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Cientistas reúnem iniciativas sustentáveis praticadas por agricultores familiares maranhenses

Em uma das regiões com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, famílias agricultoras e extrativistas encontraram meios de se sustentar sem prejudicar o meio ambiente. A despeito das privações e dificuldades, elas adotaram e até desenvolveram formas criativas e sustentáveis de produzir. Uma pesquisa multidisciplinar desenvolvida pela Embrapa observou e registrou essas práticas que deram origem a uma inédita coleção: Mestres do Agroextrativismo no Mearim, disponível gratuitamente na internet.

Com base em seu conhecimento tradicional, esses produtores da região conhecida como Médio Mearim, no estado do Maranhão, empregam práticas conservacionistas para a recuperação de áreas degradadas e da fertilidade do solo, como a produção diversificada, integração da agricultura com a atividade extrativa e a criação animal, reflorestamento com espécies arbóreas e frutíferas, substituição do uso do fogo na agricultura e sistemas agroflorestais. A pesquisa selecionou técnicas positivas empregadas por 30 famílias e que marcam a realidade da agricultura de pequeno porte no território maranhense. O objetivo é sistematizar e valorizar o conhecimento empiricamente validado e multiplicá-lo, reconhecer o papel desses agroextrativistas na conservação ambiental e apoiar o desenvolvimento social, econômico e ambiental dessas comunidades.

A pesquisa teve início em 2017, com a realização de um amplo diagnóstico socioeconômico de 1.025 famílias em 200 povoados no Médio Mearim (MA), em parceria com a Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema). De acordo com o pesquisador Roberto Porro, da Embrapa Amazônia Oriental, um dos autores e coeditor técnico da coleção, o grupo sistematizou 30 iniciativas exitosas em boas práticas de agricultura, pecuária e extrativismo, incluindo sistemas agroflorestais, reflorestamento, recuperação de áreas degradadas e a integração da criação animal nas áreas cobertas pela palmeira babaçu (Attalea speciosa Mart.ex Spreng). Participaram do levantamento pesquisadores, técnicos e agentes de desenvolvimento.

O trabalho faz parte do projeto Bem Diverso, iniciativa da Embrapa em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). O projeto busca garantir renda e sustento a centenas de famílias que vivem da terra. As ações estão espalhadas por seis regiões com grande riqueza de biodiversidade mas que possuem baixos Índices de Desenvolvimento Humano no Cerrado, na Caatinga e na Amazônia.

Onde fica o Mearim

O território da cidadania do Médio Mearim está situado numa zona de transição entre a Amazônia, o Cerrado e a Caatinga, na qual predominam as florestas secundárias da palmeira babaçu. “Historicamente é uma região onde houve muito sofrimento, muitos conflitos. E ainda hoje é uma região desassistida por políticas públicas mais efetivas”, relata o pesquisador.

De acordo com levantamento da Assema, mais de 130 mil pessoas vivem na área rural do Médio Mearim, sobretudo agricultores familiares, assentados e comunidades quilombolas. “Ao longo dos anos, o território perdeu boa parte da sua cobertura florestal nativa, por conta do desmatamento para formação de pastagens e agricultura extensiva”, relata Raimundo Ermino Neto, coordenador-geral da Associação. O babaçu, palmeira que sempre esteve presente na composição da vegetação originária, passou a dominar a paisagem em sucessão, tornando-se a espécie florestal predominante.

Práticas do bem viver

As iniciativas selecionadas entre mais de mil famílias envolvem práticas agropecuárias e florestais que aliam os saberes tradicionais das comunidades locais a tecnologias adequadas à realidade do meio rural. “Elas evidenciam uma capacidade técnica de inovação da agricultura familiar em biomas importantes como a Amazônia, a Caatinga e o Cerrado”, afirma Maria Cléria Valadares-Inglis, chefe-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

O trabalho, de acordo com Porro, integrou elementos da metodologia etnográfica, pesquisa quantitativa e mapeamento participativo para “registrar uma ampla gama de situações produtivas que caracterizam o que localmente é considerado como bem viver,” explica o cientista social.

