintos enfoques de especialistas em saúde mental, juristas, gestores das redes de saúde já se pode notar a ausência de consenso: uma corrente acredita que a nova lei, ao permitir a internação compulsória, tira a autonomia do dependente químico em relação ao que ele pode fazer da vida dele, inclusive violando o princípio constitucional da dignidade humana e do direito de ir e vir. Isso porque a internação compulsória obrigará o usuário de drogas a um tratamento agressivo, contra a sua vontade. Entretanto, é importante considerar que, em certos estágios, a pessoa viciada em algum tipo de substância química já não está mais ciente dos seus atos e representa um perigo para si mesma e para a sociedade. Assim, se a família ou o Estado decide que a melhor saída é a internação, para que ela possa ser reabilitada, o importante passo deverá servir como oportunidade para a saúde das pessoas que são adictas.

A dependência química é um dos fenômenos de mais difícil resolução da humanidade. Se de um lado existe a droga, do outro estão as possíveis causas: fracasso do sistema de ensino, desestruturação familiar, aumento das desigualdades sociais, ausência de incentivo ao esporte, falta de lazer, mercado de trabalho saturado, sistema de justiça falho, tráfico de drogas intenso, questões existenciais e outros. O tema precisa ser discutido pela perspectiva biopsicossocial, sem dúvida: não há um único caminho a explorar.

A dependência acarreta ou aflora inúmeras consequências negativas ao corpo humano, inclusive as chamadas comorbidades (doenças psiquiátricas associadas), como psicose, paranoia, esquizofrenia, manias, bipolaridade, entre outras. A consequência mais notória é a agressão ao sistema neurológico, provocando problemas cognitivos e, em alguns casos, oscilação de humor. E, quando a situação fática dos mais de dois milhões de usuários apresenta um cenário degradado e insustentável, medidas como a internação involuntária podem ser plenamente adotadas dentro de um Estado de Direito, em que todos são iguais perante a lei, garantidos o direito à vida e à liberdade. A privação da liberdade de ir e vir faz-se essencial para que se vislumbre alguma possibilidade de devolver dignidade a alguns dependentes químicos, inconscientes e vulneráveis, perambulando nas ruas de muitas cidades do país.

Trata-se de um passo importante na saúde pública brasileira. Porém, não adianta criar uma lei que permita a internação compulsória se não existe uma estrutura preparada no sistema público de saúde para atender a essas pessoas e a seus familiares. Sabe-se que a família do dependente químico adoece junto com ele e também precisa de uma equipe preparada para auxiliar neste momento. Tratar o dependente como um problema de saúde pública, estruturando as redes para o acolhimento do doente, buscando alternativas de tratamentos ambulatoriais e recursos extra-hospitalares. Por se tratar de medida de exceção, mister que Ministério Público, Defensoria Pública e outros órgãos de fiscalização acompanhem as internações e tratamentos, a fim de que abusos sejam evitados. Há um tempo máximo para a internação do dependente e requisitos formais a serem observados, consoante a referida lei.

Vale frisar que, do ponto de vista social, a nova lei é uma grande oportunidade para retirar das ruas algumas pessoas que cometem violência e delitos vinculados ao uso de entorpecentes. Isso pode fortalecer uma nova política de segurança pública, mas sem o uso da violência o da força policial. Deve ser feito e encarada com uma questão social e de saúde. Por isso a importância da lei englobar as Comunidades Terapêuticas Acolhedoras para a permanência dos usuários de drogas. O texto estabelece que esses locais devem servir de “etapa transitória para a reintegração social e econômica do usuário de drogas”. Entretanto, nessas casas o dependente deverá manifestar o seu desejo de aderir às comunidades e terá que se submeter a uma avaliação médica. Outro ponto importante é que é que ficou vedado o isolamento físico do usuário nesses locais.

Não há regulamentação para um trabalho em rede com os serviços de saúde e de reinserção socioassitencial, em um sistema de referência e contrareferência, justamente uma medida imprescindível se considerarmos que muitos dependentes sofrem de comorbidades e nas comunidades não há recursos , como regra geral. As entidades de autoajuda (AA, NA, Pastoral da Sobriedade, Amor Exigente e outros) poderiam ser outro excelente recurso para usuários e familiares, as quais prestam um valioso serviço para o comprometimento para a reorganização da vida dos usuários e respectivas famílias.

A nova lei provoca uma reflexão que não se limita ao usuário, mas também alcança o combate ao tráfico de drogas. Quanto ao sistema de justiça brasileiro, por exemplo, usuários de drogas figuram em milhares de processos cíveis e criminais em todo o país, sem que lhe seja possibilitado um desburocratizado tratamento em rede. Todos os problema sociais desaguam na justiça, mas o sistema judiciário é pensado para resolver somente o litígio em si, e não sua verdadeira causa. É necessário somar esforços conjuntos para, por exemplo, se evitar que um usuário inicial transforme-se em um dependente.

A saúde e a segurança são direitos garantidos para os cidadãos brasileiros e representam deveres do Estado. A dependência química é algo sério e que deve ser encarado pela sociedade de forma direta para o seu próprio fortalecimento. Precisamos evoluir e entrar em ação de forma conjunta para oferecer um futuro seguro para as futuras gerações e brecar o crescimento de um problema social grave. Novos rumos, às vezes, exigem medidas mais duras.

*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, ex-presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública.


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