Brasil,

Pandemia, o sistema carcerário e o CNJ

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*Por Euro Bento Maciel Filho

Como todo mundo sabe, a pandemia decorrente do coronavírus espalhou pânico e aflição, causando imensos prejuízos financeiros e milhares de perdas humanas.

Dentro desse contexto, não foram poucos os países que, visando controlar a doença dentro de seus territórios, adotaram medidas restritivas ao direito de liberdade, tais como o “confinamento” de populações inteiras dentro das suas casas, a paralisação de toda e qualquer atividade comercial, e, ainda, o fechamento de suas fronteiras. Ou seja, a limitação da liberdade de locomoção, por variadas formas, tem sido a medida mais comumente adotada mundo afora, como forma de combate e prevenção à disseminação da Covid-19.

Contudo, paradoxalmente, enquanto sociedades inteiras ficam “reclusas”, fato é que, dentre as medidas recomendadas para se evitar o surto do coronavírus também está a liberação de presos, que se encontram amontoados em prisões e estabelecimentos prisionais.

De fato, assim foi feito no Irã (que libertou mais de 85 mil detentos) e nos Estados Unidos, onde boa parte da população carcerária tem sido solta, mediante critérios e requisitos específicos.

Mas, afinal de contas, porque a soltura de presos é considerada uma política eficaz para prevenir e combater a disseminação da Covid-19? Partindo do princípio de que toda e qualquer prisão, independentemente de país ou região, pressupõe a aglomeração de diversos presos, em espaços diminutos e, normalmente, em situações insalubres e pouco higiênicas, não é preciso ir muito longe para se perceber o grande perigo que os estabelecimentos prisionais representam. Afinal, além dos detentos há ainda, uma infinidade de pessoas que frequentam ou trabalham nos estabelecimentos prisionais.

Além disso, é fato que as pessoas encarceradas estão mais suscetíveis a contraírem doenças dermatológicas, gástricas e, sobretudo, respiratórias (tuberculose, por exemplo).

Enfim, é preciso ter em mente que um presídio, qualquer que seja o regime (fechado ou semiaberto), pode se transformar num verdadeiro difusor da doença, seja interna, seja externamente.

Nesse compasso, justamente para propor aos Tribunais e Magistrados a “adoção de medidas preventivas à propagação de infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos estabelecimentos do sistema prisional e do sistema socioeducativo”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou, no último dia 17 de março, a Recomendação n. 62/2020, cujo texto traz uma série de medidas voltadas à proteção não só dos presos, mas também a todos aqueles que frequentam nossas penitenciárias (agentes, policiais, carcereiros, funcionários, parentes etc.), tudo com o claro objetivo de evitar que as mesmas se transformem em focos propagadores da doença.

E, como não poderia deixar de ser, é certo que, entre as propostas trazidas pelo CNJ, está a soltura de presos e adolescentes infratores, notadamente daqueles inseridos no chamado “grupo de risco” e, também, dos que estejam presos em estabelecimentos prisionais ou “com ocupação superior à capacidade” ou que não disponham de equipe médica própria.

De efeito, da leitura atenta daquela “recomendação”, nota-se a especial preocupação do CNJ com as “pessoas privadas de liberdade”, haja vista que, conforme expressamente mencionado no seu texto, é fato que “um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos”.

Insta dizer, desde logo, que a Recomendação publicada pelo CNJ não é lei. Trata-se, sim, de mera orientação passada pelo CNJ a juízes e tribunais do país inteiro, a qual, por óbvio pode, ou não, ser seguida. Contudo, ainda que sua aplicação seja facultativa, fato é que o próprio STF, nos autos da ADPF n. 347, recomendou aos juízes das Execuções Penais que procedam à análise da situação dos presos, caso a caso, para que sejam adotadas, quando possível, as recomendações passadas pelo CNJ.

Antes das cornetas soprarem, é bom dizer que o CNJ não propugna pela soltura irrestrita de todos os presos (e menores infratores). Longe disso! Basta uma atenta análise do texto da Recomendação 62/2020 para se constatar que, muito embora haja expressa orientação para um maior cuidado com os presos inseridos no “grupo de risco” (idosos, diabéticos, gestantes, lactantes ou que tenham doenças preexistentes), existem critérios bem específicos.

Não é, positivamente, o “liberou geral”, como alguns desinformados andaram apregoando. Tratam-se, sim, de orientações certas e determinadas, voltadas à proteção de toda a sociedade (e não apenas da massa carcerária), aplicáveis ao específico momento histórico que o país atravessa.

De toda forma, nesse momento de pandemia, é preciso levar em conta também o lado humanitário da questão. Afinal, lastreado no bom senso e na razoabilidade, é de todo inconcebível aceitar que presos doentes, ou que tenham a saúde debilitada, permaneçam reclusos, em um ambiente insalubre, expostos à maior probabilidade de serem infectados pelo coronavírus, que lhes poderá ser fatal.

De mais a mais, analisando-se o tema sob o aspecto constitucional, é preciso ainda dizer que a nossa Carta Magna prevê, no seu artigo 196, que, independentemente de qualquer condição, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Sob esse prisma, sendo certo que incumbe ao Estado proteger a saúde e a vida de todo e qualquer cidadão (preso ou solto, tanto faz), evidente, portanto, que todas as medidas possíveis para as assegurar, devem ser adotadas.

Nota-se que a Recomendação n. 62/2020, do CNJ, não só tem guarida nas orientações passadas pelos órgãos médicos e sanitários, mas, também, ostenta claro viés constitucional e, mais que isso, humanitário.

Sendo assim, longe de pugnar pela “soltura geral”, o que a Recomendação n. 62/2020, do CNJ, propõe é, apenas e tão somente, que nossos juízes e nossas Cortes de Justiça adotem o bom senso como regra, para que a situação processual/carcerária dos nossos presos, sobretudo daqueles inseridos no “grupo de risco”, seja reanalisada, sem preconceitos e prejulgamentos. Se for o caso, que se solte...e ponto.

Euro Bento Maciel Filho é mestre em Direito Penal pela PUC/SP. Também é professor universitário, de Direito Penal e Prática Penal, advogado criminalista e sócio do escritório Euro Maciel Filho e Tyles – Sociedade de Advogados.


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