A seleção das iniciativas levou em conta o destaque das famílias na condução de uma ou mais atividades em oito eixos produtivos: (1) reflorestamento, sistemas agroflorestais e cultivos perenes diversificados para restauração de áreas degradadas e conservação da biodiversidade; (2) cultivos anuais intensificados sustentáveis que demandam menos mão de obra ou menos área; (3) cultivos anuais tradicionais com menor impacto ambiental; (4) cultivos comerciais de hortaliças; (5) pecuária em pastagens produtivas integradas em babaçuais; (6) inovações na criação de pequenos animais; (7) processamento de frutas, mandioca ou leite; e (8) processamento do coco babaçu para produção de azeite, carvão, mesocarpo e confecção de artesanato.

“Em cada caso, identificamos as dimensões do caráter exitoso observado pela equipe que conduziu esse trabalho ao longo de 18 meses”, relata. O grupo colheu depoimentos, imagens e gerou textos que poderão ser utilizados em processos de aprendizado e compartilhamento do conhecimento. “Cada publicação retrata, portanto, o trabalho muito mais amplo realizado por centenas de famílias no território”, conclui.

Saber tradicional aliado à tecnologia

A publicação destacou a restauração de áreas de preservação permanente, como as margens dos igarapés, com plantio de espécies arbóreas; a restauração produtiva de áreas com sistemas agroflorestais; a produção de mudas florestais - como mogno, aroeira, ipê, jatobá, mutamba, maçaranduba, angico-branco, paricá, angelim; e em particular o uso de espécies leguminosas como o sabiá (Mimosa caesalpiniifolia Benth.) para recuperação da fertilidade do solo.

Para o pesquisador da Embrapa Anderson Sevilha, coordenador nacional do Projeto Bem Diverso, a Coleção Mestres do Agroextrativismo no Mearim inaugura a linha editorial aberta pela Empresa para tratar do papel do extrativismo na conservação da biodiversidade e no desenvolvimento territorial em bases sustentáveis. Segundo ele, o registro dessas práticas traz luz ao processo de formação desse conhecimento. “Viabilizar essas ações não se restringe apenas ao reconhecimento da importância do trabalho dessas populações, mas, acima de tudo, possibilitar e buscar oportunidades para sua consolidação e multiplicação”, diz Sevilha.

Com relação à produção agropecuária, além do plantio de culturas alimentares anuais e hortaliças com menor impacto ao meio ambiente, a coleção destacou a diversificação de culturas perenes, com ênfase na produção de espécies frutíferas como banana, cajá, caju, acerola, cupuaçu, açaí e abacaxi, entre outras. O trabalho enfatizou ainda o beneficiamento das frutas, com a produção de polpas, que figura entre as principais oportunidades econômicas para as famílias.

A pesquisa identificou também técnicas de recuperação do solo consagradas pela ciência, como a cobertura do solo com biomassa, que mantém a umidade do solo e aumenta disponibilização de nutrientes aos cultivos; além do uso de biofertilizantes e de defensivos naturais. E a intensificação da produção de mandioca, arroz, milho e feijão com menor impacto ambiental, substituindo o corte e a queima no preparo das áreas pela cobertura morta, e realizando a alternância de áreas com, no mínimo, seis anos de pousio (descanso).

“Os avanços alcançados por essas famílias integram dimensões econômicas às ambientais e sociais”, destaca o pesquisador Roberto Porro. Ele ressalta ainda que a diversidade das práticas sustentáveis empregadas pelas famílias é algo que se repete em diversos outros contextos de predominância da agricultura familiar, que, porém, não têm visibilidade. A iniciativa pode, portanto, ser vista como uma semente a ser replicada para dar maior destaque ao protagonismo local.

Para a pesquisadora da Embrapa Tatiana Sá, o trabalho mostra os desafios da atividade agroextrativista da região, e as saídas que as famílias encontraram na agricultura familiar, no extrativismo do babaçu e de outras palmeiras. “Se pensarmos em um processo de transição agroecológica, essas experiências nos mostram uma diversidade de atividades que vão para além da agropecuária, vemos uma atividade da sociobiodiversidade de famílias que vivenciam o desafio diário de encarar sua sobrevivência”, analisa.

Publicação

A coleção “Mestres do Agroextrativismo no Mearim” apresenta 30 iniciativas locais bem-sucedidas no manejo sustentável da agricultura familiar integrada com o extrativismo da palmeira babaçu, em nove municípios, no território do Médio Mearim, no estado Maranhão. Cada volume apresenta as boas práticas associadas aos meios de vida de uma das famílias no território, retratando os sistemas de produção na agricultura, pecuária e extrativismo; as práticas de reflorestamento e restauração de áreas degradadas; os processos agroindustriais de agregação de valor; e a comercialização da produção realizada por centenas de famílias no Médio Mearim.

“O trabalho registra o protagonismo das famílias, apresenta o seu dia a dia, e resgata o histórico de dificuldades enfrentadas por essas pessoas e seus ascendentes”, conta Porro, da Embrapa Amazônia Oriental.

A coleção, que pode ser acessada gratuitamente, é assinada pela Embrapa e pela Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema), e foi produzida no âmbito do projeto Bem Diverso.

As vidas do Mearim

Uma das famílias retratadas na coleção é a de Matias Sousa Nascimento, 55 anos (foto abaixo), e Isabel Beta de Lima, 56 anos, que residem no município de Poção de Pedras, a 350 quilômetros da capital maranhense. Nascimento conta que foi o “primeiro maranhense de Poção de Pedras a estudar em uma escola rural, em 1983”. Ele foi aluno e depois monitor da primeira Escola Família Agrícola (EFA) do estado do Maranhão.

Em 26,5 hectares, área chamada de sítio Preservida, ele dá uma aula de como produzir alimentos, aproveitar os recursos naturais e ajudar a natureza a se regenerar. “Isso tudo é uma forma de relação com a natureza, de contribuir com o meio ambiente. Você não produz só para você, produz também para os pássaros, para os animais em geral, para o solo, para as plantas”, ensina o agricultor.

A propriedade é dividida em quatro setores: frutas, hortaliças, roça de mandioca e criação de animais. A produção é integrada ao plantio de essências florestais. Ele também mantém uma área de floresta secundária com mais de 30 anos.

Exemplo para fazendeiros vizinhos

É no sítio Preservida que Nascimento e sua família – um dos três filhos trabalha com ele e com a esposa na propriedade – recebem estudantes, agricultores e pesquisadores de diversos estados para conhecer o manejo integrado e os sistemas agroflorestais implantados no local. Mas uma das mais importantes mudanças para o agricultor está bem próxima. “Meu sítio é rodeado de grandes fazendeiros. E hoje eles me procuram para buscar mudas e orientação para plantar em suas áreas. Isso me dá uma satisfação enorme”, conta com empolgação.

Nascimento conseguiu convencer pequenos e grandes agricultores que produzir, recuperar e preservar é um bom negócio. “Eu sinto muita alegria quando recebo as pessoas aqui, mostro esses resultados e vejo a expressão no rosto delas. E quando vejo uma empresa como a Embrapa valorizar esse trabalho, dá mais orgulho ainda”, diz.

Mulheres agroextrativistas

O trabalho feminino, evidenciado pelas mulheres quebradeiras de coco babaçu, é uma característica da região. Maria do Socorro Batista Medeiros, de 38 anos, é uma delas (foto acima e ao lado, com a família). Conhecida como Dona Lila, ela se destaca pelas ações de reflorestamento com espécies madeireiras e frutíferas.

Dona Lila e o marido, Antônio Alves de Araújo, vivem na comunidade Centro dos Cocos, município de São Luís Gonzaga do Maranhão. As principais atividades econômicas da família, além da produção de mudas para reflorestamento, são a roça de mandioca, a produção e o processamento de frutas para a comercialização das polpas.

Produzir mudas e reflorestar, para ela, é um trabalho que envolve amor. “Meu marido aprendeu com o pai e eu aprendi com ele”, conta. “É importante registrar a nossa história e mais do que isso, é importante ver essa história sendo contada para muita gente”, reconhece a agricultora.


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